A velocidade de propagação do Sars-Cov-2 e os impactos dele no corpo humano têm despertado dúvidas quanto à forma como o coronavírus se comporta em animais. Para decifrar essa questão, especialistas realizaram uma série de análises em bichos de pequeno porte. Os resultados do trabalho, divulgados na edição desta semana da revista Science, mostram que o patógeno se replica pouco em cães, porcos, galinhas e patos, e sua propagação é mais eficiente em furões e gatos. Para os autores, a descoberta, além de aprofundar o entendimento sobre como age esse novo micro-organismo, poderá ajudar pesquisas de medicamentos e vacinas contra a Covid-19. Especialistas, porém, ponderam que o estudo é muito incipiente, não comprova a infecção dos animais nem que eles transmitem o micro-organismo para seus tutores.
A equipe optou por avaliar a suscetibilidade de diferentes animais, de laboratório e domésticos, ao novo coronavírus, considerando que o patógeno ainda é uma incógnita para a ciência. “A situação atual levanta muitas questões urgentes. Os vírus amplamente disseminados poderiam transmitir a outras espécies animais que, então, se tornariam reservatórios de infecção? Como o vírus se comporta em outros animais?”, ilustraram os autores, liderados por Jianzhong Shi, pesquisador da Academia Chinesa de Ciências Agrícolas.
Os experimentos foram feitos com furões, cães, gatos, porcos, galinhas e patos. Segundo os autores, todas as experiências seguiram os protocolos de bem-estar animal. Os pesquisadores entregaram “isolados virais” às cobaias por via intranasal ou via traqueia (no caso dos furões). Depois, mediram a extensão da replicação do patógeno. Uma das constatações foi a de que o Sars-Cov-2 se multiplica mal na maioria dos bichos, exceto em furões e gatos.
Nesses dois animais, a replicação ocorre no trato respiratório superior, não no pulmão, principalmente nos mais velhos. Já em estudos de transmissão aérea, a equipe detectou que o novo coronavírus é pouco transmissível em furões, diferentemente do que acontece com gatos mais jovens. “O fato de o Sars-Cov-2 se replicar eficientemente no trato respiratório superior dos furões os torna candidatos à avaliação de medicamentos antivirais ou candidatos a vacinas”, frisaram os autores.
Cautela
Especialistas destacam que o estudo deve ser analisado com cuidado para não causar alarde desnecessário. “Apesar das evidências experimentais de sua transmissão em gatos, ainda é muito cedo para afirmar que o gato tenha importância epidemiológica. Há a necessidade de novas observações e experimentos. Esse estudo tem recebido críticas. A carga viral inoculada foi muito alta, o que, talvez, em condições naturais, não aconteça. Além disso, o número de animais estudados foi baixo. É mais provável que o homem infecte os animais do que vice-versa”, justificou Ligia Cantarino, professora da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade de Brasília (UnB).
Fernando Zacchi, médico-veterinário, assessor técnico da Presidência do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), também destaca que os dados obtidos em pesquisas do tipo são preliminares. “Esse estudo, assim como outros feitos até agora, só nos demonstra que precisamos investigar mais. Os pesquisadores analisaram uma quantidade pequena de animais, e em um ambiente controlado, diferentemente do que ocorre no cotidiano. Então, seria muito leviano tomar conclusões”, frisou. “É importante tomar esse cuidado. Caso contrário, fica igual ao caso da cloroquina, que também precisa de mais comprovações”, comparou.
A Faculdade de Medicina Veterinária do Chile (Colmevet) divulgou um comunicado em que pede que o estudo publicado na revista Science seja interpretado com cautela, considerando principalmente que vários especialistas em nível internacional apontaram que a pesquisa não verificou diretamente que os gatos estão infectados e são capazes de transmitir o vírus às pessoas. Dessa forma, defende o texto, são necessários mais estudos para aprofundar a descoberta.
Fernando Zacchi enfatiza que as orientações que devem ser seguidas são as da Organização Mundial da Saúde (OMS). “O que sabemos hoje é que não existem indícios claros de transmissão de animais para os homens, porém medidas de precaução nunca são demais. A OMS orienta cuidados de higiene com os animais também, como tomar cuidado ao retornar com eles para casa, evitando a entrada de sujeira”, ilustrou.