Como a genética e os comportamentos relacionados ao autismo são muito variados e complexos, encontrar um vínculo consistente entre todos esses componentes é um desafio. Até o momento, a grande variedade de sintomas tem sido atribuída à atividade neuronal disfuncional. Mas, segundo os cientistas, essa visão é incompleta. Avaliando a reatividade excessiva ao toque, a equipe partiu da informação de que os primeiros passos na percepção do toque ocorrem nos neurônios somatossensoriais periféricos, que recebem informações de todo o corpo. Dessa forma, a equipe começou a explorar a função neurossensorial desses elementos.
Para isso, provocou, em neurônios somatossensoriais periféricos de camundongos, três mutações relacionadas ao autismo ; Mecp2, Gabrb3 e Shank3. Surgiram, então, sintomas do transtorno nas cobaias, como prejuízos sociais e comportamentos semelhantes à ansiedade. ;Inicialmente, ficamos bastante surpresos ao descobrir que a disfunção dos neurônios sensoriais periféricos contribui para comportamentos relacionados ao autismo;, destaca, em comunicado, Lauren Orefice, pesquisadora da Universidade de Harvard e uma das autoras do estudo.
Após retirar as mutações com intervenções genéticas, os cientistas detectaram que os sintomas sumiram. ;A importância dos neurônios periféricos para o processamento do toque é algo interessante, mas o comportamento geral dos ratos com as mutações condicionais foi algo mais notável, junto com as alterações vistas na ausência das mutações;, complementa Lauren Orefice.
Segundo a pesquisadora, não existe uma explicação que esclareça completamente a relação dos neurônios relacionados ao toque com o autismo, mas ela ressalta que muitas pequisas indicam que os estímulos sensoriais orientam o desenvolvimento e o comportamento do cérebro. Portanto, melhorar a função dos neurônios periféricos para reduzir a sensibilidade ao toque também pode ajudar a aliviar outros sintomas relacionados ao transtorno. ;Esse trabalho abre as portas para possíveis intervenções médicas que atinjam o sistema periférico e provoquem melhoras mais significativas em relação aos sintomas do autismo;, reforça.
Ação seletiva
A possibilidade de desenvolvimento de uma nova abordagem terapêutica deixou os pesquisadores ainda mais entusiasmados porque a abordagem testada por eles não ultrapassa a barreira hematoencefálica. Dessa foram, há um risco reduzido de desencadeamento de efeitos colaterais comuns a medicamentos que atuam no cérebro. ;Estou realmente empolgada com nossas descobertas e com as direções que meu laboratório está explorando agora;, comemora Lauren Orefice.Segundo a cientista, para se chegar a uma nova classe de compostos capazes de atuar seletivamente nos neurônios somatossensoriais periféricos, é preciso definir qual perfil de paciente será beneficiado. ;Precisamos determinar quais pessoas com autismo apresentam reatividade excessiva aos estímulos ao toque leve e, portanto, quem se beneficiaria com esse tipo de tratamento;, explica. Os pesquisadores pretendem dar continuidade ao estudo e investigar a atividade dos neurônios somatossensoriais em outras áreas do corpo, como o trato gastrointestinal, além de avaliar como esses fenômenos podem influenciar o autismo.
Thaís Augusta Martins, neurologista do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, e membro titular da Sociedade Brasileira de Neurologia (SBN), acredita que a pesquisa traz dados que estão em concordância com observações clínicas. ;A questão da sensibilidade ao toque é algo que já sabemos em relação ao autismo. É de se imaginar que ela poderia estar relacionada a esse distúrbio, sendo assim um bom foco de análise escolhido pelos cientistas;, avalia.
A médica também acredita que os dados podem contribuir para novos tratamentos. ;Essas informações são importantes, pois mudam o alvo do tratamento. Novos remédios poderão ser direcionados a essa área periférica e, quem sabe, render resultados positivos ligados à diminuição dos sintomas do autismo;, diz.
Para a neurologista, muito ainda precisa ser estudado até que novas drogas cheguem aos consultórios. ;Esse é mais um passo da ciência para entender essa doença, e que pode render mais descobertas. É um tema complicado e que pode ter outros fatores com funções importantes, como a microbiota. Por isso, é necessário se aprofundar;, afirma Thaís Augusta Martins.