Michael Jackson deixou o reinado do pop há exatamente um mês ; mas não seria exagero afirmar que, comercialmente, o ídolo permanece na ativa. A notícia da morte, provocada por uma parada cardíaca, provocou um espetáculo à altura de um ídolo controverso, com cenas de comoção, disputas judiciais, um funeral apoteótico e uma investigação policial que se arrasta até hoje. Há quem diga que a carreira de Michael, morto aos 50, naufragou junto com a indústria musical, no início da década. Por uma dessas ironias mórbidas, a despedida do astro aqueceu o comércio de discos. Segundo o Los Angeles Times, foram vendidas mais de 9 milhões de cópias de álbuns do cantor no período pós-morte. Só nos Estados Unidos, o número chega a 2,3 milhões.
O público brasileiro engorda o fenômeno. Nas megastores, títulos como Off the wall (1979, Thriller (1982), Dangerous (1979) ; todos com distribuição da Sony/BMG ; ganham lugar de destaque, ao lado de coletâneas e DVDs. Os novos produtos desse filão devem agradar aos fãs mais dedicados: a Universal Music relançou os três primeiros álbuns de Michael, gravados no início dos anos 1970, quando o cantor tinha entre 13 e 14 anos. Os CDs entraram no catálogo em 2006, mas, no início deste ano, só eram fabricados mediante pedido de lojas. Agora, Got to be there (1972), Ben (1972) e uma versão alterada de Music and me (1973) retornam às prateleiras.
A estratégia comercial, no caso, permite que o fã descubra um período pouco explorado da trajetória de Michael. No início dos anos 1970, o adolescente se dividia entre o Jackson 5 e uma carreira solo ainda incipiente. O menino, com feições delicadas e agudos afinadíssimos, era a imagem da inocência. Os produtores da Motown Records ; a corporação de black music fundada em 1959 ; fizeram de tudo para ressaltar a imagem de um ídolo angelical. Os dois primeiros trabalhos solo, Got to be there e Ben, foram lançados como itens da franquia do Jackson 5. Vestia o figurino da Motown: soul music com apelo para as rádios, diluída em canções românticas e arranjos açucarados.
Os discos criam a imagem de uma infância perfeita. Pura ficção, portanto. Na época, os irmãos Jackson eram vigiados severamente pelo pai, Joe Jackson. Qualquer erro era motivo para sessões de pancadaria. Durante as gravações de Music and me, Michael tentou convencer os executivos da Motown a gravar canções próprias. Mas os chefões não deixaram. O talento do compositor só veio à tona na idade adulta, quando abandonou o selo (em 1975) e engrandeceu a disco music com Off the wall, uma das maiores surpresas dos anos 1970.
No Brasil, os três álbuns vendem bem. Got to be there já emplacou 7 mil cópias. Music and me, 6 mil. Curiosamente, o lanterninha é Ben (5 mil), que serviu de trilha sonora da turnê do Jackson 5 no Brasil. A faixa-título, composta por Don Black e Walter Scharf, foi indicada ao Oscar de melhor canção. Para Michael, representou uma virada na carreira ; o primeiro hit do músico a chegar ao primeiro lugar da parada norte-americana. Nada comparável ao que ocorreria nos anos 1980, quando Michael lançou o disco mais bem-sucedido de todos os tempos (Thriller, com 104 milhões de unidades vendidas) e inaugurou uma era de gigantismo no pop. Essa história, quem não conhece? Os discos do menino Michael ensinam que não foi tão fácil chegar lá.
; Resultado da enquete
O melhor disco de Michael Jackson, segundo os internautas do Correio
1 ; Thriller (1982) ; 54%
2 ; Ben (1972) ; 14%
3 ; Off the wall (1979) ; 7%
4 ; Dangerous (1991) ; 4%
5 ; Music and me (1973) ; 4%
; Críticas
GOT TO BE THERE (1972) ***
O Jackson 5 já era um fenômeno pop (com hits como ABC e I;ll be there) quando a Motown Records investiu na carreira solo de Michael Jackson. O disco de estreia segue rigorosamente a grife da gravadora: com um time tarimbado de músicos e produtores, protege o menino com um repertório de inofensivas canções de amor. O romantismo é embalado em coros e arranjos de cordas, numa atmosfera de inocência juvenil. Seria apenas um produto 100% comercial, mas Michael devora as canções alheias com tamanho entusiasmo que fica fácil esquecer o formato oportunista do projeto. Na faixa-título, no rock ;n; roll adocicado Rockin; Robin e na versão de Ain;t no sunshine(Bill Withers), os agudos de Michael vencem o marasmo.
Primeiro álbum solo de Michael Jackson. 10 faixas, com produção de Hal Davis e Willie Hutch. Lançamento Universal Music. Preço médio: R$ 20.
BEN (1972) ***
Poucos dias antes de completar 14 anos de idade ; e apenas sete meses depois da estreia solo ;, Michael voltava às lojas de discos em agosto de 1972 como uma aposta alta da Motown. Na corrida para lucrar com o sucesso da canção Ben, lançada em julho (tema de um filme sobre a amizade entre um menino e um camundongo), a gravadora tinha pressa. Ainda assim, soa como o trabalho mais coeso e emocionante da adolescência do ídolo. Michael ainda não tinha permissão para compor, mas já interpretava como gente grande: com a delicadeza de divas soul (como Diana Ross) e a emotividade de um de seus maiores ídolos do menino, Stevie Wonder. Entre os destaques, uma versão à flor da pele para My girl (Smokey Robinson e Ronald White).
Segundo álbum solo de Michael Jackson. 10 faixas, com produção de Hal Davis. Lançamento Universal Music. Preço médio: R$ 20.
MUSIC AND ME (1973) **
A edição que sai no Brasil é diferente daquela que foi lançada em abril de 1973. O original tem 10 faixas e abre com a balada sensível With a child;s heart (de Vicky Basemore, Henry Cosby e Sylvia Moy), que revela uma mudança sutil na voz do cantor, mais aveludada. A versão que chega ao mercado tem cara de coletânea, vem com 14 canções, abre com a alegre Rockin; Robine mistura o Michael de discos anteriores (Ain;t no sunshine, Shoo-be-doo-be-doo-da-day) com as faixas de Music and me. Uma pena. O disco de 1973, apesar de irregular, é o retrato sutil da crise do intérprete, que começava a se sentir deslocado dentro da família Motown. O cantor ainda lançaria outro disco (Forever Michael, de 1975), antes de se libertar do selo e entrar para a história do pop.
Terceiro álbum de Michael Jackson. 14 faixas, com produção de Hal Davis. Lançamento Universal Music. Preço médio: R$ 20.
; Intrigas e mistérios
A morte de Michael Jackson continua a intrigar a polícia de Los Angeles. Ainda é forte a suspeita de que o artista sofreu uma reação provocada por uso abusivo de anestésicos ; mas, em quatro semanas de investigações, a causa da parada cardíaca permanece desconhecida. A imprensa norte-americana sugere que o astro estaria envolvido num esquema ilegal de compra e venda de remédios. A irmã La Toya afirmou que o irmão teria sido assassinado. Mas nenhuma dessas informações é confirmada por fontes oficiais ; o resultado da autópsia será divulgado na próxima semana.
Enquanto os agentes trabalham, a família Jackson disputa o patrimônio do cantor, avaliado em cerca de US$ 500 milhões. Semana passada, a mãe Katherine Jackson foi à Justiça para pedir pressa na liberação do dinheiro da herança. A guarda dos filhos Prince Michael I, Paris e Prince Michael II também rende um nó judicial. No testamento de Michael, eles ficariam com a avó. Mas, de acordo com o site de celebridades TMZ, a família teria concordado que a irmã mais velha, Rebbie Jackson, 59 anos, ficaria responsável pelas crianças.
E o destino do corpo do músico, velado em 7 de julho no Staples Center? De acordo com o jornal Telegraph, ele fica no cemitério Forest Lawn, em Los Angeles, na cripta do criador da Motown (Berry Gordy), até a decisão final da família, que ainda não escolheu o local do enterro. Mas o site TMZ nega essa informação. ;O corpo não está em Forest Lawn;, assegura. Mistério.
Na tevê
O canal por assinatura GNT exibe hoje, às 21h, o documentário O fenômeno Michael Jackson: excessos e fortuna. Produzido pela BBC, o especial faz parte de uma série produzida pela rede britânica que investiga as contas bancárias dos famosos. O repórter Max Flint revela os lucros do astro e curiosidades da carreira de Michael ; entre elas, objetos raros que, perdidos em um processo judicial, são guardados num galpão em Los Angeles.