Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Crítica: Roberto Corrêa se supera em novo disco solo

Ouvir Temperança é mergulhar em um mundo que parece se dissolver na modernidade deste início de século. Um mundo de narrativas orais, de histórias de assombração, de poesia aguçada e de uma melancolia tipicamente inspirada pela paisagem interiorana brasileira. Soa como uma continuidade de Extremosa rosa, de 2002, disco em que Roberto Corrêa começou a se aprofundar no projeto de dar voz a suas composições, fazendo dela (a voz) um terceiro vértice na relação íntima que já se estabeleceu entre o músico e a viola.

[SAIBAMAIS]O que seria um risco para um artista que se firmou como instrumentista está longe de ser um problema para Corrêa, porque ele usa o canto não como meio de exibição vocal, mas como elemento essencial para construir alegoricamente esse universo um tanto ferido por parabólicas e automóveis. Assim Temperança se torna mais que o disco de um músico que, apesar da notável experiência, ainda se debruça sobre a viola com olhar curioso, sabendo que dela pode tirar algo mais. O violeiro é também o cantador de causos, o narrador, o poeta.

É bonita e até comovente a forma como Roberto Corrêa explora a musicalidade da fala em algumas músicas, caso de A morte veio me buscar, revisão da clássica história de assombração protagonizada pelo matuto esperto que engana a morte. Bonita também a capacidade de trazer para seu universo musical os versos do poeta Fernando Mendes Vianna (Coração verde cavalo, Rosa manga) e do folclorista Câmara Cascudo (Tardinha) ou de criar os próprios (tomando caminhos tão distintos quando o lirismo de Caliandra flor e a brejeirice de Recorte da triste hora, por exemplo).

As 18 canções de Temperança compõem, pouco a pouco, o retrato de uma brasilidade quase perdida, tirado pelo olhar contemporâneo e atento de um dos artistas mais notáveis que Brasília abriga. Aberto a infinitas parcerias ; recentemente gravou com a Orquestra do Estado de Mato Grosso, com o pernambucano Siba e com a Orquestra à Base de Corda ;, Roberto Corrêa parece alimentar nesses encontros a capacidade criativa que o torna capaz de surpreender a cada disco solo. Se Extremosa rosa, sete anos atrás, nos arrebatava, Temperança consegue superá-lo com sua tocante e melancólica beleza.