À sombra de descrédito junto à parte de espectadores, como ficou patente na última edição, o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro ; que, de tão apegado à ;tradição;, corre o risco de ser tragado, em termos de importância, pela modernidade e pelo respaldo orçamentário de eventos concorrentes ; tem pela frente o desafio de se reafirmar. Especialmente às vésperas do 50; aniversário da capital, no próximo ano, quando o FBCB (como é abreviado) completará 43 edições.
Se o cenário será o mesmo do Cine Brasília ; com condições insalubres para o público, que adentra um universo de mofos e de descasos ;, há elementos com contornos positivos, no 42; evento, previsto para 17 a 24 de novembro. As inscrições, abertas há duas semanas, revelam termômetro mais quente, em relação à constrangedora edição do ano passado. ;Já temos grandes diretores interessados, que preferem Brasília, por causa do peso daqui. Em glamour, o próximo festival terá grandes atrizes. Mas não temos perfil de público vocacionado a pedido de autógrafos;, avalia Fernando Adolfo, coordenador do evento. Em termos de prêmios, R$ 470 mil estão por trás das entregas dos Candango.
Com repertório limitado a documentários, no processo de seleção de 2008, o festival amargou uma (outrora, lotada) segunda sessão jogada às moscas. Vale a lembrança do prestígio do evento junto ao público, que soma 30 mil pessoas. A vantagem dos filmes compromissados com a realidade, dessa vez, não tem sido detectada, daí a possibilidade de evento mais popular. Cerca de 35 longas-metragens, em média, disputam, anualmente, as seis posições na competição.
Sem compromisso do pagamento de cachê para as estrelas e livre do encargo das passagens internacionais, R$ 2,3 milhões serão injetados na festa que conta com 300 convidados. ;A grande quantidade de festivais limita a captação de recursos;, admite Adolfo que, igualmente, não refuta a observação de que, sem meios de projeção digital no Cine Brasília, a defasagem estará configurada. ;Não chegamos à era digital e, se mantivermos apenas o 35mm, no ano que vem, vamos começar a perder filmes;, conclui ele. Diante da abertura para o formato digital (no ano passado) na competição em 16mm, o coordenador sentiu o impacto do crescimento na demanda de filmes.
Sem patrocínio
A 11; edição do Festival Internacional de Cinema de Brasília (FicBrasília) está confirmada: ocorre entre os dias 4 e 15 de novembro, depois dos festivais do Rio e de São Paulo. Ainda assim, periga sofrer um desfalque: a organização do evento busca patrocínio para a mostra competitiva de filmes brasileiros. Depois de três anos, o Prêmio Itamaraty, oferecido pelo Ministério das Relações Exteriores, deixa Brasília. Será entregue na Mostra de São Paulo, que será realizada de 23 de outubro a 5 de novembro. ;A ideia é que haja uma itinerância por outros festivais;, afirma Marco Farani, organizador do FicBrasília. Farani, que é diretor da Agência Brasileira de Cooperação (ABC), estava afastado do Itamaraty quando ajudou a criar o prêmio. Ao retornar ao ministério, preferiu abrir mão da parceria. Em São Paulo, os melhores filmes disputam valores entre R$ 15 mil (melhor curta-metragem) e R$ 45 mil (longa-metragem de ficção). Farani considera positiva a experiência de realizar o FicBrasília no fim do ano. ;Facilita a exibição dos filmes estrangeiros que são mostrados no Rio e em São Paulo. São os três maiores eventos internacionais de cinema do Brasil;, afirma. (Tiago Faria)
; Pegada paulista
Com 60 mil habitantes, e em apenas dois anos, a rica cidade interiorana de Paulínia (SP) vem capitalizando os recursos alcançados com os royalties do petróleo, numa ciranda que beneficia a atividade cinematográfica, mas nunca distante da visão mercadológica. Numa parceria com os produtores de cinema, a engrenagem resulta no Festival Paulínia de Cinema, que traz 12 longas-metragens em competição, metade voltada à ficção e a outra, a documentários. Produções em suporte digital e em 35mm têm espaço no imponente Theatro Municipal de Paulínia, capacitado para receber 1,3 mil convidados. ;Para encadear o sentido de polo produtor, a gente aposta em filmes que futuramente cheguem ao mercado, com possibilidade de representação nas salas de cinema;, explica o diretor do festival, Ivan Melo.
Festival, feira de cinema e mostra itinerante têm à disposição R$ 5 milhões (saídos do Fundo Municipal de Cultura), no evento que emprega, temporariamente, 523 pessoas. ;Quando você vê, é uma multidão trabalhando em prol do festival. É assustador;, diz Ivan Melo. Com R$ 650 mil em premiação, o 2; Festival Paulínia de Cinema dividiu a láurea principal em R$ 60 mil (para o melhor longa de ficção) e R$ 45 mil (reservado ao principal documentário).
Se a ideia é acoplar mercado e arte, há limites, como destaca o diretor: ;Não existe condicionamento para que os filmes produzidos no polo de cinema local busquem lugar na seleção, mas é natural que se interessem;. Nos dois anos de vida, cerca de 90 longas-metragens disputaram vagas no evento, que tem como filtros Ivan Melo, o consultor Rubens Edwald Filho e o secretário de Cultura, Emerson Alves.
;Não procuramos localizar o melhor filme do ano, mas títulos que representem a atual situação do cinema brasileiro. No que a gente menos investe é em glamour. Jamais chamaria um artista que não tivesse nada a ver com cinema (risos). Nada contra os atores globais: com certeza estarão aqui, se estiverem fazendo bons filmes;, comenta Melo.
Curiosamente, a cidade, cercada por complexos de projeção, nos arredores, não conta com sala exclusiva para cinema. ;Estamos estudando, numa ponte com a iniciativa privada, a construção de algo que seja coerente com uma cidade de 60 mil habitantes;, diz o diretor do festival. Dinheiro não parece problema, se vista a abundância das vizinhas Campinas, movida pela indústria, Limeira (e suas fartas plantações) e Americana, movida a comércio.
; Sem medo da disputa
Festivais como o do Rio, Recife e Gramado apontam razões distintas para atrair público e cineastas
Tiago Faria
A concorrência entre mostras de cinema não parece assustar a curadoria do Festival do Rio. Este ano, cerca de 300 filmes nacionais ; entre curtas e longas-metragens ; foram inscritos para a disputar os prêmios da 11; edição da Pr;miere Brasil, uma das vitrines mais concorridas do mercado. O número aumenta a cada ano. O perfil internacional do evento, com a presença de distribuidores e programadores estrangeiros, atrai cineastas como José Eduardo Belmonte (de Se nada mais der certo, vencedor de 2008) e Murilo Salles (de Nome próprio, exibido em 2007).
;Quando penso nos Estados Unidos e na França, não acho que eles tenham um número maior ou menor de festivais do que o Brasil. Festivais têm razões diversas para existir;, observa Ilda Santiago, diretora do festival. Organizado pelo Grupo Estação e pelo Centro de Cultura, Informação e Meio Ambiente, o evento carioca atraiu em 2008 um público de 270 mil espectadores com produções de mais de 60 países. Ano passado, foram exibidos 64 nacionais. A próxima edição ; com realização entre 24 de setembro e 8 de outubro ; será fechada em grande estilo, com a presença de Quentin Tarantino.
Nessa babel de filmes, a Premi;re Brasil toma a dianteira. Não oferece prêmios em dinheiro (os vencedores do Troféu Redentor faturam equipamentos e apoio de empresas do setor), mas conquista pelo prestígio. ;A identidade não mudou. A vemos como uma mostra importante dentro de contexto internacional. Estendemos o tapete vermelho para os filmes;, afirma. Na seleção, apesar de ser levado em conta, o ineditismo não é fator obrigatório.
Enquanto o Festival do Rio se beneficia da influência internacional, a organização do Cine PE ; Festival Audiovisual do Recife se preocupa com o ;canto de sereia; dos festivais estrangeiros. ;Nosso objetivo é difundir o cinema brasileiro. Mas alguns distribuidores não colaboram e preferem exibir os filmes primeiro lá fora, dando as costas para o mercado nacional;, critica Alfredo Bertini, que dirige a mostra. Há 13 anos, o evento (com R$ 2 milhões) movimenta a cultura local, com influência até na criação do curso de cinema da Universidade Federal de Pernambuco.
Na seleção dos filmes concorrentes (apenas os vencedores da Mostra Pernambuco levam prêmios de até R$ 10 mil, da Assembleia Legislativa), o ineditismo tem peso. Mas Bertini acredita que o critério deveria ser revisto, de modo generalizado. ;É desgastante a competição. O valor maior do Cine PE é o público;, observa. A mostra atrai 3 mil pessoas, por sessão. Na edição mais recente, foram quase 600 filmes inscritos. O organizador reconhece que, recentemente, a programação refletiu uma safra que não agradou à crítica. Em 2009, o documentário Alô, alô, Terezinha! (de Nelson Hoineff) saiu vencedor entre os longas.
; Gramado para todos
Ricardo daehn
A ;rebeldia; atrelada ao Festival de Brasília vêm em corrente excessiva, pelo que analisa Sergio Sanz, um dos curadores do Festival de Gramado, outra peça de resistência, na mal urdida engrenagem de festivais. ;Não há identidade pré-determinada para Gramado: defendemos o cinema autoral, mas sem sermos xiitas. Há necessidade da cidade de se autopromover. A composição é híbrida, com o tapete vermelho assegurado, pelo compromisso com os turistas;, defende. Há quatro anos, Sanz integra a seleção, ao lado de José Carlos Avellar.
Na equação de equilíbrio, Sanz não vê esquizofrenia na contestada premiação de uma celebridade como Xuxa, fator de críticas ferrenhas. ;O festival de Gramado é o que mais está em pauta, por causa da Xuxa, por exemplo. Quem lê a revista que celebra o festival, seja no Acre, em Copacabana ou no centro de São Paulo, sabe de Gramado e da Xuxa. São as mesmas publicações que, no dia seguinte, estampam a vitória do Vincent Carelli (do documentário vencedor, Corumbiara);, destaca.
Dispensando o fator de ineditismo ; ;mas, sempre procuramos coisas novas;, ressalva Liege Nardi, coordenadora-executiva ;, sem premiação em dinheiro e sob o lastro da qualidade dos filmes latinos (em competição independente), Gramado segue estagnado ; sem possibilidade de maior crescimento de público ;, mesmo com o polpudo orçamento de R$ 3 milhões. Se a curadoria tenta resgatar feições antigas da festa ; antes, identificada como plataforma para desfile de atores globais ;, com vistas a títulos mais artísticos, o público (que lota o tapete vermelho, à entrada do Palácio dos Festivais) não se mostra sensibilizado. Exemplo desse afã de estar junto aos artistas é pontual na noite de premiação: poltronas são ocupadas por anônimos que pagam até R$ 100 para acompanhar a entrega dos Kikito. Ainda que não tenham acompanhado a mostra.