A inteligência artificial (AI) tem sido umas das principais apostas de cientistas para combater cânceres. Uma das áreas mais promissoras é o uso de softwares avançados para ajudar no diagnóstico precoce de tumores, condição considerada estratégica para o enfrentamento da doença. Pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) trabalham em um projeto que segue essa lógica para detectar câncer de pele. Testes iniciais mostram que o computador consegue apontar indícios de malignidade em partes do corpo onde médicos especialistas ainda não haviam identificado.
A técnica sofisticada utiliza redes neurais artificiais e tem 86% de índice de acerto no diagnóstico do melanoma, ante 67% de precisão na avaliação feita pelos médicos. Em imagens em que a parte central da lesão é coberta e analisa-se apenas a área ao redor, o algoritmo acertou 71% dos diagnósticos. “Queremos investigar agora o que explica esse resultado, quais são os vieses desses algoritmos. Queremos entender se há algo na imagem que nós, humanos, não estamos prestando atenção e que a máquina consegue enxergar um padrão”, explica Sandra Ávila, professora do Instituto de Computação da Unicamp e uma das pesquisadoras do projeto.
O melanoma é o tipo menos comum de câncer de pele — representa 3% das neoplasias malignas do órgão, segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca). No entanto, é o mais agressivo e letal — responde por 43,5% das mortes por esse tipo de tumor. Em 2018, foram 1.775 vítimas da doença, de acordo com o Ministério da Saúde. Sandra Ávila destaca que a descoberta precoce da doença tem potencial para mudar esses números. “Se o câncer de pele é detectado precocemente, as chances de cura são de mais de 90%. Se o diagnóstico demora, cai para 14%”, explica.
Busca por padrões
As redes neurais artificiais são modelos computacionais inspirados na estrutura dos neurônios dos humanos. Por meio de treinamento, elas conseguem aprender, entre outras coisas, a identificar padrões. Os cientistas da Unicamp ensinaram o computador a detectar o câncer de pele e a criar imagens que “imitam” fotos reais do melanoma, o que poderá ajudar no melhoramento do algoritmo. Isso porque, para que a máquina aprenda a identificar padrões de malignidade, ela precisa ser treinada com um grande número de imagens de diferentes tipos de lesões.
É dessa forma que ela identifica quais características diferem o melanoma de outros tipos de tumores malignos e benignos. No entanto, não existe um grande banco de imagens de melanomas, o que limita o aprendizado da máquina. “Quando começamos a pesquisa, usávamos um banco de dados internacional com 2 mil imagens, o que é pouco. Ao treinarmos as redes neurais a produzirem imagens sintéticas, podemos gerar um número infinito de fotos”, afirma Sandra Ávila.
Elimar Gomes, coordenador do grupo de Dermatologia do Centro Oncológico da Beneficência Portuguesa de São Paulo, acredita que a AI e outras técnicas do tipo em desenvolvimento serão um recurso bem-vindo para o combate ao câncer melanoma. O especialista, porém, ressalta que elas não substituirão o trabalho de um profissional capacitado. “O computador geralmente apresenta as probabilidades em porcentagens, mas alguém terá de dar a palavra final e decidir se a lesão será removida ou não”, justifica.
O especialista ressalta ainda que, para o câncer de pele, é necessário garantir que os computadores sejam treinados com imagens precisas e de qualidade. “É preciso apresentar uma diversidade de imagens de acordo com a diversidade da população. Um diagnóstico em uma população branca pode ser diferente do de uma população negra”, explica. “A inteligência artificial veio para ficar e deve ajudar muito, como em casos nos quais o acesso ao médico é mais difícil. Mas não deve ser usada isoladamente. Deve ser complementar ao conhecimento adquirido pelo médico ao longo da carreira.”
Incentivo
A opinião é compartilhada por Berthier Ribeiro-Neto, diretor de Engenharia do Google na América Latina. “A tomada de decisão tem de estar na mão do profissional”, defende. A empresa premia projetos acadêmicos que propõem soluções tecnológicas para problemas do cotidiano. No fim do ano passado, escolheu 25 equipes com essa característica na 7ª edição do Latin America Research Awards (Lara). A equipe da Unicamp foi uma das que ganharam bolsa de incentivo.
Dos vencedores, 15 são brasileiros. Cientistas da Universidade Federal do Rio (UFRJ) também foram reconhecidos por uma solução para a área da saúde. O projeto usa mecanismos de aprendizado de máquina para identificar, em imagens aéreas, terrenos abandonados que possam ser potenciais criadouros do Aedes aegypti, mosquito transmissor de dengue, zika e chicungunha. Também escolhido, um projeto peruano utiliza técnicas de AI para auxiliar no diagnóstico de autismo por meio de expressões faciais e do olhar de crianças com suspeita da síndrome.
“Vemos um aumento de projetos no campo da saúde ao longo dos anos. São duas as principais tendências de utilização da tecnologia nessa área: aplicação de machine learning (aprendizado de máquina) para auxiliar em diagnósticos e no desenvolvimento de soluções tecnológicas para atendimentos a distância”, conta Berthier Ribeiro-Neto. Na última edição de Lara, a empresa recebeu 679 inscrições de projetos acadêmicos. Representantes de cinco países foram premiados.