Conseguir manter a saúde mental durante a pandemia é um grande desafio. Especialistas indicam uma série de estratégias para essa tarefa, como realizar exercícios físicos frequentemente e ter uma rotina organizada. Outra medida que pode ajudar o equilíbrio psicológico no período de isolamento é manter-se bem informado, segundo um estudo americano. Os pesquisadores analisaram o comportamento de um grupo de pessoas que vivem na China, país em que a covid-19 surgiu, e observaram melhoras de humor expressivas naquelas que acompanhavam notícias sobre a doença. As descobertas foram apresentadas na revista especializada Psychiatry Research.
O estudo comportamental durou do início do surto até o auge da pandemia na China. Os pesquisadores analisaram mais de 14 mil pessoas, espalhadas em 32 províncias, que responderam a questionários sobre rotina diária e saúde mental. “Os participantes indicaram se sorriam ou riam muito e se sentiam muito prazer, felicidade, raiva, tristeza, estresse e preocupação”, ilustra, em comunicado, Haiyang Yang, um dos autores do estudo e professor-assistente da Johns Hopkins Carey Business School, nos Estados Unidos.
Com as respostas, os pesquisadores observaram uma grande impacto na saúde mental da população durante as primeiras semanas do surto da doença. “Nas análises, constatamos que o início desse período pandêmico levou a uma queda de 74% no bem-estar emocional geral dos analisados”, conta o autor do estudo. “Os fatores que acentuaram o declínio incluíram residir próximo ao epicentro de um surto, ser membro de um grupo vulnerável, como os idosos, e lidar com problemas de relacionamento, como o casamento”, detalha.
Apesar desses dados negativos, os pesquisadores observaram um ponto bastante positivo nas análises. Os participantes que se consideravam conhecedores do vírus — independentemente da quantidade real de conhecimento sobre ele — experimentaram mais felicidade durante o surto do que aqueles que admitiam não ter informações suficientes sobre a crise sanitária.
Sensação de controle
Os cientistas acreditam que esse efeito benéfico ao humor se deu devido a uma sensação de controle proporcionada pelo acompanhamento de notícias. “Essa percepção de ter mais conhecimento foi associada a um maior senso de controle, que ajudou a proteger o bem-estar emocional dos indivíduos. As percepções das pessoas sobre elas próprias costumam ser mais potentes em influenciar o bem-estar emocional”, explica Yang.
A psicóloga Michelle Nunes também acredita que o senso de controle provocado pelo acompanhamento de notícias pode ter contribuído para ganhos na saúde mental dos voluntários. “Fatores que aumentam essa sensação podem aliviar o efeito prejudicial de um surto epidêmico no bem-estar emocional, ou seja, quanto mais conhecimento sobre a ameaça, melhor você pode se proteger”, afirma.
A especialista brasileira explica que essa condição permite aos indivíduos se comportarem de modo flexível, controlarem o temperamento e o impulso ao agir. “Também conseguimos analisar melhor o contexto, identificando as consequências nas decisões, interpretando as situações de forma correta, planejando soluções e analisando as razões e motivos”, complementa.
Olavo Sant Anna Filho, psicólogo clínico com experiência em emergências e desastres e conselheiro nacional da Cruz Vermelha no Brasil, destaca que os dados do estudo entram em concordância com a prática de especialistas em saúde mental. “A informação como algo benéfico para enfrentar traumas é algo que já sabemos, mas apenas agora temos dados relacionados a uma pandemia. Isso não foi possível anteriormente porque o único caso semelhante foi a gripe espanhola. Naquela época, porém, não havia a preocupação com a saúde mental”, detalha.
Para o psicólogo, a sensação de controle proporcionada pelo consumo de informações impacta em uma das necessidades básicas da sobrevivência humana e, consequentemente, na saúde mental. “O que precisamos basicamente para viver é alimentação, moradia e segurança. Se você diz a uma pessoa que ela precisa passar álcool em gel nas mãos para se manter saudável, por exemplo, ela sabe que tem uma informação que pode ajudá-la a sobreviver, e ela terá a segurança de que precisa”, ilustra.
Olavo Sant Anna Filho acredita que a atual crise levará a pessoas a se preocuparem mais com a saúde mental. “As autoridades definiram que, até 2030, precisamos dar mais foco à saúde mental (leia Para saber mais), que sempre foi negligenciada. Geralmente, as pessoas dão mais valor à saúde física, porque podemos vê-la facilmente, diferentemente das feridas invisíveis. Acredito que, com essa pandemia, isso já mudou. Nunca vi tantas publicações relacionadas ao tema.”
Vulneráveis
O grupo de pesquisa chama a atenção ainda para os cuidados com as populações mais prejudicadas por esse tipo de crise. “Os recursos para os cuidados de saúde mental devem ser disponibilizados a grupos mais vulneráveis psicologicamente durante uma epidemia. Políticas, programas e intervenções específicos precisam ser desenvolvidos para ajudar a promover relacionamentos familiares positivos durante esses períodos de quarentena”, sugerem.
Michelle Nunes lembra que também é necessário ter cuidado com o conteúdo consumido. “Com mais esclarecimento da situação, as pessoas podem não só mudar comportamentos disfuncionais, como evitar padrões enraizados de pensamentos e crenças que evocam dor e sofrimento na vida”, diz. “Por isso, também é importante estar alerto às falsas notícias e à regularidade das informações que consumimos. Principalmente se as notícias envolvem a saúde, que são muito disseminadas e provocam medo”, alerta.
A psicóloga acredita que um desdobramento do estudo seria analisar a baixa autoestima e a insegurança durante períodos de isolamento social. “A autoestima é a avaliação subjetiva que uma pessoa faz de si mesma, como positiva ou negativa em algum grau. Ela molda padrões de comportamento, agindo de modo a pessoa se sentir segura ou insegura, e esse fenômeno acarreta várias outras sensações que estão ligadas a sensações de bem-estar”, explica.
Para saber mais
Ações detalhadas
A Organização Mundial da Saúde (OMS) tem um Plano de Ação Integral de Saúde Mental com metas a serem seguidas até 2030. O projeto exige mudanças em “atitudes que perpetuam o estigma e a discriminação e que isolaram as pessoas desde os tempos antigos”, destaca a agência das Nações Unidas.
Na inciativa chamada Atlas da Saúde Mental, os principais objetivos do plano de ação são: fortalecer liderança e governança para que as comunidades consigam promover com eficácia a saúde mental, fornecer serviços abrangentes e assistência social para as comunidades, implementar estratégias de promoção e prevenção em saúde mental e fortalecer sistemas que propaguem informação, evidências e pesquisas em saúde mental.
Jovens recorrem às mídias tradicionais
Um estudo realizado por cientistas ingleses mostra que, em função da pandemia, os jovens têm se preocupado mais com o futuro e também com as fontes de notícias que consomem. Com base nos resultados do estudo, publicado no periódico Beatfreeks Youth Trends, os investigadores acreditam que esse comportamento pode ser duradouro e influenciar positivamente essa geração no futuro.
O estudo contou com a participação de 1.535 jovens, com idade entre 16 e 25 anos, entrevistados entre o fim de março e o início de abril. Os resultados mostram que 91% dos entrevistados disseram seguir os conselhos dados pelo governo para evitar a disseminação do coronavírus e que 61% estão preocupados com sua saúde mental durante o período de isolamento.
A maioria dos jovens, 80%, busca notícias não nas mídias sociais, mas em meios de comunicação mais tradicionais, incluindo jornais de renome e portais oficiais do governo. “A pesquisa mostra que eles não se sentem seguros ao navegar no mundo da mídia social de notícias falsas. Muitos jovens estão usando a mídia tradicional — talvez, pela primeira vez, porque eles podem consumi-la com uma certa confiabilidade”, detalha, em comunicado, Andrew Mycock, um dos autores do estudo e pesquisador da Universidade de Huddersfield, no Reino Unido.
Preocupação profissional
Nas respostas dos jovens, também é possível identificar os temas que mais os preocupam. “A maioria avalia bem o isolamento, mas está cada vez mais ansiosa com sua carreira, seu progresso educacional e a direção que a sociedade vai tomar”, detalha Mycock.
Para ele, os dados podem ajudar as autoridades na elaboração de políticas públicas que ajudem na retomada das atividades cotidianas após a pandemia e em formas de inclusão, uma das queixas constatadas no estudo. “Os jovens sentem-se isolados porque os formuladores de políticas não os envolvem ao tomar decisões que têm efeitos profundos sobre a vida deles. Os efeitos disso não se resolverão em um ou dois anos. Pode ser que essa seja a geração cuja vida seja fundamentalmente mudada para sempre.”
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