Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Circo Artetude completa 10 anos e sonha em ter espetáculo com a tecnologia do Cirque du Soleil

Se você vir um pequeno ônibus amarelo gema de ovo despontar no horizonte, acenda o pisca alerta e dê passagem. Quando o veículo cruzar, leia o escrito do pára-lamas. Se o aviso for "Cuidado palhaços", buzine de felicidade. Ali segue Lindinha, o veículo do Circo Artetude. A bordo, vai uma galera que há 10 anos agarra-se aos jogos e brincadeiras do picadeiro para fazer da arte um exercício de cidadania. - Lindinha é a nossa menina. A única mulher que compõe o Artetude, conta Ankomárcio Saúde. - Somos apaixonados por "ela", completa o palhaço Mandioca Frita, tratado com pompa de mestre. Ankomárcio e Mandioca Frita (Júlio César Macedo) uniram os sonhos no meio do caminho com Ruiberdan Saúde, Marco Aurélio Feresin (Tapioca) e Pablo Ravi (Espiga de Milho). O Circo Artetude se formou ao longo do tempo, forjado na arte do encontro. No início, existia na fé de um homem só. Tudo começou com o estudante Ankomárcio, que se encantou com o palhaço Serenata numa oficina para meninos de rua. Ele fazia educação física e nem passava pela cabeça pôr um nariz vermelho. De repente, se viu no palco fazendo uma cena e arrancando gargalhadas da molecada. - Era mais fácil eu querer ser presidente da República do que palhaço. Mas aí veio o Serenata e fez o desafio. Botei o nariz e fui pra cena sem saber o que aconteceria. Ele soprou no meu ouvido tudo que eu tinha de fazer. Eu repetia e a galera ria. Tudo no tempo perfeito, lembra Ankomárcio. A experiência única mudou a vida do rapaz do Núcleo Bandeirantes. Foi tão potente que, tempos depois, o irmão, funcionário público da Anatel, estava maquiado e calçado de sapatos imensos a fazer bobagens. Os Saúde formaram a primeira grande atração do Circo Artetude. Saíam por aí fazendo piruetas e anunciando aos incrédulos que ganhariam a vida com a palhaçaria. Nas andanças, viram no Parque Ana Lídia um palhaço solitário fazendo graça com pais e filhos. Era o Mandioca Frita. A família aumentou. - Todo mundo foi se chegando aos poucos. Tínhamos em comum o desejo de realizar um trabalho social, Naturalmente, os projetos foram surgindo, lembra Marco Aurélio (Tapioca). Na última quinta-feira, lá foram eles conduzindo 60 meninos para ver Quidam, espetáculo do Cirque du Soleil, em temporada em Brasília. Numa parceria com o Grito de Liberdade, organização do mestre de capoeira Cobra, o Circo Artetude mantém firme o princípio que contagiou um por um: "a arte é transformadora". Numa roda de conversa com esses palhaços, o discurso é repetido como uma cantilena. O desafio, no entanto, vai além. Na lona que conseguiram comprar com o Prêmio Carequinha da Funarte, a intenção é equilibrar o trabalho social com o artístico. Eles ensaiam firme os números que misturam palhaçaria, acrobacia, música, malabares. São três os espetáculos em repertório. Agora, sonham em produzir montagem com aspectos estéticos mais apurados (direção externa, luz, som, cenário, figurino). Assim que nem o pessoal do Cirque du Soleil. - Com tecnologia, mas sem perder a alma do circo. Eles começaram assim que nem a gente. Mambembes contemporâneos, anuncia Ankomárcio Saúde. Amanhã, os cinco palhaços pegam a Lindinha e seguem para Pelotas/RS. Depois, Florianópolis (Anjos do Picadeiro). ANKOMÁRCIO SAÚDE É o diretor da trupe. Em cena, faz o palhaço Chaubraubrau, que tem pegada de rua, com referência à capoeira e ao hip hop. É também o responsável por "vender" as maravilhas da trupe. RUIBERDAN SAÚDE Cuida das finanças do grupo. Faz os projetos e contatos com festivais. No picadeiro, é o Raquaquá, parceiro de Chaubraubrau. Dirige a Lindinha. MARCO AURÉLIO FERESIN Desenvolve forte trabalho físico em acrobacia aérea, perna de pau. Vive o palhaço Tapioca. Na trupe, estuda fortemente segurança cuidando da lona e da amarração. JÚLIO CÉSAR MACEDO Desde os anos 1990, abria a roda no Parque da Cidade como Mandioca Frita. Faz oficinas de brinquedos e é espécie de psicólogo do grupo, o que faz ser chamado de mestre. PABLO RAVI Músico do Pé de Cerrado, grupo parceiro do Circo Artetude. Multi-instrumentista que faz graça com o Espiga de Milho. LINDINHA Ônibus amarelo da trupe, que já viajou, de uma só vez, por 17 cidades de seis estados, quebrando de 100 em 100 quilômetros. Hoje, está zerado com motor novinho e prepara-se para virar um circo móvel. Assista ao Cria da Cidade com os Irmãos Saúde