Há quem diga que a mulher se torna mãe assim que engravida. As mudanças no corpo dela forçariam o sentimento de amor e de responsabilidade pelo bebê. De acordo com esse pensamento, o homem só se tornaria pai quando tivesse o filho nos braços e a paternidade fosse, finalmente, o mais literal possível. Por muito tempo, as coisas foram assim. Mas, para o bem das mães, dos filhos e também dos papais, as coisas estão mudando.
A educadora perinatal Andressa Bortolasso, autora do livro Sintonia de mãe, trabalha com gestantes, pais e bebês há quase 20 anos e conta que, no início da carreira, era comum pais não participarem das consultas de pré-natal nem pesquisarem sobre a gravidez, o parto e a amamentação.
;Antes, para o pai, enquanto o bebê estava na barriga da mãe, a vida mudava pouco. Afinal, ele não sente mal-estar, nem vai passar por uma experiência física que pode ser assustadora. De uns tempos para cá, já existe uma forte tendência de os pais exercerem a paternidade desde a gravidez.;
Para a educadora, a mudança veio de forma inversa. Primeiro os pais começaram a dividir melhor as responsabilidades com os filhos e, consequentemente, passaram a pegar um espaço importante na gestação. ;Hoje, muito pai chega do trabalho e vai conversar com o bebê na barriga. Eu trabalho também com aconselhamento na amamentação e muitos participam da consulta. Querem que dê certo. Antes, para eles, tanto fazia;, comemora Andressa.
São pais que criam vínculo com os bebês ainda na barriga, à medida que acompanham consultas e exames do pré-natal, que se emocionam com as batidas do coração, que cantam pertinho da barriga e até fazem cursos sobre como cuidar do neném em seus primeiros dias e meses e também da mulher no puerpério. Quando o bebê nasce, o amor já havia sido cultivado, e o vínculo está construído.
Papel fundamental
Para a obstetra Carolina Amorim, o pai tem um papel de extrema importância na hora do parto. Ela explica que, antigamente, era comum a mulher ser amparada por outras mulheres, como a mãe e a avó, enquanto o homem ficava do lado de fora aguardando o nascimento do filho, o que hoje tem mudado, com a participação dele em todo o processo.
De acordo com Carolina, o pai pode ajudar tanto fisicamente, apoiando o corpo da mulher e usando técnicas para aliviar a dor, quanto emocionalmente, dando amparo e força. A obstetra afirma que, além de ajudar a esposa, a presença ativa dele no parto é fundamental para o bebê. ;Estar a família completa para a chegada do bebê é uma conexão indescritível.;
Cuidado desde a barriga
Para o advogado Bruno Rangel, 36 anos, o exercício da paternidade não começou quando Isaac nasceu. Quando ele ainda estava na barriga da mulher, a servidora pública Natascha Barreto, 33, Bruno sentia a responsabilidade de ajeitar tudo para a chegada do bebê e de se preparar para ser o melhor pai possível. Natascha sentia no corpo e na prática as mudanças; Bruno, na alma. ;Eu pesquisava sobre o parto, acompanhei consultas e exames, fiz curso no hospital.;
Durante o parto ; normal e no hospital ;, ele não saiu do lado de Natascha. ;Foi um momento que nos fortaleceu como casal. A gente passa a admirar ainda mais o outro;, garante a mulher. Bruno conta que ficou assustado de vê-la sentindo tanta dor, mas fez de tudo para não transparecer e não deixá-la ainda mais nervosa. Mas conversava com a médica para ter certeza de que estava tudo dentro do que se espera.
O advogado contava as contrações e massageava as costas de Natascha quando veio a pergunta: o que ele achava de ela tomar anestesia. ;Foi quando eu disse que era uma decisão dela, mas que, se fosse comigo, eu já teria tomado;, relata.
Dono do próprio escritório, conseguir tirar alguns dias de licença-paternidade dependia de Bruno. Precisou de um esforço e de uma organização ainda maior ; além do companheirismo da equipe ; para tirar algumas folgas quando estivesse, finalmente, com o filho em casa. Conseguiu uns dias a mais levando trabalho para casa. Fazendo home office, ficava sempre perto da mulher e do bebê.
Rotina
Como tantos outros bebês, Isaac, hoje com 4 meses, ganhou um uniforme do Fluminense, time do coração do pai, antes mesmo de nascer. Mas a influência maior de Bruno diz respeito aos cuidados e ao carinho com o filho: troca fralda, dá banho, faz dormir e, agora, sonha em começar a ensiná-lo a jogar bola e a compartilhar algumas das coisas que fazia com o pai, como andar a cavalo e curtir o mato.
A rotina é quase sempre a mesma: Isaac mama de madrugada e acorda por volta das 6h. É quando Bruno pega o filho e deixa a mulher dormir um pouco. Às 9h, ela acorda, assume os cuidados e ele vai trabalhar. O retorno é, no máximo, às 19h, para poder dar banho em Isaac. ;Minha maior frustração é quando chego depois das 20h e ele já está dormindo.;
Para o futuro, Bruno planeja: ;Não importa se ele vai ser médico, advogado ou o quê. O que importa é ser uma boa pessoa e isso depende, principalmente, do exemplo que eu e a mãe dele damos. Então, a forma de ver a vida muda completamente. Hoje, dou ainda mais valor aos meus pais;.
"Não importa se ele vai ser médico, advogado ou o quê. O que importa é ser uma boa pessoa e isso depende, principalmente, do exemplo que eu e a mãe dele damos"
Bruno Rangel, advogado
Pronto para a mudança
O advogado Thiago Martins, 31, é pai de primeira viagem e já está contando os dias para o nascimento de Júlia. O parto está previsto para setembro e, enquanto o grande dia não chega, ele se planeja para receber a pequena. Para isso, as atividades estão indo muito além da decoração do quarto e das compras de roupinhas.
Para ajudar a esposa, a enfermeira Luana Martins, 28, Thiago fez um curso para gestantes com ela. ;Eu já tinha uma visão que minha participação era tentar facilitar o processo do parto natural. Agora eu aprendi os instrumentos para isso;, afirma.
No curso, aprendeu sobre os cuidados com o neném, recursos para facilitar o parto, técnicas de modulação da dor, entre outros conteúdos importantes. Segundo Lissandra Souza, sócia-proprietária do Nascentia, a procura de homens pela capacitação tem crescido e isso tem refletido não só na participação ativa durante o nascimento como nos futuros cuidados com o bebê. ;A rede de apoios das mulheres não está mais como antigamente, que precisava da mãe, da avó ou das amigas. Hoje em dia, o marido ocupou esse lugar;.
Thiago conta que fica surpreso com o estranhamento das pessoas diante de sua atitude. Para o advogado, as informações são fundamentais para entender melhor a gestação e saber como agir na sala de parto. ;Eu não acho que mereço elogio. Faço algo normal, que todos deveriam fazer e que provocaria essa ressignificação dentro da sociedade, essa interpretação diferente do papel entre o pai e a mãe no compartilhamento do cuidado;, destaca.
Segurança para a mãe
A iniciativa de Thiago, sem dúvidas, tem deixando a mulher segura de que tudo ocorrerá bem. ;Quando a gente descobriu a gravidez, foi uma alegria dos dois. A partir do momento em que ele ficou sabendo, sempre esteve ao meu lado, me acompanhou em todos os exames. As consultas não são minhas, são nossas;, frisa Luana.
Ela enfatiza que o marido se organizou no trabalho para poder auxiliá-la melhor nos primeiros dias de vida de Júlia. Thiago ressalta que sempre apoiou a igualdade na licença-paternidade e maternidade. ;Esse foi o tema do meu trabalho de conclusão de curso (TCC), como uma forma de reduzir a discriminação de gênero contra a mulher no mercado de trabalho. Eu acredito que grande parte dessa visão que a gente tem vem da questão de colocar todas as obrigações em cima da mulher;, comenta.
Assim, baseados no companheirismo e no compartilhamento das obrigações, Thiago e Júlia seguem contando os dias para a chegada de Júlia. O papai garante que vai fazer de tudo para merecer o papel fundamental que tem na vida da pequena e não esconde a ansiedade à espera da garota. ;Eu nunca mais consegui dormir como eu dormia antes. Minha expectativa agora é poder fornecer todos os instrumentos para ela ser feliz.;
A missão continua
A administradora Elis Salvador, 43, esposa de Salvador, afirma que não tem do que reclamar. Ela destaca que o corretor sempre foi um pai presente e a acompanhou durante todo o processo de gestação dos dois filhos do casal, inclusive nas consultas de pré-natal.
No nascimento da Manoela, Salvador surpreendeu a todos. Elis entraria na sala de parto com uma doula, que a ajudaria no processo, mas na hora não teve jeito, o instinto de pai falou mais alto que o medo de agulha e sangue. Salvador, então, vestiu a capa de superpai, encarou o medo e acompanhou a esposa. ;O médico perguntou quem ia entrar e eu me ofereci. Participei de todo o parto e em nenhum momento me senti mal, não sei de onde veio essa força.;
Na vinda de Murilo, Salvador já estava mais tranquilo e, assim como no parto de Manoela, acompanhou tudo de pertinho. Mas a missão de superpai não terminava mesmo por ali; afinal, longas madrugadas estavam a caminho. A regra é clara: se Elis acorda para amamentar o bebê, Salvador acorda junto para colocar o garoto para arrotar. ;Dar de mamar tem que ser ela de qualquer jeito, mas, depois, eu posso ficar com ele. Ela já passa a maior parte do dia com eles, à noite tem que descansar;, diz.
Tarefa dos dois
E os cuidados não ficam apenas nas madrugadas. O casal afirma que compartilha todas as tarefas que envolvem as crianças. ;Procuramos sempre fazer as coisas juntos, seja para ir a um médico, seja a um passeio;, comenta Salvador.
Bastam alguns minutos ao lado da família para perceber o cuidado do pai com os filhos. Enquanto conversava com a equipe da Revista, Salvador arrumava delicadamente os cabelos da pequena Manoela. Para eles, parceria nessa hora é tudo. ;Não teria Manoela e Murilo tão bem, se eu não tivesse o meu marido me apoiando em tudo, em todas as horas;, garante a administradora.
De segunda viagem
As tarefas com Mariana sempre foram divididas. ;Aqui não é questão de ajuda, mas de divisão de responsabilidade;, difere Amauri. Com o segundo filho, não seria diferente. Apesar da experiência prévia com a filha, Amauri teve mais uma ajuda: um curso de paternidade responsável, oferecido pelo Sindicato dos Bancários. Dividido em uma parte on-line e uma presencial, o certificado lhe garantia uma extensão de 15 dias na licença-paternidade. ;Nós sempre temos o que aprender e também a ensinar para outros pais. Eles batiam na tecla de que a licença era para cuidar e não para folgar;, explica.
Se depois do nascimento da primogênita, o casal foi da maternidade para a casa da sogra, onde permaneceu por 15 dias; no segundo filho, foram direto para casa. Menos nervosos, mais experientes e cheios de amor, eles se viraram na companhia um do outro. ;Ser pai é uma experiência maravilhosa. É um amor totalmente diferente, que não se sente por ninguém;, emociona-se.
Licença estendida
Há cerca de dois anos, o Sindicato dos Bancários, em convenção nacional, conseguiu a mudança da licença-paternidade de cinco dias para 20. Para ter alguma garantia de que os pais tirariam dias a mais para, de fato, cuidar do recém-nascido, a extensão foi condicionada à participação dos pais em um curso de paternidade participativa oferecido pelo sindicato. ;Fizemos um convênio com o SUS e com o BRB Saúde e conseguimos que viessem obstetras e enfermeiras especializadas para ensinar;, conta Teresa Cristina Mata Pujals, secretária de formação do órgão.