Se uma companhia de teatro estrangeira que por aqui desembarcasse com o objetivo de realizar uma peça na Sala Martins Pena, levaria um susto. De cima do palco, a visão de uma das salas do principal espaço cênico do país é de desencanto. Conhecido pela vocação de prestigiar a apresentação de espetáculos da cidade, o local está numa situação crítica, com poltronas sujas, rasgadas e desgastadas, cortinas e carpetes puídos e equipamentos de sons e iluminação deteriorados e ultrapassados. "É uma realidade tão assustadora que a gente não tem nem o que dizer. É triste porque estamos falando de uma das salas do teatro da capital do Brasil", lamenta o diretor teatral Fernando Guimarães.
Um dos nomes mais representativos da cena cultural de Brasília, ao lado do irmão Adriano, o diretor explica que o estado de precariedade não se restringe apenas à Sala Martins Pena. "A Sala Villa-Lobos se encontra na mesma situação, o estado é precário em todo o Teatro Nacional. É preciso reformar tudo", cobra. "A gente não se apresentava na Martins Pena há pelo menos cinco anos. Voltamos lá no ano passado, dentro do Cena Contemporânea, e tomamos um susto. Está tudo detonado", destaca.
[SAIBAMAIS]A situação denuncia uma realidade que aplaca vários espaços culturais da cidade. No Cine Brasília, por exemplo, o desleixo é deprimente. Nas salas do Teatro Nacional Claudio Santoro não é diferente. Uma visita realizada pela reportagem nas dependências da Sala Martins Pena, na última quarta-feira, mostra que a questão é mais complicada do que pode parecer. Para se ter uma ideia do tamanho da negligência, o espaço está tomado por baratas e escorpiões. "E é do escorpião mais venenoso, aquele amarelinho", detalha o servidor Adauto da Silva, funcionário do teatro desde sua inauguração oficial em abril de 1981. "A última reforma realizada no teatro foi em 1997. De lá para cá, a gente vai se virando. Além de trocar o mobiliário, que está todo estragado, é preciso modernizar os equipamentos de som e iluminação, bastante ultrapassados", denuncia.
; Orçamento
Tanto o secretário-adjunto de Cultura, Beto Sales, quanto o secretário de Cultura, Silvestre Gorgulho, reconhecem o estado de penúria do Teatro Nacional, cujo orçamento de restauro gira em torno de R$ 80 milhões. "A situação de todo os espaços culturais da cidade foi inventariada e diagnosticada pela Subsecretaria de Políticas Culturais. Falta agora colocar a questão num nível executivo, com a possibilidade de parcerias privadas", tenta explicar Beto Sales. Gorgulho é mais pragmático. Admite que a situação das duas salas de teatro estão em péssimo estado, mas pede paciência à classe artística e à sociedade. Segundo ele, tudo se resolverá em seu tempo. Porém, não detalhou "seu tempo".
"A imprensa só noticia o que está faltando ser feito e o que não foi feito ainda. Mas e o que já fizemos?", reclama o secretário. "Infelizmente o governo tem 200 prioridades. Entre trocar poltronas do teatro e um aparelho que detecta câncer num hospital qual é o mais correto? O teatro está passando por uma reforma externa nessa primeira fase onde tiramos goteiras, todo tipo de infiltrações, do teto e também das paredes, além da troca dos 3.391 cubos. Mas logo terminada essa primeira parte vamos abrir nova licitação, buscar dinheiro do governo federal, das estatais", diz.
Gorgulho explica ainda que o maior obstáculo para as reformas das salas do teatro é a burocracia. "Tem um ano que estou pedindo manutenção para os elevadores, mas até hoje não fomos atendidos porque entra licitação, pregão, ou seja, burocracia é a pior coisa que tem", conta. "Outra coisa, para mexer dentro do teatro eu preciso de autorização do Oscar Niemeyer e do Iphan. Mas essa etapa está bastante antecipada. Já fui ao Rio de Janeiro e conversei com o Oscar, o assunto está adiantado", informa.
Uma outra questão levantada pelo diretor Fernando Guimarães é a forma equivocada como se direciona o lucro do teatro que, segundo ele, poderia ser revestido em melhorias para o próprio espaço. "Vai tudo para o Tesouro, isso é lamentável", desabafa. O secretário Gorgulho admite essa falha e promete soluções. "Isso é verdade. Arrecadamos mais ou menos, por mês, R$ 1 milhão, mas parte desse dinheiro não fica no teatro. Queremos criar um projeto para abrir uma conta corrente do teatro. Assim, todo o lucro será revestido em benefícios para o teatro", defende.
Integrante do coletivo SeteBelos, o ator Leônidas Pontes pede soluções rápidas. Ele e os colegas do grupo sentiram na pele os estragos causados na Sala Martins Pena, onde se apresentaram na última semana o espetáculo O segredo para o sucesso. Mas não pensa apenas no desconforto próprio. Olha mais adiante, preocupado no mal-estar de um personagem essencial para o teatro e a classe cênica: o público.
"O lugar fede a mofo. Penso que para uma pessoa alérgica deve ser horrível", sensibiliza. "Acho que o que está faltando para as salas do Teatro Nacional é glamour. Pegue o exemplo do Teatro do Sesc de Ceilândia, por exemplo! Tudo bem que é um espaço novo, mas vemos que há uma manutenção regular. Tanto a Sala Martins Pena quanto a Villa-Lobos precisam ser tratadas com o mesmo carinho. Devolver ao Teatro Nacional a importância que ele merece", destaca.
; Memória
Projetado por Oscar Niemeyer, o Teatro Nacional teve suas obras iniciadas em 30 de julho de 1960. A Sala Martins Pena ficou pronta em 1966 e após 10 anos de funcionamento foi fechada para reforma. A reativação aconteceu em 21 de abril de 1981. Foi a primeira sala a receber público na história do Teatro Nacional. Com 437 poltronas, abriga palco italiano de 235m2 em piso de tábua corrida. Tem por vocação prestigiar os espetáculos da cidade.
Ouça entrevista com o secretário de Cultura Silvestre Gorgulho sobre a situação das Salas do Teatro Nacional
Principais problemas encontrados na Sala Martins Pena
Segurança
O problema
Apenas dois guardas são responsáveis pela segurança de todo o Teatro Nacional. Por causa dessa limitação, somente uma das entradas do espaço fica aberta ao público. Segundo o servidor Adauto da Silva, encarregado da Gerência Técnica Operacional do Teatro, é fácil ver circulando nos arredores do Teatro, à noite, usuários de droga.
A solução
A saída mais rápida e lógica seria aumentar a segurança do local. O secretário de Cultura Silvestre Gorgulho destaca que o melhor caminho é eliminar a tercerização no setor, defendendo a criação de uma segurança patrimonial do governo a partir de funcionários públicos.
Mobiliário
O problema
As poltronas, cortinas e carpetes da Sala Martins Penna estão visivelmente em estado crítico. A sujeira é tamanha que a cor mostarda das cadeiras, por exemplo, foi tomado pelo encardido. As cortinas do palco apresentam buracos do tamanho de um ovo e o carpete rasgados em vários pontos. Todo esse mobiliário é remanescente da inauguração do teatro, realizada em abril de 1979.
A solução
A troca imediata de todo o mobiliário. Mas o secretário Gorgulho já adiantou que isso só será possível depois da primeira fase da restauração do teatro, realizada na parte externa. Essa segunda parte dos reparos, voltado para a parte interna, só será realizada após uma nova licitação, ainda sem data definida. O dinheiro virá do governo federal, por meio das estatais.
Equipamentos
O problema
Equipamentos de iluminação, sonorização e maquinário estão ultrapassados. Dos três, o caso mais crítico envolve as caixas de som. Além da falta de manutenção, existe ainda o problema da burocracia das licitações na hora de trocar alguma peça, devido a burocracia das licitações.
A solução
A modernização dos equipamentos de iluminação e som. Segundo o secretário-adjunto de Cultura Beto Sales, a subsecretaria de políticas culturais já registrou todos os problemas. Falta agora colar a questão num nível executivo, com a possibilidade de parcerias privadas.
Instalações
O problema
Além da sujeira, o palco da Sala Martins Penna apresenta deformações causadas pelo tempo e materiais pesados. Algumas emendas são visíveis. Nos camarins, além das infiltrações, o descaso pode ser conferido em guarda-roupas quebrados e espelhos desgastados por manchas negras. A iluminação é precária e alguns objetos, de tão obsoletos, nem pode ser trocados.
A solução
Recuperação do palco e camarins.
Insetos e escorpiões
O problema
As baratas e os escorpiões venenosos tomam conta do lugar já que a detetização do local só acontece duas vezes ao ano.
A solução
O ideal seria detetizar o espaço de três em três meses. O que não acontece devido a intensa pauta de atrações da casa, com apresentações realizadas todos os meses.