Repórter recém-formado nos anos 1980, Sergio Leo foi incumbido de fazer um roteiro com dicas do final de semana no Rio de Janeiro. Nos arquivos do jornal
O Globo, para o qual trabalhava, descobriu pilhas de matérias sobre o tema. O enfoque semelhante dos textos levou o jovem repórter a refletir sobre a pauta. "Eu sentia uma necessidade de contar o Rio de maneira diferente", lembra. Tarefa complicada diante do fato de a capital fluminense ser a mais narrada na literatura brasileira, inclusive aquela publicada nos jornais em forma de crônica e contos.
Sergio Leo foi então fuçar personagens capazes de direcioná-lo para o tal caminho "diferente". Descobriu uma cidade encantada e escreveu o roteiro da pauta. Guardou para depois a vontade de transformar o material em contos. Quando o fez, entre 2006 e 2007 - ganhou o Prêmio Sesc de Literatura 2008.
Mentiras do Rio reúne 12 contos passados no Rio e amparados por um jogo literário no qual o autor aproveita para discutir questões como a criação literária, filosofia e conhecimento. O lançamento é nesta quarta, às 20h, na Livraria Cultura.
Sergio Leo tem 46 anos. Mora em Brasília há 24, passou parte da infância em Fortaleza e, de Rio mesmo, tem menos de uma década. O sotaque, no entanto, continua forte. E os hábitos, de certa forma, também, incluindo aí a prática do jornalismo que hoje exercita como colunista de jornal. Por isso o olhar versado sobre a cidade em
Mentiras do Rio tem particularidades que fazem do livro uma coleção de tipos e costumes muito especial. Práticas que os cariocas dão como naturais de seu modo de vida aparecem explicitados por um narrador ao mesmo tempo nativo e estrangeiro.
Umberto Eco
O Rio serve apenas de desculpa para o autor efetivar a experiência da escrita, esta sim mais importante que o conteúdo de cada conto. Leo recorre ao escritor Umberto Eco para explicar. "Ele diz que todo livro começa com uma ideia. Algumas ideias desse livro não são o Rio. O Rio entra como cenário, um pretexto para falar da linguagem, de como a gente não se dá conta do arbitrário da linguagem, como alguns códigos passam por nós sem percebermos." E assim ele insere nos contos um conjunto de citações sutis, mas fundamentais para o propósito de refletir sobre o próprio processo criativo.
O leitor pode nem perceber - e isso não compromete de forma alguma a leitura - mas vai esbarrar em Nietzsche num senhor de longos bigodes, em Dostoiévsky no monólogo de um flanelinha e até em Borges na busca desesperada de um rapaz por uma língua misteriosa nas estantes do Real Gabinete Português de Leitura. Há, também, o momento em que o autor resolve confrontar o leitor e explicitar o jogo. Em
Mentira, o narrador conversa com o suposto leitor e trata de avisá-lo, a cada parágrafo, estar ele mergulhado em uma ficção. "Eu quis mostrar que em toda leitura tem um pacto entre o leitor e o escritor."
O Rio começa a ficar para trás no final do livro, quando Sergio Leo anuncia sua próxima investida. Em
O sumido Gralha, a figura de um artista plástico inspirada no amigo Rubem Grilo, gravador e autor da capa e das vinhetas do livro, questiona a arte contemporânea.
Para o próximo livro, cujo título provisório poderia até ser
Mentiras da arte contemporânea, ele pretende criar personagens capazes de problematizar questões como mercado, papel da crítica e definição do que é ser artista.
MENTIRAS DO RIO
De Sergio Leo. Record, 144 páginas. R$ 29. Lançamento hoje, às 20h, na Livraria Cultura.