Em pesquisas realizadas em 2015, cientistas constataram o quanto o sarampo é um vírus poderoso. Ele consegue suprimir o sistema imunológico das pessoas infectadas por dois a três anos, as tornando suscetíveis a outras doenças. O efeito foi descoberto por acaso, enquanto os pesquisadores buscavam testar a eficácia de uma nova tecnologia para a análise de vírus diversos. Foram analisadas amostras sanguíneas de 51 crianças não vacinadas antes e depois de um surto de sarampo que atingiu uma comunidade holandesa. A intenção era analisar a eficiência do aparelho VirScan, que consegue identificar todos os vírus que infectam um indivíduo usando apenas uma gota de sangue.
Ao analisar o material, porém, a equipe descobriu que, dois meses após a infecção, o sarampo havia eliminado entre 11% e 73% dos anticorpos anteriormente presentes nas crianças e que ajudavam a evitar outras doenças. ;Foi uma surpresa. Estávamos tentando descobrir como o VirScan trabalhava com sarampo e, então, fizemos essa descoberta. Quando o sarampo atinge (o corpo), os anticorpos simplesmente desaparecem;, conta ao Correio Stephen Elledge, pesquisador do Instituto Médico Howard Hughes, nos Estados Unidos, e autor de estudo divulgado na revista Science. Os pesquisadores repetiram o experimento em quatro macacos ; dessa vez, coletando amostras de sangue antes e até cinco meses após a infecção. Os macacos perderam de 40% a 60% dos anticorpos que os protegiam de outros patógenos.
Genes sequenciados
Na segunda pesquisa, divulgada na Science Immunology, outro grupo de cientistas sequenciou genes de anticorpos de 26 crianças antes e de 40 a 50 dias após a infecção pelo sarampo. A equipe também observou que células específicas de memória imune criadas contra outras doenças e presentes antes do sarampo desapareceram. ;Esse estudo é uma demonstração direta, em seres humanos, de amnésia imunológica, em que o sistema de defesa esquece como responder às infecções encontradas anteriormente. Mostramos que o sarampo causa diretamente a perda de proteção para outras doenças infecciosas;, destaca Velislava Petrova, principal autora do estudo e pesquisadora da Universidade de Cambridge, no Reino Unido.Em uma segunda etapa, Petrova e sua equipe testaram a amnésia imunológica diretamente em furões, mostrando que a infecção por um vírus semelhante ao sarampo reduziu o nível de anticorpos contra a gripe nas cobaias previamente vacinadas contra a gripe. Os furões também apresentaram piores sintomas de gripe após serem acometidos por infecção semelhante ao sarampo.
;Mostramos que vírus semelhantes ao sarampo podem excluir a memória imune da gripe preexistente. Mesmo depois que os furões foram vacinados contra a gripe, o vírus semelhante ao sarampo reduziu os níveis de anticorpos contra a gripe, resultando em animais novamente suscetíveis à infecção e apresentando sintomas mais graves. Isso sinaliza que o sarampo pode reverter os efeitos da vacinação contra outras doenças infecciosas;, detalha Paul Kellam, também autor do artigo e pesquisador do Imperial College de Londres.
Segundo os cientistas, o vírus do sarampo redefine o sistema imunológico para um estado tão imaturo que ele só pode produzir um repertório limitado de anticorpos. ;Pela primeira vez, vemos que o sarampo redefine o sistema imunológico, fazendo com que ele se torne mais parecido com o de um bebê. Em algumas crianças, o efeito é tão forte que é semelhante a receber drogas imunossupressoras poderosas;, ilustra Colin Russell, pesquisador da Universidade de Amsterdã, na Holanda, e autor do trabalho.