Com base nos dados, eles definiram quais as melhores estratégias a serem usadas pela população mundial para encarar os efeitos causados pela pandemia do novo coronavírus.
No artigo, publicado na revista especializada Clinical Neuropsychiatry, os autores selecionaram pesquisas feitas com moradores da área metropolitana de Nova York após os atentados ocorridos há quase 19 anos. Segundo os pesquisadores, esse episódio de trauma em massa foi marcado por intenso medo, com alto potencial para produzir problemas psicológicos, como ansiedade e depressão.
“O 11 de setembro foi muito estudado em termos de enfrentamento, resiliência e trauma, fornecendo uma base científica sólida para avaliar a eficácia das estratégias de enfrentamento”, frisou Craig Polizzi, pesquisador da Universidade de Binghamton, nos Estados Unidos, e um dos autores do estudo.
Os cientistas analisaram também estudos sobre pacientes com TEPT, provocados por experiências diversas — desde acidentes graves a guerras, por exemplo. “Usamos trabalhos anteriores de indivíduos que sofreram situações difíceis para observar como eles conseguiram lidar com o medo e a ansiedade durante toda a vida”, disse o autor do estudo.
Os pesquisadores destacaram que existem muitas diferenças significativas entre os traumas tratados nos estudos analisados e a situação atual de pandemia, e que elas foram consideradas durante a pesquisa. “Enquanto desastres naturais e eventos terroristas podem aproximar as pessoas em busca de uma recuperação, a pandemia exige um nível de isolamento social que só foi visto durante a gripe espanhola de 1918”, distinguiu Polizzi.
Os especialistas assinalaram também que os indivíduos respondem ao trauma de maneira diferente, o que levou os autores do estudo a sugerirem uma quantidade variada de técnicas de enfrentamento. “As pessoas são únicas e a maneira como lidam com esse momento difícil deve ser consistente com suas necessidades e valores”, afirmou Polizzi.
Três Cs
Com base em mais de 30 estudos analisados, os pesquisadores elegeram as atividades de enfrentamento — também chamadas de ativação comportamental — que podem ajudar a combater o atual momento. Os cientistas dividiram as medidas entre três Cs: controle, conexão e coerência. “Você pode ter uma sensação de controle planejando suas atividades diárias, como checar como estão seus amigos e entes queridos, mesmo virtualmente, ajustando o quanto de notícias consome, mantendo um diário ou se preparando para o seu futuro pós-pandemia”, explicou Polizzi.Em relação à conexão, é ela que preenche a necessidade de contato e apoio humano, algo essencial para manter a saúde mental, opinam os cientistas. “A conexão pode ser alcançada, mesmo em momentos de distanciamento social, por meio de telefonemas, videoconferência e mídias sociais, ou mesmo a prática da meditação, que direciona emoções positivas para si mesmo e para outros”, detalhou o autor do estudo.
A coerência, segundo os autores explicam no artigo, “é fundada no desejo profundamente humano de fazer sentido e significado ao mundo”. Polizzi assinalou que um ponto de partida para conquistar a coerência é o enfrentamento baseado na aceitação. “Observando nossos medos, ansiedades e respostas emocionais sem julgamento, uma prática comumente conhecida como atenção plena”, frisou o especialista.
A meditação, segundo ele, também é uma forma de exercitar a aceitação, que igualmente pode acontecer nas atividades cotidianas, desde que feitas com total concentração. “Você pode praticar a atenção plena não apenas por meio da meditação e focando na respiração, mas dando a uma atividade, como comer ou caminhar, sua atenção total e sem pressa”, frisou o pesquisador. “Todas essas atividades podem aumentar a capacidade do indivíduos de se recuperar de eventos negativos e liberar recursos mentais para lidar com fatores ‘estressores’ que podem surgir”, completou.
Dados relevantes
Para o psicólogo Vladimir Melo, os cientistas americanos mostram dados importantes e que podem ser valiosos para a saúde mental da população. “A pesquisa faz um levantamento de estratégias individuais e sociais que contribuem para lidar com os sintomas de depressão, ansiedade e estresse. É claro que em casos de maior sofrimento devem ser consideradas avaliações psicológica e psiquiátrica”, observou, acrescentando: “A interconectividade, em especial, é um aspecto fundamental das estratégias, pois a perda do contato físico prejudica as trocas afetivas. Também é fundamental a reflexão, que permita tecer narrativas que auxiliem a compreender melhor o significado deste momento para a história pessoal e coletiva.”Segundo o psicólogo, atividades que estimulam a atenção plena são grandes aliadas no enfrentamento da pandemia. “São práticas que podem ser incorporadas à rotina das pessoas, com a facilidade de serem realizadas em qualquer lugar e a qualquer hora. Contudo, as estratégias de enfrentamento podem não ter o mesmo resultado para todas as pessoas e, por isso, devem ser avaliadas para cada caso”, opinou.
Thiago Blanco, psiquiatra e professor do curso de medicina da Escola Superior de Ciências da Saúde, em Brasília, também considerou os dados positivos e importantes para enfrentar o período de quarentena. “A meditação mindfulness, conhecida também como meditação de atenção plena, é também a mais usada, e já se mostrou muito eficaz no tratamento da ansiedade e em outras questões relacionadas. Ela faz com que o indivíduo olhe para o presente sem julgar, apenas acolhendo o que se vivencia. Ajuda na autocompaixão e na aceitação de qualquer situação que se vive, pontos essenciais neste momento”, detalhou .
Avaliações
No futuro, a pandemia da covid-19 dará origem a muitas pesquisas comportamentais, que podem também ser usadas como ferramenta de auxílio para pessoas que sofrerem traumas de qualquer tipo. Por isso, os autores do estudo publicado planejam avaliar se e como as medidas de enfrentamento apresentadas por eles agora tiveram efeito.“É importante testar as estratégias que propusemos em nosso artigo para ver se as pessoas conseguiram reduzir o sofrimento durante a pandemia, além de identificar técnicas adicionais que as pessoas usaram para lidar com o estresse e melhorar as recomendações de enfrentamento durante futuros traumas em massa”, disse Polizzi.
Para Vladimir Melo, entender melhor o efeito de traumas coletivos é algo importante para a área médica e para a sociedade, principalmente no Brasil. “Os brasileiros ainda precisam melhorar muito a forma de lidar com catástrofes, pois não passaram por guerras recentes nem sofrem com grandes fenômenos da natureza. Recentemente, tivemos Mariana e Brumadinho, mas acredito que ainda se faz pouco, e em tempo hábil, para compreender e intervir de maneira eficiente nesses casos”, opinou.
Na avaliação do psicólogo, o momento atual é uma oportunidade de intensificar as trocas de conhecimento e gerar uma especialização nesse tipo de situação. “O mundo inteiro tem se mobilizado para produzir respostas e aperfeiçoar suas ferramentas de assistência à população. Com a saúde mental não é diferente”, concluiu.