Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Solidão e mazelas inspiram os novos trabalhos do cartunista André Dahmer e do roteirista Lobo

A cidade grande serve de inspiração e cenário para duas histórias em quadrinhos recém-lançadas pela editora Desiderata: A cabeça é a ilha, do cartunista André Dahmer, e Copacabana, de Lobo e Odyr. Para Dahmer, a solidão é a doença nativa das grandes aglomerações urbanas. A cabeça é a ilha, coletânea inédita de tiras produzidas nos últimos dois anos, apresenta séries como Ulisses, Sara, a sofrida, Alone, 2035, Encontro anula dos donos do mundo, De nihilo nihilum, Desmemória, The Botika Hotel e Mini-Dahmer ; todas povoadas por personagens sozinhos no meio da multidão, pessimistas, suicidas e frustrados em geral. Pois é do trágico que o carioca tira seu humor, como visto nas tirinhas que o tornaram conhecido, Malvados.

Dahmer não poupa ninguém. Seu humor é ácido e politicamente incorreto. ;Recebo e-mails apaixonados e raivosos, depende do dia, da tirinha, da crítica. Já ouvi muito palavrão e até ameaças. Mas cachorro que late não morde, né?; Solidão pode até ser um tema recorrente, mas os relacionamentos humanos e as mazelas da sociedade também dão caldo para tiras hilárias. A inspiração, ele explica, é uma mistura do que viveu e do que viu os outros viverem. O carioca, assim como seus colegas de geração, prova mais uma vez que, com ótimos textos, desenhos toscos são mais que suficientes. O humor do autor não é para todos os paladares, especialmente para os mais sensíveis. Para quem não se incomoda com um pouco de grosseria, escatologia e humor negro, a diversão é garantida.

Tipos noturnos
Copacabana, escrita por Lobo e ilustrada por Odyr, mostra um retrato do bairro que não sai em cartões-postais. Sim, estão na HQ a praia, o calçadão e as garotas de biquíni. Mas os protagonistas da graphic novel são prostitutas, travestis, traficantes, batedores de carteira, adúlteros e outros tipos que surgem, geralmente, depois do pôr do sol. Lobo levou quatro anos entre a pesquisa e o texto pronto. ;Terminei em 1996, 1997. Sentar e escrever foi até rápido. O que levou mais tempo foi observar, juntar informações;, conta o roteirista, que passou incontáveis noites caminhando pelo bairro, observando e interagindo com sua fauna.

Publicar Copacabana foi quase uma saga. Até, finalmente, sair pela Desiderata, Lobo ofereceu o projeto da HQ para diversas editoras. Nenhuma topou. ;Certa vez, deixei o roteiro com um cara de uma grande editora. Depois ele me ligou e sugeriu que eu procurasse uma editora infanto-juvenil;, diverte-se. ;Naquela época, lançar um quadrinho nacional de 200 páginas era improvável;, continua. Conseguir um desenhista também não foi fácil. O roteiro passou por dois deles até chegar às mãos de Odyr, que levou dois anos para terminar o trabalho.

Gaúchos, os autores de Copacabana só foram se conhecer no Rio de Janeiro. Ambos trabalharam na Desiderata: Lobo como coordenador dos lançamentos de quadrinhos da editora e Odyr como diretor de arte, responsável pelos projetos gráficos de livros. A protagonista de Copacabana é Diana, garota de programa que se envolve, sem saber, em um grande golpe. Enquanto tenta juntar as peças para saber o que aconteceu, ela tem de arranjar dinheiro para ajudar a mãe e pagar as contas e ainda achar tempo para saber a quantas anda seu coração, depois de conhecer um escritor de romances baratos. ;Ela é um mix de umas quatro prostitutas que conheci na praia. Diana é uma mulher com desejos e anseios, ganhando a vida;, relata Lobo.

HQs de autor
Copacabana é mais um exemplo do que são os bons quadrinhos nacionais de autor nos últimos anos. Com um roteiro baseado em muita pesquisa e uma arte pouco convencional, os autores criaram uma trama que, se não chega a surpreender (afinal, o submundo de Copacabana é figurinha fácil nos cadernos policiais de jornais há muito tempo), é muito bem conduzida. Os personagens, em especial Diana, são bem construídos, longe dos arquétipos ou do romantismo barato. A arte de Odyr é de um preto e branco sujo, que poderia ser beneficiado por um álbum em formato maior, para facilitar a leitura e a percepção dos detalhes. Isso, no entanto, não compromete a fluidez da narrativa.

Para o futuro, Dahmer pretende criar um álbum de quadrinhos com uma história longa. ;E um livro de poemas, espero que eu consiga.; Atualmente, Lobo trabalha em um roteiro para adaptar para as HQs o livro A alma encantadora das ruas, de João do Rio.


Quem é quem
André Dahmer é carioca, nascido em 1974. É formado em desenho industrial. Seu trabalho com quadrinhos ficou conhecido a partir de 2001, com o surgimento do site www.malvados.com.br ; que já acumula milhões de acessos. Tem duas obras lançadas: O livro negro de André Dahmer (2007) e Malvados (2008). Seus trabalhos são publicados em sites, jornais e revistas.

O gaúcho Lobo tem 39 anos (ele revela a idade, mas não a verdadeira identidade). Já trabalhou com publicidade e hoje busca solidificar a carreira como roteirista. Foi editor da revista Mosh, voltada para quadrinhos e rock ;n;roll, e o responsável pelo lançamento de HQs nacionais pela editora Desiderata (da qual se desligou no ano passado), como O cabeleira e Mesmo Delivery. Atualmente, é sócio e editor de quadrinhos da editora Barba Negra.