Edson Gomes ainda curtia a ressaca da vitória de seu time, o Cão de Raça Futebol Clube, campeão municipal da pequena Cachoeira, a 110km de Salvador, quando atendeu ao telefonema do
Correio para uma entrevista na última terça-feira. Principal voz do reggae de protesto do país, ele desembarca hoje para um show na cidade, a partir das 22h, no Mercado Alternativo. Bem-humorado (não podia deixar de ser), o ;cartola; do Cão de Raça conversou sobre sua carreira e não poupou críticas à máquina baiana do axé e ao ;sistema;. Bateu pesado nos rappers norte-americanos: ;São uns idiotas;. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
Você quis ser jogador de futebol, trabalhou na construção civil, ralou pesado; Quando e como você jogou tudo para o alto e resolveu viver de música?
Foi em 1983. Tinha voltado até a estudar, mas um colega meu, o irmão Vieira (músico famoso na região), me convidou para participar do show dele em Salvador. Foi aí que larguei tudo. Antes, fazia alguns shows na minha cidade (voz e violão).
O reggae na Bahia é resistência nos bares do Pelourinho. Por que você acha que o gênero não pegou em Salvador, como em São Luís, outra capital com forte presença de negros na população?
É porque aqui na Bahia já tem uma música pronta, ou melhor, dois tipos de música pronta: o axé, do trio elétrico, e o pagode, dos negros do gueto. Fica muito difícil o reggae permanecer no meio desse fogo cruzado, a máquina musical na Bahia é fechada. O reggae não possui a mesma oportunidade que tem no Maranhão. O reggae em Salvador não toca na rádio ou em qualquer lugar.
É difícil mudar essa situação?
Tem muita gente envolvida nisso (no axé), como empresários, donos de rádios e televisões. É uma máquina que dá dinheiro. Pode não ter conteúdo, mas vende. Muita gente se dá bem com isso. Acho impossível o reggae competir nesse esquema.
Como está a cena reggae no país hoje?
É bem esporádica. Em alguns lugares, o gênero se sobressai, mas são cenas isoladas. Ele seria forte se fosse inserido no contexto das músicas tocadas em rádio. Mas ainda é um ritmo clandestino.
E Brasília no universo do reggae?
Brasília é uma cidade roqueira, mas que tem uma clandestinidade legal. Essa tribo da cidade aceita o reggae mais raiz.
Como você analisa os rappers norte-americanos que se
esquecem da África e preferem um discurso mais urbano?
Não curto esses caras. Acho uns idiotas. Aliás, os negros americanos são uns idiotas. Muitos querem o poder simplesmente. O que a gente quer não é o poder, a gente quer a igualdade, dignidade, harmonia e oportunidade. Eles gostam muito de se exibir.
Você tem colocado algumas inovações tecnológicas em seu som, tipo o ragga e o dub?
Não. Meu reggae é tradicional.
O reggae de Edson Gomes continua incomodando os ;donos; da Bahia?
(Risos) Não só da Bahia, mas em qualquer lugar onde haja ditadura, injustiça. Incomoda porque o reggae nosso não está à venda. Está apenas interessado em levar uma mensagem verdadeira, legítima. A gente não faz conchavo com ninguém. A gente ainda vai incomodar muito.
Em suas canções você ataca o ;sistema;. Que ;sistema; é esse, hoje em dia?
Primeiro, há o sistema físico, que é comandado pelos homens, os dominadores, as ;leis e as ordens;. Aqueles que decidem quem vai viver bem ou quem vai viver mal, quem terá oportunidade e quem não terá. E também há o sistema espiritual, o sistema das trevas, que prejudica o espírito.
Quais são seus mitos na música?
Eu não tenho ídolos. Mas gosto de Bob Marley e Peter Tosh. Os dois pelo que fizeram para o reggae. No Brasil, eu curto um pouco da Tribo de Jah. Eles fazem um trabalho sincero. Acho que só.