Ciência e Saúde

Cientistas tentam desvendar a linha do tempo do sistema imune

Cientistas mapeiam como funciona, nos diferentes estágios da vida, a glândula responsável pela geração de células de defesa do corpo humano. Trabalho poderá ajudar no desenvolvimento de terapias para doenças diversas, como cânceres e males autoimunes

Correio Braziliense
postado em 21/02/2020 06:00
ilustração de dadosO sistema imune pode ser definido como um escudo do corpo. Sua ação protetiva é a chave para o tratamento de uma série de doenças, já possíveis falhas em seu funcionamento podem ser a causa de algumas enfermidades. Devido a sua importância e complexidade, pesquisadores tentam entender melhor como essa estrutura funciona. Com esse objetivo, cientistas internacionais realizaram um mapeamento genético do timo — glândula que produz os linfócitos, uma das células que protegem o corpo. Com as informações obtidas no estudo publicado na última edição da revista Science, eles acreditam que futuramente será possível desenvolver novas terapias imunológicas para o tratamento do câncer e outras enfermidades.

A glândula timo está localizada no peito e produz células-T, que combatem infecções e doenças. Essas células deixam o timo para entrar no sangue e outras partes do corpo, onde amadurecem ainda mais. O timo difere de outras estruturas do organismo humano porque é maior e mais ativo na infância, diminuindo, aos poucos, após a puberdade. “Ele é chamado de marca-passo da vida. Aos 35 anos, praticamente desaparece. Compreender como o timo se desenvolve e depois se desliga pode nos ajudar a entender o envelhecimento e como o sistema imunológico muda ao longo da vida”, frisa Jongeun Park, pesquisador do Instituto Wellcome Sanger, no Reino Unido, e um dos autores do estudo.

Os pesquisadores usaram o sequenciamento de RNA de célula única para analisar cerca de 200 mil células do timo em todos os estágios de vida: infância, desenvolvimento e vida adulta. Os resultados revelaram a complexidade dos tipos de células no timo e uma ampla variedade de interações que coordenam e suportam a diferenciação das células-T. Usando os dados, os autores foram capazes de desenvolver modelos que mostram como os linfócitos com funções imunes diferentes e específicas se desenvolvem.

“Com esse atlas de células do timo, estamos desvendando os sinais celulares dessa glândula durante seu desenvolvimento e revelando quais genes precisam ser ativados para converter células precursoras imunes precoces em células-T, ou seja, como podemos fazer para que essas estruturas se desenvolvam com sucesso”, ressalta Jongeun Park.

Os autores do estudo explicam que problemas ocorridos durante o amadurecimento do timo podem gerar problemas sérios, o que faz com que a descoberta tenha ainda mais importância. “Complicações no desenvolvimento do timo causam geração defeituosa de células-T. Isso pode resultar em deficiências imunológicas graves, como a imunodeficiência combinada grave (SCID, em inglês), deixando as pessoas suscetíveis a infecções”, ilustra Park.

Para os cientistas, o atlas desenvolvido com as informações do desenvolvimento do timo também pode ser usado na criação, em laboratório, de células protetivas. “Esse mapa do timo é uma parte importante da missão do Atlas Celular Humano, um projeto em que estamos mapeando todos os tipos de células do ser humano. Ele está nos ajudando a aprender sobre as vias de desenvolvimento do corpo e o declínio do sistema imunológico associado à idade. Isso tem aplicações na engenharia celular, incluindo a possibilidade de criar um timo artificial para a medicina regenerativa”, diz Sarah Teichmann, também pesquisadora do Instituto Wellcome Sanger e uma das autoras do estudo.

“Agora, temos uma compreensão muito detalhada de como as células-T se formam em tecidos saudáveis, o que nos ajuda a montar peças do quebra-cabeças para obter uma imagem maior de como a imunidade se desenvolve”, completa Tom Taghon, pesquisador da Universidade de Ghent, na Bélgica, e também autor do estudo.

Outra vantagem apontada pela equipe é o desenvolvimento de terapias mais eficazes para doenças como o câncer. “Isso é realmente empolgante, pois no futuro esse atlas poderá ser usado como um mapa de referência para projetar células-T fora do corpo com todas propriedades certas para atacar e matar um câncer específico, gerando tratamentos personalizados para tumores” detalha Muzlifah Haniffa, pesquisador da Universidade de Newcastle, na Austrália, e um dos autores da pesquisa.

Mais estudos

Ekaterini Simões Goudouris, diretora da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI), também acredita que os dados podem servir para gerar tratamentos, mas ressalta que, para isso, o estudo precisa revelar mais informações sobre a formação das células-T. “Temos estudos que já tentaram entender como funciona o timo, mas eles foram feitos apenas em animais. Nesse, as análises são feitas com células humanas e, por isso, mostram dados mais maduros. Porém, ainda não foram desvendadas informações extremamente valiosas, como a forma como essa glândula seleciona as células-T do corpo”, explica a especialista brasileira.

Segundo Goudoris, existem células imunes que são mais ativas, e elas são as responsáveis pelas doenças autoimunes. “Isso já sabemos, que essas enfermidades são causadas por células que são mais reativas. Mas a forma como o timo as seleciona é que é a chave para combatê-las”, completa a médica. A imunologista acredita que essa e outras questões podem ser respondidas com a evolução do estudo internacional. “Ao entender como essas células estão sendo produzidas, selecionadas e como agem, existe a possibilidade de projetá-las para atacar determinado tipo de tumor e fazer um tratamento que seja mais eficaz e menos doloroso que a quimioterapia, por exemplo”, ressalta.

Sem proteção


Essa enfermidade se caracteriza pelo baixo nível ou pela ausência total de células-T. Crianças com esse problema desenvolvem infecções do primeiro ao terceiro mês de vida. Geralmente, o diagnóstico é feito pela contagem das células-T, em um exame chamado de linfopenia. Caso o resultado seja positivo, o paciente precisa ser mantido em um ambiente protegido. O tratamento consiste no transplante de células-tronco hematopoiéticas.

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