postado em 30/06/2009 08:00
Corre entre os artistas de Taguatinga que há uma "assombração" no Teatro da Praça, a mais tradicional sala de espetáculos da cidade. Consta, em boca miúda, que se trata de um "ser medonho", que já deixou o templo de cultura em destroços, destinado a moradores de rua e até animais. Em 5 de junho de 2008, aniversário de 50 anos da terra, a "peste" foi mais uma vez derrotada. Uma reforma espantou o "obsessor" e devolveu o espaço em condições dignas de uso aos artistas e aos moradores taguatinguenses. No entanto, como uma praga que se renova, o "coisa ruim" começa a pôr a mão para fora da sepultura. Em pouco mais de um ano, os sinais da falta de manutenção assustam. Uma dezena de refletores e canal de mesa de som, por exemplo, estão queimados, deixando muita gente procupada. Como se fosse um filme de terror, "a hora do pesadelo" pode voltar ao cartaz.
"Nós queremos desassombrar o Teatro da Praça, conhecido como a casa mal-assombrada. Nós, artistas de Taguatinga, queremos ocupar mais intensamente este espaço", anuncia o ativista cultural Ruiter Lima, da Tribo das Artes, que há nove anos faz um sarau de múltiplas linguagens na cidade.
"A partir de agosto, vamos trazer esse nosso encontro cultural dos bares para o teatro. Mas ficamos assustados com a falta de profissionais que cuidam do teatro. Fomos informados que não há porteiro, bilheteiro, eletricista, nem operador de som e luz. Cada equipe que chega mexe na mesa de som, o que deve ter provocado o estrago", emenda o poeta Cacá, Carlos Augusto, também da Tribo das Artes, que caminha para o sarau de número 79.
"Setenta e nove? Nossa, que bacana. Precisamos trazer os artistas locais para dentro desse teatro", comenta o novo diretor dos segmentos social, cultural e esportivo da Administração Regional, que assina apenas como JT.
Desconhecimento
Com pouco menos de uma semana à frente do cargo, JT quer conhecer a comunidade cultural de Taguatinga para administrar o espaço. Aproveitou a entrevista promovida pelo Correio para tomar ciência da existência da Tribo das Artes. Conheceu também William Alves, organizador de um dos principais eventos culturais da cidade, a Mostra Taguatinga - Festival de Cinema e Vídeo, e Ronaldo Mousinho, da Academia Taguatinguense de Letras, que ocupa sala na Administração. JT substitui o mestre de capoeira Gilvan Alves de Andrade, que saiu do cargo gabando-se da reforma e da pauta congestionada de eventos. O acesso ao teatro, aliás, não tem sido problema para a comunidade. O pânico é a evidente inabilidade para cuidar de uma sala de teatro.
"A gente não entende por que um artista da cidade não administra o Teatro da Praça. Cadê o Conselho de Cultura formado por gente que faz a história de Taguatinga?", questiona William Alves, que filmou toda a entrevista.
"Trocar lâmpada de refletor não é problema. Arranjar bilheteiro e porteiro também. Em tudo que o artista precisar temos hoje condições de atender", garante mestre Gilvan. "Não sabia que o teatro estava assim (esquecido). Estou tomando conhecimento de tudo agora", emenda JT.
No dia da entrevista, os refletores continuavam queimados havia semanas, conforme constado por Cacá. Na vara frontal, apenas duas de seis luminárias estavam funcionando. No palco, seis não acendem. Algumas poltronas cedem com o peso do espectador. Cacá lembra que há um camarim que vive trancado. O foyer, que poderia ser usado para exposições, não tem estrutura para afixar as obras.
Mestre Gilvan adianta que a empresa responsável pela reforma "esqueceu" de colocar as canaletas para suportar quadros. O que, de acordo com ele, foi devidamente cobrado. Se não for feito um sistema de manutenção preventiva e corretiva, o Teatro da Praça seguirá rumo ao abandono. Neste caso, peguem as cruzes porque a "alma penada" estará de volta!
Memória
Sete vidas
O Teatro da Praça é fruto da luta dos artistas por um espaço digno para a manifestação cultural. O terreno pertence historicamente à Escola Industrial de Taguatinga(1) (EIT). Ali, funcionava o galpão da marcenaria. Nos anos 1980, a sala abrigou a Semana de Arte e Cultura(2), evento que marcou artisticamente a trajetória da cidade. Em 1994, abandonada ,foi ocupada pelo grupo teatral Celeiro das Antas, que resistiu por mais de um ano. O pedido de socorro fez eco e, em 1996, o espaço virou centro cultural num convênio entre Administração Regional e Fundação Cultural, agregando-se à Biblioteca Pública Machado de Assis. Ocorreu novo descaso e o espaço se deteriorou. Em 2007, tomados por boatos de venda do terreno para iniciativa privada, artistas da cidade realizaram o Movimento Viva EIT e conseguiram o tombamento provisório dos espaços.
1- ESCOLA INDUSTRIAL DE TAGUATINGA (EIT)
Instituição emblemática na formação da cidade, pois serviu de templo de ensino para os filhos dos operários que construíram Brasília. Orgulho do cidadão taguatinguense, tem história intimamente ligada à formação do Teatro da Praça.
2- SEMANA DE ARTE E CULTURA DE TAGUATINGA
Realizada em 1983, surgiu como desdobramento da Feira de Arte e Cultura de Taguatinga (Faculta), ambas organizadas pela extinta Associação de Arte e Cultura da cidade (AACT). Os grupos locais e artistas convidados ocupavam o Teatro da Praça da sexta ao sábado da semana seguinte. No domingo, faziam espécie de feira ao ar livre. Criadores, como Renato Russo ao violão, passaram por lá.