Ciência e Saúde

Estudo sugere que álcool pode ser mais danoso às mulheres

Diferença na forma como a substância é metabolizada no corpo faz com que elas tenham maior vulnerabilidade à ocorrência de doenças no fígado, mostra experimento norte-americano. Em ratos, os efeitos aparecem após três episódios de ingestão abusiva

Carolina Monteiro*
postado em 21/09/2019 07:00

Para mulheres, o consumo excessivo é caracterizado pela ingestão de ao menos quatro doses em curto períodoA ingestão exagerada de álcool é uma das principais causas de doenças no fígado, como a cirrose e a hepatite alcoólica. E as consequências podem ser ainda piores para as mulheres, segundo um experimento norte-americano. Em estudo com ratos, cientistas da Escola de Medicina da Universidade de Missouri identificaram que as fêmeas são mais sensíveis ao efeito da substância e, consequentemente, a lesões hepáticas. Segundo os autores, o resultado pode ajudar no desenvolvimento de abordagens preventivas e medicamentosas para humanos.

;Alguns consumidores crônicos de álcool podem beber por vários anos e ainda ter vidas relativamente saudáveis, mas muitos são suscetíveis a danos no fígado quando bebem demais. O fígado é a força metabólica do corpo. Por isso, lesões nele podem causar danos a outros órgãos;, ressalta Shivendra Shukla, professor de farmacologia médica e fisiologia da Universidade de Missouri e principal autor do estudo, divulgado recentemente na revista Journal of Pharmacology and Experimental Therapeutics.

Nos experimentos, os cientistas analisaram os efeitos do álcool no metabolismo de quatro ratos fêmeas e quatro ratos machos. Os animais tinham a mesma idade e o mesmo peso. Em intervalos de 12 horas, as cobaias recebiam a mesma quantidade de álcool três vezes seguidas. Quatro horas depois da última etapa, a equipe coletou e analisou o tecido do sangue e do fígado dos roedores.

Segundo a equipe, os resultados foram surpreendentes. A concentração de álcool no sangue das fêmeas era duas vezes maior do que a dos machos. ;Nossa pesquisa mostrou que, em apenas três episódios de consumo excessivo de álcool, as fêmeas de rato sofreram mais lesões no fígado do que os machos;, frisa Shivendra Shukla. ;O peso corporal, a gordura e a idade podem influenciar a quantidade de álcool que afeta o metabolismo, mas esse não é o caso. É possível sugerir que as diferenças apareceram devido a diferenças de sexo dos animais.;

A equipe acredita que a alcoolização mais rápida nas fêmeas tem um motivo fisiológico. A enzima álcool desidrogenase, responsável pela metabolização da substância no corpo, é encontrada em pouca quantidade no organismo delas, o que as deixa mais suscetíveis a danos causados pela ingestão da substância. Nos machos, acontece o contrário. A enzima é encontrada em níveis elevados e, por causa disso, a droga é metabolizada mais rapidamente, acelerando a sua eliminação pelo fígado.

As análises também mostraram a existência de lesão hepática, caracterizada por esteatose hepática, em todos os ratos, mas o dano foi maior nas fêmeas. Elas tiveram quase quatro vezes mais acúmulo de gordura no fígado, condição que pode funcionar como um gatilho para outras inflamações. ;Essa elevação de esteatose nas fêmeas pode ser associado ao aumento das enzimas transaminases séricas, que é bem significativo em lesões hepáticas agudas;, aponta Shukla.

Câncer

Outra associação entre a ingestão de álcool e desencadeamento de doenças chamou a atenção da equipe. Após o consumo excessivo da substância, a proteína diacilglicerol quinase alfa (DGKa), que atua no crescimento do câncer, demonstrou estar elevada no cérebro dos ratos. Também houve diferença quanto ao sexo: a DGKa aumentou em 20% nos machos e em 95% nas fêmeas. ;Qualquer papel induzido pelo álcool que essa proteína desempenhe no câncer é desconhecido e deve continuar a ser investigado no futuro;, frisa Shukla.

Gastroenterologista do Hospital Universitário de Brasília (HUB), Vinícius Machado afirma que essa descoberta pode evidenciar um papel cancerígeno do álcool no organismo. O especialista acredita que o estudo traz um alerta, especialmente para mulheres que têm hábito de ingerir álcool. ;Dados como esses podem orientar campanhas de esclarecimento e de prevenção de danos, alertando em especial as mulheres sobre sua maior vulnerabilidade. Além disso, podem contribuir para o desenvolvimento de drogas que possam atuar de forma protetora nas vias metabólicas delas. Mas enquanto não dispomos desses recursos, a melhor prevenção das doenças ligadas ao alcoolismo é evitar os excessos;, evidencia.

Helena Moura, psiquiatra especialista em dependência química e membro da Associação Brasileira de Estudos em Álcool e Drogas (ABEAD), explica que o consumo excessivo de álcool para as mulheres se caracteriza por ingerir quatro doses ou mais em um curto período de tempo. Para os homens, considera-se a ingestão de ao menos cinco doses. ;A pesquisa demonstra que não há necessidade de ser alcoólatra para ter problemas relacionados ao álcool. Se a pessoa bebe uma ou duas vezes ao mês e o padrão for de consumo do álcool em excesso, ela também está prejudicando a saúde e se expondo a situações de risco;, ressalta.

Segundo a especialista, o estudo reforça constatações de outras pesquisas sobre o consumo excessivo de álcool por mulheres. ;Como o álcool é consumido por uma ampla parcela da população, é importante compreender os prejuízos que pode trazer. O interesse no padrão de ingestão excessiva tem crescido bastante, em especial por ser um hábito comum entre os mais jovens;, pontua Helena Moura.

Os cientistas acreditam que estudos adicionais em humanos serão necessários para entender melhor como o consumo excessivo dessa droga afeta homens e mulheres, e as causas metabólicas para essas diferenças. ;Infelizmente, o álcool tem sido glamourizado. É perigoso. Não beba muito. A pesquisa é muito clara;, alerta Shukla.


* Estagiária sob supervisão de Carmen Souza

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