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Chef francês Laurent Suaudeau diz que a profissão de cozinheiro é para pessoas 'acostumadas a sofrer'

;Ser cozinheiro é um privilégio.; Para Laurent Suaudeau, não há sentença na vida mais certa do que essa. Desde pequeno, sabia o que queria fazer. Brincava com as panelas e observava o movimento na cozinha. Aos 10 anos, Suaudeau, que nasceu em Cholet, no Vale do Loire, na França, preparou a primeira refeição. Aos 15, largou a escola para ser cozinheiro. Não parou mais. Foi nos restaurantes de conceituados chefs, como Michel Guérard e Paul Bocuse, que aprendeu a transformar ingredientes simples em pratos sofisticados. Em 1980, veio para o Brasil ; um país até então completamente desconhecido para ele ;, com a missão de comandar a equipe de um restaurante francês. Aqui, formou família, abriu negócios e descobriu os sabores da culinária brasileira. Os anos de experiência ensinaram muito mais do que receitas. Para ele, cozinhar é resultado de um trabalho duro que poucos têm o dom para fazer.

Depois de anos no comando de restaurantes, virou mestre. Hoje, ele ensina o que sabe a jovens chefs na Escola das Artes Culinárias Laurent, em São Paulo. ;Meu pai sempre dizia que não há um mundo justo se você não ensinar alguém a voar sozinho;, contou em uma visita a Brasília na semana passada. Ele veio à capital para organizar um festival gastronômico no restaurante onde é consultor, o Oscar, no Brasília Palace Hotel. Em conversa com o Correio, confessou que ainda pensa na possibilidade de abrir outro restaurante, mas, por enquanto, prefere a vida tranquila ao lado da família.

Para ele, a gastronomia passa por um momento de glamour que não condiz com a realidade e defende que não é preciso pagar muito para comer bem. Suaudeau revelou que só é bom chef quem tem muito amor pelo trabalho, pois essa profissão foi feita ;para quem está acostumado a sofrer;. Um cozinheiro precisa buscar a simplicidade e nunca esquecer o privilégio de servir. ;Apenas se você tiver amor pelo próximo, vai ser um grande chef. Se você é uma pessoa que não consegue compartilhar nada com ninguém, vai ser difícil;, disse.

Quando começou essa paixão pela gastronomia?
Minha mãe conta que eu já brincava com as panelas de casa quando tinha apenas 4 anos. Tenho até uma foto em que estou de babador, sentado, com duas panelinhas na mão. Então, é uma paixão longa. Eu nasci para cozinhar e vou morrer perto das panelas. Minha avó e as irmãs dela cozinhavam muito. Elas trabalharam em restaurantes e cantinas de escolas. Ninguém me ensinou, aprendi observando mesmo. Eu me lembro dos almoços e das festas de arromba que elas faziam. Quando eu tinha uns 10 anos, meus pais saíram e eu falei: ;Quando vocês voltarem, o almoço vai estar pronto;. Arrumei a mesa com os pratos, fiz uma salada com folhas de alface, cortei salame e fiz bife com purê de batatas.

E como o senhor veio parar no Brasil?
A vinda para o Brasil foi proporcionada por Paul Bocuse. Eu tinha 23 anos e ficaria aqui durante seis meses, depois iria para o Japão. Eu era muito novo e fiquei feliz por receber a confiança de um dos melhores chefs do mundo. Pensei: ;Nossa, eu devo ser bom mesmo;. A minha reação inicial foi de não querer ficar. Cheguei a mandar um telegrama para ele (Bocuse) dizendo que não queria ficar no Brasil, três meses depois de ter chegado. Mas houve um contratempo no Japão e eu obedeci a ordem de permanecer. Depois, comecei a gostar da minha equipe e compreendi a oportunidade que haviam dado a mim. Tudo isso me ajudou bastante, a clientela também foi ficando fiel. Além disso, acabei conhecendo minha futura esposa.

O que é preciso ter para ser um bom chef?
Essa profissão é movida pela dedicação. Apenas se você tiver amor pelo próximo, vai ser um grande chef. Se você é uma pessoa que não consegue compartilhar nada com ninguém, vai ser difícil. É uma profissão quase sacerdotal. Não existe horário fixo e você tem de se dedicar 100%. Hoje em dia, tem essa coisa do glamour de ser chef, mas não é assim. É muito trabalho. Eu sou um pouco pessimista em relação ao futuro da minha profissão. Principalmente com a questão artesanal, porque as pessoas querem tudo, menos trabalhar. A coisa mais importante para um jovem chef é estar ligado à sua cultura. Ter uma relação com a sua identidade. Não é uma profissão de filho de rico, sem querer generalizar, mas é para quem está acostumado a sofrer.

Aos 15 anos, o senhor entrou no mundo profissional. Qual o seu conselho para quem é apaixonado por culinária, mas não sabe nem por onde começar?
Como eu falei, se a pessoa não tem caráter, disciplina e não quiser se dedicar ao outro, é melhor não insistir. A universidade não te dá os requisitos necessários para a profissão. É preciso prática, trabalhar com chefs competentes. Isso é que vai ajudar a pessoa a florescer na profissão. Não bastam apenas dois anos de estudo, é preciso no mínimo sete. Quem está começando deve saber que vai trabalhar bastante e ganhar pouco, e que o topo vai demorar para chegar.

Por que o senhor decidiu abrir uma escola de culinária?
É um centro de formação, na verdade. É voltado para pessoas que já estão envolvidas no mercado. Lá, eu tento passar para eles que ser chef não é apenas seguir uma receita. É um trabalho de construção em equipe. Talvez, a melhor receita seja saber liderar, comandar. Administrar um restaurante é muito difícil. Você tem de pensar na cozinha, nos seus fornecedores, nas mercadorias que vai escolher. É uma profissão que precisa de uma dedicação constante.

Qual foi a maior lição que o senhor aprendeu na cozinha?
Acho que o melhor foi ter o privilégio de trabalhar com os produtos que a terra nos dá. E aprender a trabalhar isso com humildade. Aprendi que a natureza é muito mais forte do que eu. E Deus me deu esse dom de me aproximar de um produto e transformá-lo. O ato de cozinhar é uma questão cívica, é uma forma de ajudar as pessoas. Eu sou um homem feliz. Ser cozinheiro é um privilégio. Ainda mais quando a gente cozinha para quem entende o poder de um prato. E isso está me irritando ultimamente. A sofisticação na gastronomia não é uma questão de grana. E o lado materialista está ficando cada vez mais forte. Muita gente só pensa no lado material e esquece o aspecto pessoal. Alguns vão dizer que eu sou metido a besta, arrogante, mas eu não ligo. O prazer está nas coisas intimistas. A minha satisfação é ter formado chefs que entenderam isso.

O senhor é defensor da importância de usar produtos locais no cardápio? Quais são os seus produtos favoritos do cerrado?
Temos que escolher produtos locais porque, se a gente não ajudar de alguma forma, eles podem desaparecer. Aqui no cerrado, tem o minicaju e o baru, que são riquíssimos. Temos uma variedade de frutas, por exemplo, que ainda são desconhecidas pelo povo. Grande parte da população se limita a comer só macarrão. E usar produtos locais é uma espécie de marginalização. A maioria das pessoas desconfia dos pratos e não percebe que é difícil misturar o simples com o sofisticado. Elas não têm respeito. E olha, tenho minhas dúvidas de que um dia isso possa mudar. Há um empobrecimento no mundo inteiro da gastronomia local, basta frequentar as praças de alimentação.

Os seus filhos pretendem seguir o seu caminho?
Minha filha é atriz na França. E eu tentei encaminhar meu filho para a culinária, mas ele me disse: ;Pai, não me leve a mal, mas essa profissão maluca não é pra mim;. Só quem está lá dentro consegue entender que isso não é para todos. Outra coisa: mulher de chef sofre, porque não existe horário fixo. Eu tive sorte de ter uma mulher que entendeu meu trabalho. Meu filho vive me dizendo para abrir um restaurante novamente. Mas não dá, a clientela não ajuda, as leis trabalhistas desse país não ajudam mesmo. Mas quem sabe um dia eu volte. É como falamos em um bom português: isso é uma cachaça.

Quais são os planos para o futuro?
O que eu gosto é de estar na cozinha. Estar sempre com jovens me mantém jovem. Eu gosto muito de ensinar os outros. Eu nasci numa família de operários. Meu pai sempre dizia que não há um mundo justo se você não ensinar alguém a voar sozinho.

; Confira a receita de pera com emulsão de amêndoas de Laurent Suaudeau

Veja como preparar a receita criada pelo chef francês Laurent Suaudeau do Restaurante Oscar do Brasília Palace Hotel

Ingredientes
Para geleia de pêra
- 01 pêra
; 500 ml de água
- 150 g de açúcar
- uma pitada de zimbro
- uma pitada de cardamomo
- uma pitada de canela
- uma pitada de anis
- uma pitada de coentro em grão
- 5 g de gengibre
- 3 g de gelatina sem sabor

Para a emulsão de amêndoa
- 150 g de açúcar
- 1L de leite
- 10 ml de licor de amêndoas
- 3 g de gelatina sem sabor
- 300 g de amêndoas

Preparo
Para geleia de pêra
Descasque a pêra e coloque os outros ingredientes na panela para formar uma calda. Coloque a pêra na calda e deixe cozinhar até a fruta ficar macia.

Para emulsão de amêndoas
Deixe as amêndoas de molho no leite por um dia. Bata as amêndoas no liquidificador, coe no chinois. Acrescente a gelatina e o açúcar e coloque no sifão.
Por fim, coloque a emulsão em cima da pêra.