Apenas 22,3% dos médicos - um em cada cinco - diz estar plenamente capacitado para atender os pacientes com covid-19 em qualquer fase da doença, de casos leves a graves e sob tratamento intensivo. Levantamento feito pela Associação Paulista de Medicina (APM) considerou os profissionais que atuam na linha de frente do combate à pandemia – aqueles que trabalham em hospitais, incluindo os de campanha, totalizando 1.385 profissionais.
O resultado faz parte de pesquisa realizada pela associação, entre 15 e 25 de maio, sobre os problemas dos médicos no enfrentamento à covid-19. A amostragem total – incluindo os profissionais que não trabalham nos hospitais – contou com a participação de 2.808 médicos de todo o país.
Em relação à capacitação, a APM avalia que há uma deficiência do setor público. Atualmente, 38,5% dos médicos da linha de frente recebem atualização científica dos hospitais, 38% têm acesso a conhecimento científico por meio de associações médicas e 61,5% pesquisam diretamente na literatura médica. Já o Ministério da Saúde e as secretarias estaduais e municipais ficam entre os menores índices, com 31,5%, 17,5% e 18,5%, respectivamente.
Isolamento social
Três em cada quatro médicos (75,3%) avaliam que o isolamento social é bom ou importante no contexto da pandemia do novo coronavírus, considerando a amostra total. Além disso, a avaliação desses profissionais sobre a atuação do Ministério da Saúde teve queda em maio na comparação com abril, passando de 72% de aprovação - boa e ótima - para 17,9%.
Os profissionais de medicina em geral não demonstraram otimismo quanto ao futuro imediato da pandemia em São Paulo e no Brasil. Ao contrário, 84,5% consideram que o país ainda não atravessou a pior onda da covid-19. Os médicos da linha de frente, por sua vez, estão apreensivos, pessimistas, deprimidos, insatisfeitos e revoltados – somando 79,3%. Somente 20,7% dividem-se entre otimistas (5,3%) e tranquilos (15,4%).
A apuração mostrou também que 96,6% de todos os médicos entrevistados admitem a possibilidade de faltar profissionais para o atendimento dos infectados pela doença. Somente 3,4% disseram ser improvável faltar médicos para cuidar dos infectados. Para 34,4% daqueles que estão na linha de frente, já há falta de médicos e outros profissionais da saúde nas unidades em que trabalham.
Integridade dos médicos
A APM relatou preocupação sobre dados que dizem respeito à integridade dos médicos, já que 58,5% presenciaram ou souberam de casos de violência contra médicos e outros profissionais da saúde por causa da pandemia. “O mais grave é que 17% desses episódios são de agressão física”, informou a entidade.
Outro risco considerado iminente pela associação é o fato de que 64% dos médicos da linha de frente não foram testados para covid-19. “Quer dizer, são profissionais vulneráveis, assim como os pacientes que assistem”, segundo a APM. De acordo com o levantamento, apenas 58,7% relataram que, quando algum profissional da saúde tem sintomas que possam ser atribuídos à covid-19, ele é sistematicamente submetido ao teste para confirmação diagnóstica.
A população também sofre com a falta de testagem. Conforme aponta a pesquisa, 54,3% dos médicos da linha de frente afirmaram que faltam testes para todos os pacientes com suspeita da doença nos locais em que trabalham. Nos locais em que esses profissionais prestam atendimento, apenas 12,2% disseram haver testes disponíveis para todas as pessoas; 39,4% afirmaram que só há testes para os pacientes com sintomas graves; e 9,1% relatam não existir testes em seus locais de trabalho, ou seja, nem casos com sintomas graves são testados.
Estrutura e insumos
Para 50,3% daqueles que estão atendendo pacientes com covid-19 na linha de frente, os médicos e profissionais da saúde não estão trabalhando com estrutura física, insumos adequados e segurança.
Eles indicaram deficiências que têm encontrado nos locais onde trabalham para atendimento aos pacientes com covid-19: 33% dizem que faltam máscaras N95, PFF2 ou equivalente (N99, N100 ou PFF3) nos hospitais em que atendem. Há também carência de leitos para pacientes que precisam de internação em unidades de terapia intensiva (UTI) (18%) e de leitos para os pacientes que precisam de internação em unidades regulares (12,2%), sendo que no levantamento de abril esses índices eram menores: 11% e 5,7%, respectivamente.
No período de realização da pesquisa, um em cada quatro médicos da linha de frente (24,7%) chegou a atender de seis a mais de 20 infectados pelo novo coronavírus ou com suspeita da doença, o que foi considerada uma “desumana e arriscada carga” pela APM. O restante dos profissionais (75,3%) atendiam até cinco desses pacientes.
Dos profissionais da linha de frente do combate à pandemia, 33,7% tiveram pacientes que morreram com suspeita ou confirmação da doença e 7,3% já viram morrer entre seis até mais de 20 pessoas.