Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Titãs bem de perto

Filme sobre a trajetória da banda paulistana, que será exibido hoje no Cineclube Bancários, ganha edição em DVD com cenas inéditas

Sentada no sofá, Hebe Camargo vê os Titãs descendo a escada e não resiste: ;Ah, todo mundo tão arrumadinho, de gravata...; Acha tudo uma gracinha até aparecerem os últimos da fila, Arnaldo Antunes e Branco Mello, com as cabeças raspadas só pela metade. ;Ops, o que vem a ser isso?;, pergunta, perplexa. ;Isso aí é punk?; Quem responde é Paulo Miklos: ;Não, isso é Sonífera ilha;. Corta para o Chacrinha, e lá estão eles, com a mesma música em playback, terninhos coloridos, coreografias bizarras, André Jung fingindo tocar bateria(1): ;Quem quer bacalhau?; É 1984 e o primeiro sucesso da banda também está no programa de Barros de Alencar: ;Olha aí um conjunto que veio para ficar! Carinho para os Titãs!”.

Vinte e cinco anos depois, a história é rememorada em Titãs ; A vida até parece uma festa, o bom documentário dirigido por Branco Mello e Oscar Rodrigues Alves. Embora tenha entrado, no início do ano, no circuito comercial de várias capitais, o filme não chegou a ser exibido em nenhuma sala de cinema em Brasília. A ;pré-estreia; será hoje, às 20h, em sessão gratuita no Cineclube Bancários (314/315 Sul). O DVD também sai do forno, com 10 minutos de cenas inéditas, 42 partituras (para download em computador) e seis videoclipes remixados (Flores, Saia de mim, Isso, Epitáfio, A melhor banda de todos os tempos da última semana e Será que é isso que eu necessito?)

Divertido, comovente, com excelentes imagens de arquivo, o documentário é resultado de mais de 300 horas de material reunido pelo titã Branco Mello ao longo de duas décadas. ;Ele foi visionário, mesmo;, comenta o guitarrista Tony Bellotto. ;Comprou uma câmera logo que começou esse negócio de aparelho para filmar, e levava sempre. Tinha a consciência de que ia registrar aquilo para fazer um filme. Claro que a gente achava que aconteceria logo, mas levou 20 anos (risos). E foi muito importante, para nós, ter assistido ao documentário. Pudemos avaliar o que fizemos e nos aproximamos do Nando (Reis) e do Arnaldo (Antunes), que também ficaram muito comovidos. O filme acertou arestas, cicatrizou feridas que porventura ainda estivessem abertas.;

Dois lados
Com a câmera VHS (depois trocada por aparelhos hi-8, super-8 e mini DV), Branco Mello registrou cenas de shows, bastidores, reuniões, ensaios, gravações, dias de folga, enfim, as ;internas; do grupo. Além disso, conseguiu (junto com a produtora Ângela Figueiredo) uma série de imagens da banda em programas de auditório, entrevistas e videoclipes. Ele passou seis anos envolvido no projeto ; em 2002, já havia chamado o cineasta Oscar Rodrigues Alves para dividir o roteiro, a montagem e a direção. O trabalho de edição é o diferencial. Não há narração em off. Não há ninguém no presente falando do passado. A história é contada pelas imagens ; com bom humor e muita música.

Estão lá o lado bom e o ruim de uma banda de rock com tantos integrantes e tanto tempo de estrada. As brincadeiras, as bebedeiras, as primeiras apresentações (do bar mitzvah ao programa do Gugu, num quadro em que eles têm de ;vencer; um homem-aranha para ;salvar; uma fã), as votações (às vezes tensas) para definir o repertório dos discos, a prisão de Arnaldo Antunes e Tony Belloto por porte de heroína, o desligamento de Arnaldo da banda, a morte de Marcelo Fromer, a saída de Nando Reis. Sem maquiagem, sem pieguice.

A linha cronológica é quebrada aqui e ali, com músicas interpretadas antes e depois. Numa cena, por exemplo, eles estão cantando Querem meu sangue no programa Fábrica do Som, em 1984. Na sequência vem a versão do Acústico MTV, em 1997, com Jimmy Cliff. Bichos escrotos também aparece em sua versão pré-histórica, no Teatro Lira Paulistana, em 1982, com Ciro Pessoa(2) no violino, e no programa Qual é a música?, em 1988, com as ;colegas de trabalho; de Silvio Santos gritando o nome da música e ele fingindo não entender o título: ;Ah, cano de esgoto?;

Melhor que isso só a revelação de Sérgio Britto e Branco Mello numa das cenas inéditas do DVD, sobre o dia em que beberam um bocado e quebraram o disco de ouro que haviam recebido por Cabeça dinossauro. ;Era um LP encalhado na gravadora que eles pintaram de dourado;, conta Branco. ;Descobrimos isso quando colocamos na vitrola;, completa Britto. ;Era um disco do Bananarama.;


1- Parte do jogo
Os Titãs viviam nos programas de auditório nos anos 1980. Iam a todos, achavam a maior graça. O mico maior ficava para o baterista André Jung, que tinha de balançar as baquetas e fingir que tocava alguma coisa ; porque, nesses programas, a bateria resumia-se a uma caixa. No máximo, a caixa e um () prato. Em 1985, André Jung acabou trocando de banda com Charles Gavin, assumindo o posto dele no Ira...e abandonando os palcos de Gugu, Bolinha e cia.

2- Eram nove
Ciro Pessoa foi o primeiro da turma a querer montar uma banda. Era um dos vocalistas do grupo, que começou com nove integrantes, percorrendo o circuito underground paulistano. Quando os Titãs do Iê-Iê (era assim que eles se chamavam no início) começaram a dar certo, ele caiu fora. Saiu em 1983, antes de a banda assinar contrato com a WEA, e fundou o Cabine C.

TITÃS ; A VIDA ATÉ PARECE UMA FESTA
Hoje, às 20h, no Cineclube Bancários (314/315 Sul, 3262-9090). Entrada franca (sujeita à lotação da sala). Não recomendado para menores de 12 anos. O DVD do documentário está sendo lançado pela Warner, com 95min. Preço médio: R$ 55.