“É uma previsão, mas na ciência é difícil prever. Se der certo, anda tudo rápido. Se as coisas começarem a dar errado no meio do caminho, e elas dão errado com frequência, esses prazos ficam estendidos”, ressalva o virologista Flávio Fonseca, professor do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG e coordenador do CTVacinas. As fórmulas gestadas nas mentes de pesquisadores em Minas são a esperança para proteger milhões de pessoas da doença, que já causou mais de 300 mil mortes em todo o mundo.
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O que muitos não sabem é que as pesquisas seguem firmes graças ao compromisso dos cientistas de que, mesmo diante da carência de recursos, mantêm o trabalho. O CTVacinas integra a Rede Vírus, vinculada ao Ministério de Tecnologia, Inovações e Comunicações. Por essa associação, o centro teria de receber R$ 2 milhões para o desenvolvimento conjunto da vacina com a Fiocruz. No entanto, o recurso ainda não chegou. “Tudo o que estamos fazendo é com recursos próprios”, afirma Flávio.
As vacinas concebidas por pesquisadores em Minas estão na etapa de desenvolvimento ou seja, a elaboração do conceito do produto, para posteriormente seguir para o teste pré-clínico, realizado em animais, e para o clínico, quando é testada em humanos. Na fase atual, é feita a “montagem” da fórmula na bancada do laboratório.
Os pesquisadores trabalham com um horizonte de dois a três anos para que a vacina brasileira esteja disponível. Mesmo que, em outros países, a descoberta chegue antes desse prazo, é fundamental que o Brasil mantenha o esforço para ter a própria substância. No contexto de pandemia, em que a COVID-19 acomete mais de 4 milhões de pessoas em todo o mundo, haverá disputa pela oferta da imunização.
“Temos que desenvolver uma vacina nacional. Imagine uma fórmula desenvolvida nos Estados Unidos... Onde vão aplicar primeiro? Nos EUA. Depois, nos maiores parceiros deles: Europa, Ásia. Vamos ficar no final da fila de prioridades de uma fórmula que precisa ser produzida para bilhões de pessoas. Isso deixa ainda mais patente a importância de desenvolver um produto com disponibilidade nacional”, explica Flávio Fonseca.
Reforço para as tropas do sistema imunológico
Os vírus são organismos que invadem e controlam células humanas para que possam se reproduzir. O sistema imunológico é o exército que as defende dos invasores. Mas, em algumas batalhas, essas tropas precisam de um reforço prévio. É aí que entram as vacinas. Elas agem produzindo uma resposta preventiva, para impedir que os vírus se reproduzam. As duas fórmulas em desenvolvimento no Brasil terão bases completamente diferentes, embora tenham o mesmo fim. Uma, chamada vacina inerte, é feita com partículas do vírus.
Com estratégias diferentes, a vacina em desenvolvimento no Instituto do Coração, em São Paulo, usa partículas semelhantes ao vírus, são do tipo VLP (acrônimo para virus like particles). Semelhantes ao invasor, as partículas são apenas cascas. “Gosto de fazer uma analogia à casquinha de cigarra presa nas árvores na primavera. É aquilo. Não tem o recheio, não tem o genoma. Consequentemente, a partícula não se replica e não age como vírus. É só uma casquinha, que tem a função de ser reconhecida pelo sistema imunológico, que gera anticorpos e células de defesa quando a pessoa é imunizada”, explica o pesquisador.
Na vacina viva, elaborada no CTVacinas, a estratégia é usar o vírus atenuado, constituído por um vetor viral. Está sendo usada como base a vacina para a gripe. “Usamos a vacina para gripe H1N1, uma vacina viva atenuada que é utilizada comumente no mundo inteiro. Por meio de engenharia genética, estamos inserindo no genoma do vírus vacinal, seguro por ser atenuado, um gene que codifica uma proteína importante do novo coronavírus”, diz o coordenador do CTVacinas.
Segundo o conceito aplicado nesse caso, quando o vírus atenuado entra na célula da pessoa vacinada, o organismo responde produzindo anticorpos e células de defesa contra o invasor. Mas, como ele foi modificado geneticamente para produzir proteína do novo coronavírus, o objetivo é que o sistema imune crie defesas contra o causador da pandemia. “O corpo não quer saber se é proteína do H1N1 ou do Sars-CoV-2: identifica-a como antígeno e produz anticorpos contra a proteína do coronavírus.”
Quando o imunizante estiver na fase de teste clínico, os pesquisadores precisam convocar voluntários. “A legislação brasileira não permite que o laboratório recompense financeiramente pessoas que participam do estudo. São pessoas que se voluntariam”, explica Flávio Fonseca. A legislação brasileira é bem diferente, por exemplo, da adotada nos Estados Unidos, que permite compensar financeiramente quem participa de estudos clínicos. “No Brasil, não se permite, para que não haja viés de pessoas pobres mais dispostas a participar e, portanto, sendo mais permissivas em relação àquelas que não precisam de recursos”, esclarece o pesquisador.
União de cérebros em busca de solução
No CTVacinas, a vacina é desenvolvida graças ao consórcio formado entre a UFMG e a Fiocruz, por meio da Fundação Oswaldo Cruz (Instituto René Rachou). No centro mineiro trabalham seis pesquisadores – três da UFMG, dois da Fiocruz e um vinculado às duas instituições. O trabalho se completa com o esforço de dezenas de estudantes e bolsistas. Ao todo, 25 pessoas participam dos esforços em torno da fórmula.
A fase de desenvolvimento leva de quatro a seis meses, o que é considerado relativamente rápido. São as análises da eficácia da vacina que fazem o tempo se estender. O pré-teste em animais leva, em média, um ano. Depois é realizada a fase clínica em seres humanos.
A etapa humana se divide em três: a primeira é a segurança, que necessita de alguns meses. A segunda é imunogenicidade, capacidade de a vacina de gerar resposta imunológica na pessoa vacinada, que leva mais um ano de testes em grupo de 100 voluntários. A terceira fase é o “teste-drive” propriamente dito, quando é feita a vacinação em milhares de voluntários, o que pode durar até quatro anos.
“Vacinamos uma multidão. Metade com a vacina propriamente dita e metade com um placebo, sem que a pessoa saiba. Depois, acompanhamos os que estão expostos ao meio ambiente, para observar se irão se infectar. É um estudo longo. Agora, estamos tentando abreviar. Depois ela é licenciada, transferida para a indústria, que tem capacidade de produzir em escala de bilhões para o mundo inteiro. Não é trivial”, antecipa o professor.
União de cérebros em busca de solução
No CTVacinas, a vacina é desenvolvida graças ao consórcio formado entre a UFMG e a Fiocruz, por meio da Fundação Oswaldo Cruz (Instituto René Rachou). No centro mineiro trabalham seis pesquisadores – três da UFMG, dois da Fiocruz e um vinculado às duas instituições. O trabalho se completa com o esforço de dezenas de estudantes e bolsistas. Ao todo, 25 pessoas participam dos esforços em torno da fórmula.
A fase de desenvolvimento leva de quatro a seis meses, o que é considerado relativamente rápido. São as análises da eficácia da vacina que fazem o tempo se estender. O pré-teste em animais leva, em média, um ano. Depois é realizada a fase clínica em seres humanos.
A etapa humana se divide em três: a primeira é a segurança, que necessita de alguns meses. A segunda é imunogenicidade, capacidade de a vacina de gerar resposta imunológica na pessoa vacinada, que leva mais um ano de testes em grupo de 100 voluntários. A terceira fase é o “teste-drive” propriamente dito, quando é feita a vacinação em milhares de voluntários, o que pode durar até quatro anos.
“Vacinamos uma multidão. Metade com a vacina propriamente dita e metade com um placebo, sem que a pessoa saiba. Depois, acompanhamos os que estão expostos ao meio ambiente, para observar se irão se infectar. É um estudo longo. Agora, estamos tentando abreviar. Depois ela é licenciada, transferida para a indústria, que tem capacidade de produzir em escala de bilhões para o mundo inteiro. Não é trivial”, antecipa o professor.