Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Com novo estudo, cientistas avançam em vacina contra o zika vírus

Aplicada em macacos fêmeas, fórmula reduz a quantidade do micro-organismo nas cobaias infectadas e impede que ele seja transmitido aos fetos. A abordagem poderá evitar complicações gestacionais em humanos, como a microcefalia

[FOTO1]Um dos maiores problemas desencadeados pelo zika é a microcefalia ; a má-formação do cérebro em bebês. Para evitar que ela ocorra, pesquisadores dos Estados Unidos desenvolvem uma vacina destinada a gestantes. A fórmula foi testada em macacos e mostrou resultados extremamente positivos: reduziu a quantidade de vírus no organismo das cobaias. Os dados foram apresentados na última edição da revista Science Translational Medicine.

O estudo americano é um desdobramento de pesquisas em que os investigadores testaram a mesma vacina também em primatas. Os resultados positivos serviram como incentivo para analisar o efeito da fórmula durante a gravidez. ;A infecção pelo vírus zika em mulheres grávidas está associada a um alto risco de efeitos fetais adversos, incluindo morte fetal, microcefalia e outras anormalidades, coletivamente denominados síndrome congênita do zika. Nenhuma vacina aprovada ainda está disponível;, detalha Koen K. Van Rompay, pesquisador da Universidade da Califórnia e um dos autores do estudo.

A vacina VRC5283 foi aplicada em 18 macacos fêmeas, que foram imunizadas até um ano antes de engravidar. ;O novo estudo foi projetado para imitar um cenário do mundo real, em que as mulheres poderiam ser vacinadas meses ou anos antes de ficarem grávidas;, frisa Van Rompay. Na segunda etapa do experimento, os cientistas administraram cepas de zika nas cobaias durante o primeiro e o segundo trimestres da gravidez, assim como em animais não vacinados (do grupo de controle).

Os resultados mostraram que os macacos vacinados apresentaram menores quantidades de vírus e respostas mais fortes de anticorpos, quando comparados às cobaias do outro grupo. As fêmeas vacinadas tinham menos vírus no sangue e o micro-organismo persistiu nelas por um período mais curto após a exposição. Dois animais que não receberam a VRC5283 perderam o feto no início da gravidez devido à infecção pelo vírus, mas não houve perda precoce do feto no grupo imunizado.

;Nosso estudo mostrou que a vacinação de animais antes da gravidez foi capaz de induzir respostas imunes. Quando os animais engravidavam subsequentemente e foram expostos ao vírus zika, a vacina reduziu a viremia nos macacos adultos e também melhorou os resultados fetais, reduzindo a transmissão transplacentária do vírus;, detalha o autor do estudo.

No fim da gravidez, os pesquisadores também procuraram o vírus zika nos tecidos das mães e dos fetos. Não foi detectado RNA do patógeno em nenhum dos animais do grupo vacinado, sugerindo que a vacina impede a transmissão do vírus ao feto. ;Nosso estudo foi o primeiro a mostrar isso em um modelo de primata não humano e, portanto, nossos achados apoiam o desenvolvimento clínico dessa vacina;, completa Van Rompay.

Testes clínicos

Com base nos resultados positivos, os pesquisadores acreditam que a vacina pode impedir a transmissão também em humanos. Os testes clínicos, com voluntários, começaram a ser feitos em oito países. ;Estamos analisando a segurança, a tolerabilidade e a imunogenicidade dessa e de outras duas candidatas a vacinas;, conta Van Rompay. A equipe ressalta que outras etapas científicas precisam ser vencidas até que a fórmula possa ser comercializada.

Outra etapa em andamento é a análise da capacidade de uso de um anticorpo passivo contra o zika para proteger grávidas em menos tempo. Isso porque se leva algumas semanas para o desenvolvimento de células de defesa após a vacinação. Segundo os pesquisadores, uma transferência passiva de anticorpos poderá ser usada para tratar imediatamente uma grávida que corre o risco de se infectar ou que apresente sintomas de infecção pelo vírus zika.

Os pesquisadores da Universidade da Califórnia também estão analisando como esse micro-organismo afeta o desenvolvimento de jovens macacos. Os especialistas explicam que os macacos rhesus não desenvolvem a mesma má-formação do crânio observada em bebês humanos. Existem deficits de desenvolvimento menos evidentes nos primatas, que, ao serem bem compreendidos, podem ser usados para contribuir na área de pesquisa. ;Acreditamos que possam ter muitos bebês expostos ao vírus zika antes do nascimento que apresentam deficits de desenvolvimento mais sutis, assim como esses animais;, diz Van Rompay.

Promissor

Werciley Júnior, infectologista e chefe da Comissão de Controle de Infecção do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, destaca que o estudo americano mostra dados muito positivos. ;Temos um começo bastante promissor, que dá foco a uma das maiores preocupações em relação ao zika vírus. É uma ótima ideia encontrar uma estratégia de prevenção para ser usada principalmente em mulheres grávidas;, diz o médico.

Para Júnior, o surgimento de uma vacina contra o zika se torna cada vez mais próximo. ;Há projetos que estão chegando perto do sucesso total. Porém, temos que destacar que a vacina ideal precisar ser feita sem o vírus vivo. Caso contrário, muitas pessoas com problemas imunes teriam reações. Uma fórmula sem riscos é necessária para atingir um público mais amplo e, dessa forma, proteger mais gente;, enfatiza o infectologista.