O cinema japonês não é uma especialidade de Cássio Pereira dos Santos. O cineasta de 29 anos respeita os clássicos de Yasujiro Ozu e Kenji Mizoguchi, mas não pensava nos mestres orientais quando criou o curta-metragem A menina-espantalho. Rodado nas cidades mineiras de Cruzeiro da Fortaleza e Brejo Bonito (na região do Alto Parnaíba), o filme narra um drama cravado no campo brasileiro. Apesar da distância, a fábula interiorana ecoou onde o diretor menos esperava: no Japão. O filme foi selecionado para o Festival de Curtas de Tóquio (Short Shorts Festival), onde venceu o prêmio de público entre os concorrentes internacionais.
O resultado ainda surpreende Cássio, que viajou ao Japão pela primeira vez para acompanhar a exibição do filme, em junho. ;Ele foi aplaudido educadamente, de uma forma diferente do que costuma acontecer no Brasil. É uma diferença cultural. Imaginei até que a plateia não tivesse gostado;, comenta. Depois da vitória, a empresa Pacific Voice fez o convite para distribuir o curta de 13 minutos em todo território japonês ; em salas de cinema, canais de tevê e internet. ;Nunca pensei que ele seria visto do outro lado do mundo;, admite.
Com a fita, produzida com dinheiro do edital Curta Criança, do Ministério da Cultura e da TV Brasil, o diretor queria apenas contar uma história simples que dialogasse com o público infantil, sobre uma menina que sonha em estudar, mas é obrigada a cuidar de uma plantação de arroz. Conseguiu muito mais. O filme passou por festivais em Chicago (EUA) e Montevidéu (Uruguai) e foi selecionado para o Festival Internacional de Cinema Infantil (que chega a Brasília em setembro). Em outubro, volta a fazer escala no Japão, no Festival Internacional de Curtas de Sapporo.
Em novembro de 2008, Cássio lançou A menina-espantalho na mostra de 16mm do Festival de Brasília. Naquela mesma edição, ele defendia o curta Cidade vazia, escolhido para a vitrine mais concorrida do evento: a competição de 35mm. Um filme de silêncios e planos fixos sobre o cotidiano de dois adolescentes em Patos de Minas, cidade onde Cássio nasceu. Curiosamente, o projeto ;para crianças;, feito para a tevê, acabou roubando a cena. A menina-espantalho venceu os prêmios de melhor roteiro e o Troféu Câmara Legislativa, que destaca títulos brasilienses. Já Cidade vazia acabou vaiado.
A preferência do público pela narrativa linear não intimida Cássio, que pretende se dedicar a projetos autorais. ;A reação da plateia não pode direcionar um caminho para a minha carreira. Gosto de contar histórias com início, meio e fim. Mas noto que preciso ser mais radical nos meus filmes pessoais;, observa. A intimidade com a câmera facilita o trabalho. Quando criança, em Minas, Cássio dirigia vídeos caseiros com a câmera VHS do pai. Aos 19 anos, entrou no curso de cinema na Universidade de Brasília (UnB). O primeiro curta, Sobre quando não se tem nada a dizer, foi produzido pouco depois da formatura.
Apesar de não ter estranhado a rotina em Brasília, Cássio ainda não filmou a cidade. Nas mangas, guarda um projeto que promete uma aproximação com a capital: uma comédia musical sobre um músico de choro que se transforma em vampiro. ;Gosto de partir do clichê e fazer algo pessoal;, explica. Ainda não sabe se será um curta ou um longa. ;Tenho vontade de fazer um longa, mas ninguém deve se forçar a isso;, afirma. Enquanto isso, aprende com as liberdades do curta-metragem. ;O cinema de Brasília ainda está em construção. A tradição do documentário é forte, mas a ficção está tentando encontrar a sua cara. E não sei se isso é um problema;, afirma.
» Veja trechos dos curtas de Cássio Pereira dos Santos
; Primeiras imagens
O diretor Cássio Pereira dos Santos comenta os três curtas da carreira
Sobre quando não se tem nada a dizer (2004)
;O filme foi feito logo quando saí da UnB. Eu estava muito envolvido com teoria. Eu lia o que Gilles Deleuze escrevia sobre cinema e ficava extasiado. O curta tem um quê de acadêmico. Não precisava. Poderia ter sido mais simples.;
Cidade vazia (2008)
;É um filme de atmosfera, sem clímax, feito para explorar o espaço de Patos de Minas. Gosto disso. O que não me agrada é o fato de eu não ter experimentado tanto. Hoje noto que preciso ser mais espontâneo no set. Executei exatamente o que eu tinha planejado. Devia ter sido mais radical.;
A menina-espantalho (2008)
;Não tenho nada a reclamar dele. Foi criado para o público infantil e extrapolou esse universo. Muitos adultos gostam do filme, e isso me surpreendeu muito. Ele é bem feito tecnicamente, tem uma linguagem redonda e qualidade técnica. É uma história bem contada, num tom universal.;