Por ora, foram identificados distúrbios gastrointestinais, oftalmológicos e nos sentidos do olfato e do paladar. Pesquisadores e médicos, porém, recomendam tranquilidade a quem apresentar esses sinais, que são manifestações muito mais leves de que as respiratórias.
Essas descobertas têm sido feitas com base no histórico dos pacientes e estão ajudando a montar o quebra-cabeça do vírus. É importante ressaltar que nem todos os infectados pelo Sars-Cov-2 apresentarão esses sinais — na realidade, até agora, o que se viu é que a minoria tem sintomas diferentes dos clássicos. Mas como em alguns casos eles surgirão antes de tosse, febre, dor no corpo e congestão nasal, os especialistas pedem que, ao identificar algum deles, a pessoa fique em casa, para não correr o risco de estar contaminada e disseminar o vírus.
No início de março, duas pesquisas publicadas na revista Gastroenterology por cientistas chineses detectaram o RNA do Sars-Cov-2 em amostras de fezes de pacientes com coronavírus. Os pesquisadores de Wuhan, epicentro da epidemia na China, observaram que, dos 73 pacientes hospitalizados com a infecção viral, 53,42% testaram positivo para o genoma do micro-organismo nas fezes.
De acordo com os pesquisadores, uma endoscopia realizada em um dos pacientes confirmou a presença do receptor ECA2 nas células epiteliais gastrointestinais. Essas estruturas são usadas pelo coronavírus para entrar nas células humanas e, assim, dar início ao processo de replicação e infecção.
Um outro estudo, publicado no Journal of American Medical Association por pesquisadores da Universidade de Wuhan, indicou que 10% de 138 pacientes internados com Covid-19 apresentaram sintomas gastrointestinais antes que os respiratórios se manifestassem.
O mecanismo exato dos sintomas gastrointestinais não está esclarecido, mas há algumas hipóteses para tentar explicá-lo. “Nos estudos, o receptor ECA2 mostrou-se altamente expresso nos pulmões e no trato gastrointestinal, especialmente no intestino delgado e grosso. Isso sugere que o Sars-Cov-2 pode infectar e se replicar ativamente no sistema gastrointestinal”, afirma a gastroenterologista e hepatologista Daniela Louro, da Gastrocentro DF. De acordo com a médica, pacientes que expressam mais esses receptores no trato gastrointestinal são os que, provavelmente, apresentarão diarreia, dor abdominal e náusea, quando infectados pelo vírus.
Nos artigos publicados na revista Gastroenterology, os autores alertam que alguns pacientes ainda tinham o vírus nas fezes, mesmo depois de estarem livres dos sintomas respiratórios. Por isso, eles recomendam higienização redobrada de sanitários e banheiros públicos. “A prevenção da transmissão fecal-oral deve ser levada em consideração para prevenir o espalhamento do vírus”, escreveram.
Recuperação gradual
Outros artigos científicos sugerem que a Covid-19 também pode causar anosmia (perda olfativa) e disgeusia (perda do paladar). Uma pesquisa com 59 pessoas na Itália constatou que 20 pacientes, ou cerca de 34%, relataram pelo menos um distúrbio do olfato ou paladar e 19% apresentaram os dois. Uma estudo semelhante com 100 pacientes atendidos no Hospital Universitário de Bonn, na Alemanha, descobriu que dois terços deles observaram perda de olfato ou paladar que durou vários dias. Já um trabalho sul-coreano envolvendo 2 mil pacientes com infecção leve pelo coronavírus relatou que 15% deles apresentaram algum grau de perda de olfato.Na Bélgica, otorrinolaringologistas da Universidade de Mons fizeram uma pesquisa com 417 pacientes infectados, mas que não estavam graves, e descobriram que 86% apresentavam problemas com o olfato e 88% não tinham mais paladar. De acordo com os pesquisadores, esses sintomas, no geral, aparecem ao mesmo tempo que os sinais clássicos de Covid-19. Às vezes, porém, a perda do olfato ou do paladar ocorre após esses outros sintomas (23% dos casos) ou antes (12%).
O estudo belga também mostrou que quase metade dos indivíduos (44%) recupera o olfato em um período de duas semanas. “Os outros pacientes devem manter a esperança de recuperar o olfato em 12 meses. A recuperação é um processo lento”, diz Jérôme Lechie, um dos autores do estudo. Já o paladar pode voltar antes, depois ou ao mesmo tempo que o olfato, informa.
Inflamações
Os pesquisadores não acreditam que as alterações estejam associadas a danos no sistema nervoso central. Para eles, é mais provável que o Sars-Cov-2 provoque uma inflamação local, comprometendo a função do olfato. “É possível que o vírus se ligue a uma membrana mucosa no nariz e obstrua a função do nervo olfativo”, diz Lechie. Ele explica que os odores são detectados pelos neurônios sensoriais no epitélio olfativo, na parte posterior do nariz, e transmitidos por um sinal elétrico ao bulbo olfativo localizado na frente do cérebro. Nos seres humanos, os sentidos do olfato e do paladar estão relacionados porque usam os mesmos tipos de receptores.Mais recentemente, outro sintoma fora do comum foi associado à Covid-19: conjuntivite. Um estudo publicado no Journal of Virology analisou 30 pacientes na China e encontrou um com a inflamação, enquanto todos os demais apresentavam o vírus nas secreções oculares.
Outro estudo, divulgado no New England Journal of Medicine, descreveu que nove de 1.099 pacientes que testaram positivo para Covid-19 em um laboratório tinham conjuntivite. Os olhos também podem ser uma porta de entrada para o coronavírus, assim como o nariz e a boca. Contudo, essas descobertas são preliminares, e os autores do artigo do New England destacaram que a conjuntivite é um sintoma raro, em comparação aos clássicos associados à Covid-19.
O oftalmologista Tiago Ribeiro, do Visão Hospital de Olhos, destaca que pessoas com sintoma de conjuntivite não devem se alarmar. “A primeira coisa é não entrar em pânico porque a probabilidade de que, isolado, um olho vermelho, uma coceira e uma conjuntivite ser característica de Covid-19 é muito baixa. Existe essa possibilidade? Existe, mas estamos falando de algo muito remoto. Então, não tem necessidade de a pessoa se preocupar com isso. O que ela deve fazer é perceber se tem dor ou baixa de visão associada e procurar a emergência oftalmológica. Se é uma coceira ou uma vermelhidão, pode observar e entrar em contato com um médico por telemedicina, que já é algo disponível”, diz.
Três perguntas para
Alexandre Cunha, vice-presidente da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal
Com a evolução da epidemia, é possível que se descubram outros sintomas, além dos clássicos?
Sim. Não só é possível, como já há, na literatura, descrição de lesões cutâneas, manifestações abdominais e até sintomas neurológicos que, mesmo raros, já foram descritos. A maioria dos vírus, embora tenha predileção por um órgão ou um sistema, pode afetar outros órgãos em uma frequência menor. Isso só vai ser esclarecido com a evolução da epidemia.
O que uma pessoa que apresenta algum desses sintomas deve fazer?
A despeito de apresentações atípicas poderem ocorrer até com alguma frequência em um grande número de casos, elas não devem ser motivo para o paciente procurar os serviços de saúde, assim como as manifestações típicas dos casos leves. As recomendações são que os pacientes procurem atendimento médico principalmente em hospitais quando houver agravamento do quadro respiratório, que é o grande problema da Covid-19. Dos pacientes que vieram a óbito, quase todos tiveram agravamento do quadro respiratório e, depois, se associaram a outras complicações. O simples aparecimento de uma conjuntivite, de manchas na pele ou de desconforto gastrointestinal ou fadiga, sem falta de ar, não é indicação de atendimento médico-hospitalar. Esses pacientes devem observar o quadro em regime domiciliar e só procurar atendimento médico no caso do agravamento dos sintomas.
É comum que vírus, em geral, causem diferentes manifestações?
É bastante comum que vírus diferentes causem várias manifestações. O vírus da mononucleose, por exemplo, pode causar manifestações típicas, como dor de garganta, gânglios no pescoço e febre alta, mas pode apresentar quadros de hepatite com coloração amarela, prurido, náuseas e diarreia. Os próprios vírus da dengue e da gripe podem causar manifestações neurológicas, embora esses quadros não sejam os mais comuns. O importante, no caso do coronavírus, é prestar a atenção no quadro respiratório.
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