Por Eduardo Ferraz*
O tema deste artigo costuma chocar algumas pessoas, mas a intenção é alertar sobre o perigo de acreditar em "pensamentos mágicos", e ao mesmo tempo apontar caminhos mais assertivos e realistas.
Muitos pais e professores, por falta de informação, repetem uma historinha para as crianças, digna de um conto de fadas: ;você pode ser tudo que quiser, basta esforço;. Nos tornamos adolescentes, depois adultos e continuamos ouvindo a mesma ladainha por todos os lados. "Leia o livro X, faça o seminário Y, participe do retiro Z e alcance tudo aquilo que deseja".
Na maioria dos casos, especialmente na vida profissional, isso é pura ilusão, e conhecer a realidade chega a ser libertador: você pode ser excelente em pouquíssimas atividades, medíocre em várias e incompetente na grande maioria delas. Portanto, esqueça as áreas em que não tenha afinidade e prioriza aquelas em que tem talento.
Para deixar claro: talento é algo que fazemos bem feito, naturalmente e com facilidade. Ser uma pessoa engraçada, ou ter raciocínio rápido ou ser articulada, ou organizada, ou criativa, ou ter jogo de cintura, ou até boa memória são alguns dos incontáveis talentos que aparecem com frequência. Na prática é muito mais fácil evoluir de nota 7 para 9 em uma atividade profissional em você tenha afinidade do que passar de nota 3 para 5, em outra que você não tem aptidão. No primeiro caso, você transforma algo bom em excelente e, no segundo, um desempenho ruim em medíocre, na melhor das hipóteses.
Quando identificamos e aprimoramos nossos talentos, os resultados aparecem com maior rapidez, a carreira evolui e nos tornamos cada vez mais produtivos. Por outro lado, esforçar-se em algo em que você não tem vocação é perda de tempo, energia e dinheiro.
Isso ocorre por causa de nossa configuração cerebral. Sempre que somos obrigados a fazer uma tarefa complexa que não temos aptidão, sentimos enorme fadiga mental. Essa exaustão é resultado de uma ação mais intensa dos neurônios relacionados a esta atividade, que leva à produção de adenosina, substância que causa sonolência e nos obriga a desistir ou desacelerar e nos impede de sustentar o mesmo nível de atividade por muito tempo. Essa substância age como uma proteção, pois, ao nos deixar cansados (e com sono), evita que os neurônios envolvidos na ação entrem em colapso e morram.
O problema é que essa exaustão é muito mais rápida em atividades que não gostamos ou temos dificuldades. Uma pessoa tímida fica extenuada quando precisa passar o dia conversando com estranhos, já o extrovertido cansa quando precisa trabalhar em silêncio por muitas horas. O impaciente sofre quando precisa fazer atividades repetitivas e que exijam calma, enquanto a pessoa paciente tem enorme dificuldade em trabalhar sob pressão e assim por diante. Ao contrário, quando você executa uma função que seja compatível com sua personalidade, seus neurônios resistem ao esgotamento por muito mais tempo e sustentam tarefas complexas, eficazmente.
Por isso, quanto mais você conseguir usar seus talentos, maior será sua produtividade. Não quero dizer aqui para você se acomodar ou nunca fazer tarefas desagradáveis de vez em quando, e sim para definir prioridades e gastar energia em carreiras, profissões ou trabalhos em que você tenha oportunidade de se destacar. Para que isso aconteça, o ideal seria gastar cerca de 70 a 80% do tempo disponível para aproveitar e aprimorar suas potencialidades, e 20% a 30% para ajustar ou consertar pontos fracos que estão limitando seu crescimento profissional. Portanto, independentemente de sua idade atual, é fundamental obter profundo autoconhecimento para planejar com antecedência os caminhos de sua vida profissional, já que as opções, que são muitas, continuarão aumentando cada ano e será provável que as pessoas tenham três ou mais carreiras nos próximos 40 ou 50 anos.
Eduardo Ferraz é consultor de empresas que usa a base teórica da neurociência comportamental para posicionar as pessoas certas nos lugares certos.