Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Cantora brasiliense Geórgia W. Alô lança CD para não deixar ninguém parado

A soul music está presente na vida de Georgia W. Alô desde sempre. Na infância, morando com os pais diplomatas em Berlim Oriental - obviamente, antes da queda do muro -, ouvia em casa discos de Ray Charles, Stevie Wonder e Quincy Jones. Ao mesmo tempo, cantava no coral da escola onde estudava, na qual a música era matéria obrigatória. Na adolescência, de volta a Brasília, Georgia passou a integrar o Coro Sinfônico Comunitário da UnB em 1991. Com o grupo, sob a regência do maestro David Junker, fez incontáveis apresentações na cidade, inclusive em concertos da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional. "Em 1994, fizemos uma apresentação no Carnegie Hall, em Nova York, e interpretamos um repertório que, além de peças de Bach, Strauss e John Ruter, trazia a Suíte dos pescadores, de Dorival Caymmi", lembra. Mas foi um ano depois, na então recém-criada BSB Disco Club, banda especializada em dance music, que a cantora voltou a ter contato com o soul e outras derivações da black music nacional e internacional. Paralelamente, fez trabalhos, em estúdio e no palco, com os grupos Bigroove e Afrodisia. Passados 13 anos, ela mantém absoluta fidelidade à black music ao lançar o primeiro CD solo, pela GRV Discos, com título que não deixa dúvida: Dance soul. "Tive na BSB Disco Club uma grande escola. Como a banda sempre estava com agenda cheia de compromissos: shows em diferentes locais da cidade, longas temporadas no Gate´s Pub e apresentações fora de Brasília, ganhei familaridade com o palco e o microfone. Eu e a Indiana (Nomma), que entramos para o grupo na mesma época, resgatamos e profissionalizamos a função de backing vocal", afirma. Com a experiência adquirida na BSB e em trabalhos ao lado da cantora Suzana Maris e das bandas Maskavo Roots, Another Blues Band e Plastika, Georgia começou a amadurecer a ideia de gravar um disco solo. "Passei a sentir necessidade de me expressar artisticamente de forma mais ampla. Foi então que, sabendo possuir uma musicalidade aflorada, passei a me arriscar na criação de temas melódicos", revela. Demorou pouco para que Georgia começasse a musicar letras concebidas pelo companheiro, o produtor Marcos Assunção, com quem tem uma filha. "Quando vi, já tinha quase 20 composições prontas. Aí decidi gravar o disco e me inscrevi no edital do Fundo de Apoio à Cultura (FAC). Fui selecionada e, com o apoio obtido, em março de 2006 iniciei as gravações, no estúdio Daybreak, de Philippe Seabra (Plebe Rude). Como o que recebi do FAC não foi suficiente, tive que entrar com recursos próprios para concluir o CD." A demora para o lançamento do Dance soul, marcado para esta terça, em noite de autógrafos no Rayuela Bistrô (412 Sul), segundo a cantora, deve-se ao fato de ter enfrentado problemas financeiros para providenciar a mixagem e a masterização, feitas no Orbis Studio por Marcos Pagani, e a prensagem", comenta. Na realização do álbum, Georgia contou com o pianista e tecladista Felipe Portilho, responsável pela harmonização das músicos, com quem dividiu a criação dos arranjos de base. Nas gravações tomaram parte os músicos André Vasconcellos (baixo), Marco Vasconcellos (guitarra e violão), Allen Pontes (bateria), João Bani (percussão), Ademir Júnior (sax) e Moisés Alves (trompete), todos reconhecidos nacionalmente. O repertório do Dance soul é aberto pelo samba-soul Aperta o play, que tem a participação especial do rapper Gog e do DJ Ar. "Esta é a única faixa que, de certa forma, foge um pouco do conceito do disco. Com Aperta o play quis dar um toque de brasilidade ao trabalho, embora isso já esteja presente, representado pelas letras em nosso idioma. Convidei o Gog por conhecer bem o trabalho dele e por sua representatividade na cena do hip hop nacional, além de ter admiração por sua ideologia." Trazer para o disco de estreia o universo da black music é natural para uma cantora que fez do soul a trilha sonora de sua trajetória artística, de sua vida. Ouvir essa branquinha interpretar canções como A batida, Destino, Caminho, Embalo, Completa, Tenho você, Balanço você, Time (a única com letra em inglês) e, claro, Dance soul, com o suingue e o fraseado de uma negona, é puro prazer. Crítica - *** Referencial e colorido Georgia W. Alô começa Dance soul pedindo para o DJ "apertar o play e soltar o samba soul". A partir daí, pode esperar do álbum a boa pegada brasileira, auge nos anos 1970, que segue marcando terreno de Jorge Ben Jor à própria cantora brasiliense. Não há como não lembrar de Lady Zu, rainha do charm, do soul de Cassiano. São referências, no entanto, condensadas por trabalho autoral. A unidade do disco nasce dessa relação estética e histórica com o movimento black brasileiro. O trabalho se propõe a dialogar com as bases rítmicas do samba soul e põe a serviço o vozeirão, que se destaca faixa a faixa, criando um disco que flui em batidas e células musicais híbridas, do soul, charm, do rap, dance, samba soul, gospel. A variedade melódica é ponto alto do disco, que explora o colorido do universo da black music, mas recai na irregularidade das letras. De produção esmerada, Dance soul mostra o talento e a versatilidade de Georgia W. Alô, tarimbada na dance music. O resultado é um disco delicioso, pra dançar, como em Balanço bom e Embalo, pra refletir como Caminho, belíssima na voz aveludada de Georgia. (Sérgio Maggio)