Apertados em maletas, caixas de madeira ou sacos, bonecos do teatro popular viajaram milhares de quilômetros em silêncio com o desejo de reinarem sobre palcos improvisados. No Museu Itinerante de Bonecos, instalado no Centro Comunitário da Universidade de Brasília (UnB) desde quarta-feira, o choque: eles estão estáticos na parede. Os mamulengos, cabisbaixos por terem virado peça de museu, esperam o corajoso visitante a dar-lhes o toque de vida. O acesso e a manipulação estão abertos ao público. É só entrar e criar as histórias.
Logo na entrada, o fanfarrão Padre Chanca e o colega Mestre Sala, personagens tradicionais da cultura portuguesa, dão as boas vindas. ;Muitos deles foram adquiridos em viagens pelo mundo, outros vieram parar nas nossas mãos por acaso. Todos, além da personalidade própria enraizada na cultura de seus países, têm uma trajetória interessante de chegada ao museu;, detalha a coordenadora Izabela Brochado, doutora em tradição brasileira de bonecos e colecionadora, que comprou o par durante uma visita a Évora, em Portugal.
A primeira parte da exposição apresenta bonecos de todo o mundo, originais de países como Tailândia, Itália, Alemanha e Índia, e contextualiza historicamente a arte da manipulação. ;Existem muitos levantamentos documentais e teorias sobre onde surgiu primeiro o teatro de bonecos, mas sabe-se que começaram a aparecer em diferentes lugares de forma independente;, explica Izabela. Entre os destaques da primeira sala, um Pulcinello representa a Commedia Dell;Arte italiana do século 15, ao lado de um pequeno Punch, seu representantes em terras inglesas.
Os setores do museu foram divididos entre bonecos de manipulação direta, teatro de sombra, varas e varetas. Em cada área, visitantes são encorajados a tomarem o lugar do artista e montar pequenas histórias. ;As crianças são mais empolgadas nesse momento, mas temos o objetivo de desmistificar a ideia de que só elas se interessam pela arte. Além de explicar a origem de cada personagem e as diferentes formas de manipulação, o museu foi idealizado para que pessoas de qualquer idade pudessem fazer parte das encenações;, conta a coordenadora Janaína Azevedo.
Uma sala dedicada exclusivamente aos mamulengos resume a força do imaginário pernambucano em repentistas, trios de forró, diabo, cavaleiros e o negrinho do pastoreiro. No centro, o paquerador personagem Negão, cedido pelo Grupo Pirilampo de Teatro de Bonecos e Atores, conta com humor a história da cultura tradicional de Pernambuco. ;Acho que todo mundo tinha que conhecer. Os bonecos são muito divertidos e a maioria das pessoas precisa de alegria;, opina a pequena visitante Raíssa Farias, 11 anos. A amiga Lorrany Alves, 10, vai além: ;Eu nunca tinha visto esse tipo de teatro. Agora, quero ser bonequeira para poder montar uma comédia bem engraçada e fazer todo mundo rir;, deseja.
Casa móvel
O acervo, constituído por doações e empréstimos de colecionadores anônimos, dos grupos de teatro Pirilampo, Invenção Brasileira, Companhia Pão e Circo e de populares, como o paraibano Mestre Clóvis, explicitam a força do projeto que, nômade por sua própria constituição, pode fincar raízes em qualquer lugar do país. Até a estrutura do museu foi concebida como uma casa ambulante, construída com madeiras e dobradiças que podem ser desmontadas e transportadas. ;Essa característica de itinerância é intrínseca ao teatro de bonecos. Não faz sentido manter os personagens guardados em casas ou estúdios, eles têm de ser estudados, manipulados e levados a público;, justifica Janaína Azevedo.
Além da exposição, o projeto contempla oficinas voltadas para professores, com técnicas para montar pequenos espetáculos nas escolas e ensinar, de forma lúdica, os pilares do teatro de bonecos. Para os profissionais da área, há aulas sobre construção simplificada de fantoches, contação de histórias, técnicas e iniciação ao teatro de formas animadas. ;A cada cidade por que passarmos, vamos procurar os mestres locais e convidá-los a participar. A programação não será fixa, mas construída junto à comunidade;, argumenta Janaína. As próximas casas do Museu Itinerante de bonecos serão Gama, Planaltina e Ceilândia, mas as visitas estão previstas somente para 2010. Enquanto isso, os organizadores buscam apoio, colaborações para as oficinas e artistas para se apresentarem.