Ciência e Saúde

Pesquisadores afirmam que pets não se infectam e nem transmitem Covid-19

Pesquisadores brasileiros contestam informações de que animais domésticos transmitem Covid-19. De acordo com eles, os poucos casos de RNA do Sars-CoV-2 identificados em cães e gatos não significam infecção e, muito menos, possibilidade de contágio em humanos

Correio Braziliense
postado em 03/05/2020 06:00
Pesquisadores brasileiros contestam informações de que animais domésticos transmitem Covid-19. De acordo com eles, os poucos casos de RNA do Sars-CoV-2 identificados em cães e gatos não significam infecção e, muito menos, possibilidade de contágio em humanosEm meio a tantas incertezas e angústias provocadas pela pandemia de Covid-19, tutores de animais de estimação têm uma preocupação a mais: a possível infecção e transmissão do vírus pelos pets. Alguns casos de Sars-CoV-2 positivo em gatos e cães acenderam o alerta, assim como estudos que sugeriram o potencial das mascotes adoecerem e passarem a enfermidade para humanos. Contudo, um grupo de 13 pesquisadores brasileiros do Laboratório de Etologia Canina (Leca) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesf) tranquiliza os tutores.

Os especialistas de áreas diversas, como biologia, veterinária e zoonoses, produziram um documento endossado por mais de 60 cientistas, afirmando que nada indica que os pets desenvolvam sintomas de Covid-19 ou que transmitam o vírus a humanos. Para elaborar o texto, divulgado na plataforma Research Gate, os pesquisadores fizeram uma revisão dos poucos estudos que foram publicados sobre a relação da Covid e pets, considerando as metodologias aplicadas. Também se basearam no conhecimento já estabelecido sobre as zoonoses, ou seja, as doenças transmitidas por animais a humanos. De acordo com o grupo, a literatura científica é insuficiente para afirmar a suscetibilidade de cães e gatos à infecção pelo novo coronavírus e, menos ainda, segundo os especialistas do Leca, estabelecer um potencial de transmissão do vírus para os tutores.

O primeiro caso de um animal infectado surgiu em Hong Kong, em fevereiro. Um cão testou positivo para o Sars-CoV-2. Segundo o Departamento de Agricultura, Pesca e Conservação da cidade, o animal, de 17 anos, apresentava baixos níveis de contágio; ou seja, o vírus estava presente no organismo, mas em uma quantidade pouco significativa. O cachorro morreu, mas as autoridades sanitárias locais afirmaram que a idade avançada e a separação do tutor — diagnosticado com Covid-19 — podem ter contribuído para o óbito.
 
Contaminação ambiental

Até agora, além desse, há relatos de Sars-CoV-2 em quatro gatos (um em Hong Kong, um na Bélgica e dois nos Estados Unidos) e dois cães (mais um em Hong Kong e outro nos EUA). Todos os animais são de pacientes com Covid-19 ou tiveram contato próximo com doentes. “Possivelmente, esse resultado é reflexo da contaminação ambiental que uma residência com uma pessoa com Covid-19 pode ter”, diz a veterinária Aline Santana da Hora, pesquisadora da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e doutora em epidemiologia experimental aplicada a zoonoses. De acordo com a docente da instituição, os animais domésticos são, de fato, acometidos por vários coronavírus. “A maioria das infecções é assintomática. Além disso, os coronavírus que são próprios de animais domésticos não causam doença em humanos”, ressalta.

A bióloga Natalia de Souza Albuquerque, doutora em comportamento animal e pós-doutoranda do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), destaca que, embora o vírus tenha sido detectado nesses animais — e em um tigre do Zoológico do Bronx, em Nova York —, a presença do micro-organismo não indica doença. “Foi detectado o vírus nesses animais, mas não se fala, ainda, do desenvolvimento da Covid-19. Uma coisa é encontrar o vírus, que não necessariamente está ativo ou infectante. Outra coisa é desenvolver a doença”, esclarece.

No início de abril, pesquisadores coordenados pela Academia de Ciência Agrícola da China pesquisaram o primeiro artigo científico em uma revista renomada, a Science, relatando o potencial do Sars-CoV-2 de infectar animais e destes, por sua vez, contaminar outros da espécie. Apesar de a pesquisa não ter testado se os pets transmitiam o vírus para humanos, o último parágrafo do artigo gerou controvérsia no meio científico. “A vigilância de Sars-CoV-2 em gatos deve ser considerada como um complemento para a eliminação Covid-19 em humanos”, escreveram os autores. Depois disso, organizações de defesa animal de várias partes do mundo começaram a relatar aumento de abandono e de eutanásia de gatos.


Metodologia

O principal problema com esse estudo, segundo os pesquisadores do Leca, é a metodologia. Os autores aplicaram alta dosagem de Sars-CoV-2 no nariz de cinco gatos e os colocaram ao lado da gaiola de outros três animais, que não tinham contato prévio com o vírus. Os felinos do primeiro grupo testaram positivo para o micro-organismo, e em um do segundo grupo, o coronavírus foi detectado. O experimento foi refeito, com resultado semelhante. Cachorros, por sua vez, demonstraram baixa suscetibilidade à infecção e transmissão. O estudo não passou por uma fase que se chama revisão pelos pares: antes de ser publicado, um artigo científico precisa passar pela avaliação de especialistas da área.

A grande repercussão do artigo em redes sociais e sites de notícias levou a veterinária Aline Santana da Hora a elaborar um texto, em parceria com Paulo Eduardo Brandão, do Laboratório de Zoonoses Virais da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP, apontando as falhas do estudo chinês. “Não foram apresentados dados laboratoriais que comprovassem a saúde geral dos gatos utilizados no experimento, assim como o status desses gatos para as principais viroses felinas que poderiam contribuir para um quadro de imunossupressão e consequente interferência nos resultados da inoculação experimental”, apontam.

Além disso, Hora e Brandão afirmam que os exames realizados (RT-PCR e histologia) para comprovar que os gatos foram infectados são insuficientes. “Cabe ressaltar que nenhum dos animais apresentou sinal clínico após a inoculação experimental. Nem ao menos foi identificada lesão tecidual ou material genético de Sars-CoV-2 em pulmões, fato que é bastante intrigante, já que Sars-CoV-2 causa lesões graves em tecido pulmonar de humanos.”

“A velocidade da pandemia vem pressionando a ciência por respostas rápidas, o que aumenta o risco de serem apresentados estudos com base em pequenas amostras, sem o rigor metodológico necessário e, consequentemente, com resultados inconclusivos e de baixa confiabilidade”, lamenta Carine Savalli, professora-associada do Departamento de Políticas Públicas e Saúde Coletiva da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coordenadora do Leca. “A ciência tem seu tempo para propor e testar hipóteses, refletir sobre os resultados, propor mais estudos, replicá-los em diferentes contextos, e somente com um grande volume de informações acumuladas e evidências muito claras é que se consegue chegar a conclusões mais seguras, que podem continuamente serem confrontadas e atualizadas”, afirma.

Segundo a pesquisadora, “uma ciência acelerada pode descuidar de controles importantes e sugerir conclusões imprecisas ou equivocadas, que no mundo de hoje, tão conectado, pode causar um impacto rápido e muito negativo nas pessoas”.


Cuidados

A servidora pública Sueli Assis, 38 anos, critica o excesso de informações imprecisas sobre a relação de animais com Covid-19. “Na minha opinião, é muito precoce dizer que os animais domésticos podem pegar ou transmitir a Covid-19. Tudo que está acontecendo é muito novo para todos, o que pode gerar desinformação e medo”, diz.

A tutora da yorkshire Nina afirma que ela e o marido tomam cuidados diários coma cachorrinha. “Durante os passeios, usamos sapatinhos para evitar contato com o chão. Evitamos contatos físicos com outros tutores. Após os passeios, os sapatos são higienizados com água sanitária, a guia e peitoral lavados com sabão, focinho, rostinho são limpos com produtos pet.”

As precauções são acertadas, de acordo com a bióloga Natalia de Souza Albuquerque. “Uma grande preocupação é os animais carregarem o vírus ao saírem para passear e levá-lo para dentro de casa. Essa é uma real preocupação. O Sars-CoV-2 humano é extremamente transmissível, principalmente porque fica nas superfícies e se mantém ativo nelas. Então, do mesmo jeito que a gente pode carregar o vírus no nosso celular, o micro-organismo pode aderir ao pelo do animal ou mesmo no focinho, se ele tiver contato com alguma superfície que esteja contaminada.”


Suporte emocional

Longe de serem um perigo, os pets podem ajudar os tutores a enfrentar a pandemia, diz Carine Savalli. “O suporte social e emocional que os animais de estimação proporcionam às pessoas ganha uma importância ainda maior no momento em que vivemos. Muitos estudos científicos — e, nesse caso, há evidências acumuladas para falar sobre o tema — indicam que a convivência com um animal de estimação pode promover bem-estar ao ser humano com relação a vários aspectos: fisiológicos, físicos, psicológicos e sociais. O convívio e a relação afetiva com os animais de estimação podem ajudar as pessoas a manterem o equilíbrio emocional.”

Sueli Assis conta que Nina tem sido uma companheira inseparável. “Nina é minha companheira no home office, sempre do meu lado, dando carinho. Brinco com meu esposo que, se não fosse a presença dela, com certeza teria muitos problemas de ansiedade nesse isolamento social. Nos dias de mais angústia, basta chamá-la para brincar que a energia da casa se transforma.”

O mesmo acontece com a empresária do ramo pet Domitila Barroso, 36 anos. “Graças a Deus, tenho o Fubá”, diz, sobre o dachshund do qual é tutora. “Não só ele. Meus hóspedes caninos estão me ajudando muito. É um trabalho que amo e, nessa época de crise, estar com a casa cheia de pet está sendo um conforto para mim.”
 
 
 
 
 
 


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