Embora a maioria das pessoas com cálculos biliares não apresente sintomas, há a possibilidade de surgimento de dor abdominal, náusea e vômito, que costumam levar a internações. Nesses casos, a cirurgia para remover a vesícula biliar é uma das operações mais adotadas. Há também a opção de medicamentos que quebram os cálculos biliares, mas o resultado pode demorar meses ou até anos.
Um obstáculo que limita o desenvolvimento de novas abordagens médicas é o fato de os cientistas não entenderem exatamente como as pedras se formam. Sabe-se, há décadas, que a precipitação de colesterol e sais de cálcio na bílis é um pré-requisito para a formação de cálculos biliares, mas não está claro o que faz com que os dois se juntem para o surgimento do problema.
Em um estudo anterior, ao analisar cálculos extraídos de pacientes humanos, a mesma equipe de pesquisadores detectou a existência de grandes placas de DNA, bem como uma atividade significativa da elastase neutrofílica, uma enzima que ajuda a quebrar proteínas e células danificadas ou de envelhecimento. Segundo os cientistas, juntas, essas moléculas são sinais reveladores da presença de TNEs ; estruturas, semelhantes a teias, que são expelidas por neutrófilos e ajudam a proteger contra a infecção. As TNEs, porém, também estão implicadas em distúrbios autoimunes e inflamatórios.
Drogas
No novo trabalho, para entender melhor o papel das TNEs e dos neutrófilos no desenvolvimento dos cálculos biliares, os cientistas alimentaram camundongos com uma dieta rica em colesterol, o que induziu a formação dos cálculos. Eles observaram que o número e o tamanho dos cálculos biliares eram menores em ratos com defeitos genéticos que inibem a formação de TNEs. O tamanho dos cálculos biliares também era menor em roedores com menos neutrófilos.No experimento, a equipe também conseguiu reduzir, em cobaias, o número e o tamanho dos cálculos biliares usando duas substâncias: um composto que inibe a proteína arginina desiminase 4 (PAD4), enzima envolvida na formação de TNEs, e o betabloqueador metoprolol, que interfere na migração de neutrófilos. Essa última substância é amplamente utilizada para o tratamento da hipertensão arterial e dor torácica.
;Neutrófilos têm sido considerados a primeira linha de defesa contra a infecção. E nós fornecemos evidências adicionais em relação à natureza de ;espada de dois gumes; dessas moléculas, mostrando que elas também desempenham um papel importante na montagem e no crescimento de cálculos biliares;, destaca, em comunicado, Martin Herrmann, imunologista da Universit;tsklinikum Erlangen, na Alemanha, e um dos autores do estudo. ;Atacar neutrófilos e a formação de TNEs pode se tornar um instrumento atraente para evitar cálculos biliares em populações de alto risco;, frisa.
Bernardo Martins, médico gastroenterologista do Hospital Santa Lúcia Norte, em Brasília, e membro titular da Sociedade Brasileira de Gastroenterologia (SBG), acredita que a pesquisa mostra dados extremamente interessantes sobre uma complicação com alta incidência. ;Sabemos muito apenas em relação aos fatores de risco, sobre quais sujeitos têm mais chances de apresentar esse problema ; no caso, mulheres com muitos filhos e pessoas obesas que perdem peso muito rapidamente. Hoje, quando pensamos em uma saída para esse problema, a única alternativa é retirar a vesícula;, explica.
Mais estudos
Para o médico brasileiro, os novos dados podem oferecer opções mais eficazes de tratamento. ;Esse estudo levanta a possibilidade da criação de outras alternativas medicamentosas. Com base nesses dados, podem surgir medidas menos invasivas;, acredita. Bernardo Martins, porém, ressalta a necessidade de mais investigações. ;É necessária uma análise em humanos para ver se as observações em ratos se repetem. Só com isso saberemos se o uso da estratégia de destruir neutrófilos pode ser uma alternativa de tratamento, e sem gerar efeitos colaterais;, frisa.Apesar de acreditar que a identificação de neutrófilos e TNEs como ;culpados; da formação e do crescimento de cálculos biliares abre novos caminhos para intervenções terapêuticas, os investigadores também ponderam a importância da realização de mais análises. Para eles, os primeiros resultados obtidos com o uso de uma molécula já prescrita por médicos poderão ser um impulso em etapas futuras da pesquisa. ;A possibilidade de interromper esses processos com novos inibidores de PAD4 ou com metoprolol, um betabloqueador já bem estabelecido, pode introduzir novas estratégias terapêuticas que evitem a cirurgia;, explica Luis Muñoz, coautor do estudo.