No lugar das enormes orelhas, borboletas. Foi assim que o caricaturista Paulo Caruso representou o escritor paulistano Gustavo Teixeira numa ilustração feita para uma publicação do autor. "Descobri depois, pelo texto de introdução do livro, que o Gustavo sempre rimava borboletas com violetas", diverte-se Caruso. A associação foi coincidência. Ainda assim, não está muito longe do processo criativo do desenhista. "É uma síntese em cima da personalidade da pessoa. Uma relação entre fisionomia e psicologia", detalha.
Este é o trabalho do caricaturista: de alguma forma, mostrar mais que um retrato, comunicar ao leitor algo sobre quem está retratado no desenho. Para isso, o caricaturado pode estar refletido tanto num espelho quebrado quanto numa lente de aumento. A caricatura evidencia o complexo alheio? Talvez. É sobre este assunto que Paulo Caruso debaterá hoje, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), em mais uma edição do projeto Arte/Inconsciente. A seu lado, estará outro colega de profissão, Caco Galhardo. Quem fará a mediação é o jornalista Paulo Paniago.
O cartunista observa que mesmo não sendo um caricaturista, seu trabalho também passa pela área de atuação de Caruso. "Afinal, o que eu faço não deixa de ser uma caricatura da realidade. Mas no debate, a minha colaboração será mais metafórica", comenta Caco.
No encontro desta noite, a troca de ideias e experiências será uma via de mão dupla, mais do que uma aula, uma palestra. "Muitas vezes, o artista não pensa muito nas questões que envolvem sua produção. Esses encontros são legais por causa disso: para pensar no que a gente tá fazendo, olhar para o próprio trabalho. Nisso, eu acabo descobrindo coisas que passam batido", avalia Galhardo. "É um encontro nosso com o público. Eu e o Caco vamos tentar puxar para o processo de criação. Dar alguns exemplos de como a caricatura evolui - inclusive, seu processo ideológico", adianta Caruso.
Sobre sua atual produção, o caricaturista afirma que a acidez é elemento mais do que necessário: "Hoje em dia, a corrupção na política é tanta que não tem saída. A caricatura tem que ser mais impressionista, mais cáustica", comenta. Ele cita como exemplo o trabalho do americano Ralph Steadmann que, quando do caso Watergate - evento que resultou na renuncia do então presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon -, fez um desenho (um coração sendo extirpado da bandeira americana) que chocou muitos leitores. "Foi como um soco no fígado da maioria que não percebia o que acontecia ali".
Política
Galhardo vai numa outra direção, buscando inspiração em outros comportamentos do ser humano. "Já abandonei a política. Não acredito mais nisso. Não aposto mais nenhuma ficha nos políticos. Acho que falar de política é a cultura de ficar reclamando. Parece que você tá tirando um peso das costas, mas não resolve o problema da gente. Uma banana pra eles"
Quanto ao assunto volta à política, numa coisa eles concordam: os políticos são personagens prontos, caricaturas ambulantes. "Eles parecem uma invenção. Principalmente quando saem em campanha", aponta Galhardo. "Certa vez, o Tancredo Neves falou para o meu irmão (Chico, também desenhista): você é muito bom quando faz os outros. No geral, as pessoas gostam dos nossos desenhos. Tem político que guarda, pede pra gente fazer um desenho para eles colocarem na parede do gabinete - mas nosso trabalho é o que sai no jornal, não é uma obra de arte para pendurar", avisa Paulo Caruso.
Se ver caricaturado, eles garantem, não é um problema. Galhardo entende que isso não passa de uma brincadeira. "O sarcasmo tá embutido na caricatura. Já vi umas do Ronaldinho Gaúcho que são a coisa mais deformada. Tem que compreender que aquilo ali é uma gracinha, uma piada", comenta. "Como tenho um irmão gêmeo, me vejo indo embora. A minha imagem pra mim é muito palpável", conta, entre risadas, Paulo Caruso.
ARTE/ INCONSCIENTE
Hoje, às 19h30, no auditório Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). Tema: Caricatura e complexo. Debatedores: Caco Galhardo e Paulo Caruso. Mediação: Paulo Paniago. Acesso livre (as senhas devem ser retiradas na bilheteria do CCBB com uma hora de antecedência). Não recomendado para menores de 12 anos.