A população do Ceará vive hoje com somente 8% dos 153 reservatórios em funcionamento no estado, segundo o presidente da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), Eduardo Sávio. O estado, que registrou nos últimos cinco anos a seca mais severa desde 1910, tem apenas 5,9% de água em suas reservas.
;Estamos operando no limite e, diante desse quadro, o prognóstico da Funceme cumpre sua função, orienta ações e decisões, e também expõe um risco considerável (35%) de termos novamente um período curto de chuvas;, afirmou Sávio. ;Isso é muito grave. Vale ressaltar que prever chuvas em torno da média não significa que as afluências serão em torno da média. Existem processos intermediários entre a chuva e o escoamento de água para casa da população. Somente a concentração de chuvas em poucos meses do ano é que permitirá aporte aos reservatórios;, explicou.
A média anual de chuvas no Ceará é de 800mm, enquanto a evaporação anual chega aos 2.000mm. Isso impõe hábitos de consumo condizentes com a natureza semiárida da região, assim como uma busca constante pela eficiência nas transferências entre reservatórios, distribuição de águas em centros urbanas e no uso na irrigação. ;Mesmo que aumente a chuva em 2017, não está garantida recarga satisfatória nos reservatórios estratégicos;, lamentou Sávio.
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No Ceará, são 30 cidades em racionamento. As que ficam na região de serra não têm reservatórios, dependem de poços que estão praticamente secos. É o caso de Mulungu. A companhia de água dividiu a cidade em duas e intercalou o abastecimento: durante três dias, a água chega para uma parte dos moradores, e ,nos outros três, abastece os moradores do outro lado. O Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) alerta para ;acentuado risco; de esgotamento da água armazenada em represas e açudes nos estados do Ceará, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte.
Emergência
O Ministério da Integração Nacional autorizou este mês a liberação de R$ 5,2 milhões para restabelecer os serviços de abastecimento de água em regiões atingidas pelo extenso período de seca e estiagem em Alagoas e Sergipe. Ao todo, 40 municípios serão atendidos pelas ações. Em Alagoas, o repasse de R$ 3,7 milhões vai permitir a implantação de cinco adutoras e a adequação de sistemas de captação de água em reservatórios, com a aquisição de flutuantes e motobombas. Já os recursos destinados ao estado de Sergipe, no valor de R$ 1,5 milhão, vão custear a Operação Carro-Pipa estadual.
Com o objetivo de orientar estrategicamente o governo do Ceará nas ações e decisões que envolvem a utilização da água, a Funceme tem a difícil missão de elaborar, divulgar e fazer com que seja compreendida uma projeção climática. Porém, a tarefa mais complexa é a de conscientizar os consumidores (doméstico, comercial, industrial e agrícola) sobre a real situação e os riscos futuros. De acordo com Sávio, faltam campanhas permanentes de uso consciente da água. ;A Califórnia fez campanhas constantes do uso da água e conseguiu economizar 25% de água com essas ações. As pessoas não sabem de onde vem a água que abastece sua casa, não sabem para onde vai o esgoto. Se a gente não informa, elas não vão saber se está chovendo ou não nas áreas de reservatório;, disse.
Informação
Para ele, a relação de parceria com a população é essencial. Sávio defendeu que, com diálogo, é possível explicar as reais necessidades de economia de água. ;Dizer que tem de fazer racionamento parece palavrão. Mas não é. É um dos instrumentos de gestão. A crise está aí, nós temos que contar com o racionamento. Isso não deve ser tido como palavrão. Se bem explicado, se bem comunicado, a população entende e faz a sua parte;, argumentou.
O especialista acredita que é preciso trabalhar na construção de uma consciência coletiva quanto ao fim do desperdício. É impossível manter os padrões de consumo definidos observando o comportamento médio das séries hidrológicas. Esses padrões precisam ser revisados diante dos estoques hoje existentes, da incerteza da próxima estação chuvosa e dos riscos de médio e longo prazo em termos de clima. ;As crises vão ficar mais severas e frequentes daqui para frente, por isso, é importante estruturar uma política para coordenar melhor as diferentes esferas e parar de só apagar incêndios. É importante que as instituições conversem e encontrem soluções em conjunto;, destacou.
"Perdemos a perspectiva de planejamento a longo prazo, e isso afeta a segurança hídrica. Temos que pensar no modelo de desenvolvimento que queremos pra cada região. Nós estamos trazendo água pra quê? Pra quem?"
Eduardo Sávio Martins, presidente da Funceme