Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Incêndio que destruiu obras de Hélio Oiticica levanta a discussão sobre como preservar a memória cultural em Brasília

Há uma semana, a cultura brasileira sofreu um duro golpe. Grande parte do acervo do artista plástico carioca Hélio Oiticica (1937-1980) foi destruída em um incêndio. As chamas levaram pinturas, esculturas, instalações, documentos e outros objetos que estavam guardados na casa do irmão do artista, César Oiticica, no Rio de Janeiro. O que a perícia ainda não sabe é a causa do sinistro, já que o local era supostamente seguro (tinha detector de fumaça e controle de umidade e temperatura).

O incidente suscita a preocupação sobre como são preservadas as obras de arte e os acervos culturais nas residências dos artistas ou seus herdeiros em Brasília. Viúva do maestro Claudio Santoro (1919-1989), a bailarina Gis;le Santoro tem em casa desde anotações feitas a lápis até gravações em fita magnética realizadas pelo marido na Alemanha e jamais passadas para outra mídia. ;Se pegar fogo lá em casa, já era!”, alarma-se. Gis;le diz que todo o material de Santoro guardado com ela não está armazenado em condições ideais de segurança. ;O Claudio completaria 90 anos em 2009 e muito pouco foi feito para homenageá-lo ou preservar seu acervo. Neste ano, só mesmo os cinco concertos realizado pelo Silvio Barbato no CCBB;, detalha. Ela conta que a Secretaria do Patrimônio Artístico Histórico prepara o tombamento do acervo de Santoro. ;Quem sabe, com isso, a obra dele possa ser resgatada, mas o ideal seria um memorial;, almeja.

;O grosso do meu material está preservado;, diz o cineasta Vladimir Carvalho, que mantém na W3 Sul uma casa transformada em uma espécie de museu, o Cinememória. Lá, ele guarda documentos, livros e revistas reunidos ao longo de quatro décadas, além de equipamentos de cinema (cinco moviolas, por exemplo) e cópias em película de seus filmes. É um acervo precioso que ajuda a contar a história audiovisual da capital federal e do Brasil. ;Eu me precavi há muito tempo;, conta. Os negativos de seus filmes estão guardados em cinematecas do Rio e de São Paulo. ;Aqui em Brasília, eu recorri ao arquivo público. Lá, eles têm uma sala mais ou menos climatizada. Mas não vislumbro na cidade uma instituição para fazer uma doação do meu acervo. Em vida, eu estarei aqui, como um vigilante, cuidando de tudo, mas, quando eu desaparecer, vai todo o material para a UnB ; a universidade tem cursos, pesquisadores, pessoas que se interessam. Já até assinei uma papelada para formalizar isso, falta apenas protocolar algumas coisas em cartório.;

Artista plástico gaúcho radicado em Brasília, Glênio Bianchetti tem boa parte de sua produção documentada, fotografada e catalogada, ou seja, em caso de fogo perde-se a obra, mas mantém-se o registro. ;Ninguém está livre de um incêndio em casa;, sentencia. Ainda assim, ele é categórico em afirmar que o melhor lugar para guardar seu trabalho ainda é em casa: ;Acho essas instituições por aí muito precárias. Prefiro ter as obras comigo. É um patrimônio da minha família. Quando eu me for, só ela poderá dizer o que fazer com os quadros;.

Atualmente, as seguradoras no Brasil não aceitam fazer a cobertura de obras de arte. ;O risco é muito grande e os valores altíssimos. Você pega um Picasso, por exemplo. Estamos falando de milhões. Mas, para uma pessoa, o quadro pode valer um milhão e para outra, três;, explica o corretor de seguros Paulo César Abraham.

Insegurança à mostra

A falta de condições adequadas para a preservação das obras foi o que levou o Museu de Arte de Brasília (MAB), a ser interditado pelo Ministério Público. Atualmente, o acervo está guardado no Museu Nacional Honestino Guimarães. ;Apesar de tudo, recebemos o acervo em boas condições;, conta o diretor do museu, Wagner Barja. ;Aqui, as obras estão em uma sala ampla, embaladas. Comtamos com técnicos fazendo higienização. O museu possui climatização, segurança virtual e presencial. A gente tem noção que cuida de um patrimônio importantíssimo. E esperamos um reconhecimento não só da comunidade, mas das autoridades: precisamos de mais verbas, mais profissionais para poder tocar um museu e não só um centro cultural. A cidade está querendo virar uma senhora e para isso precisa se comportar como tal;.

Quem também luta por melhores condições é a Fundação Athos Bulcão, que funciona atualmente na Secretaria de Cultura. O local guarda telas, fotomontagens e diversas plantas de projetos de Athos (1918-2008). ;Nossos extintores de incêndio são revisados com a freqüência que os bombeiros indicam. Mas qualquer lugar está passível de acidentes", comenta Valéria Cabral, secretária executiva do espaço. Ela conta que o terreno para a sede da fundação já tem endereço determinado (no Setor de Difusão Cultural, no Eixo Monumental, perto da Funarte), o que falta agora é conseguir a verba, aproximadamente R$ 3 milhões, para a construção.

Deixar as obras sob responsabilidade dos familiares, do Estado ou de instituições privadas é uma questão recorrente. Como não conseguiram junto ao governo federal transformar em uma fundação cultural a casa onde vivia em Brasília o artista plástico baiano Rubem Valentim (1922-1991), seus herdeiros venderam o imóvel e levaram as telas do pintor para o Rio de Janeiro.