Vilhena Soares
postado em 27/07/2019 07:00
A asma e as alergias são problemas de saúde extremamente comuns nas crianças e responsáveis por grandes desconfortos por toda a vida. Em busca de uma maneira de combater essas enfermidades com mais eficácia, um grupo de cientistas americanos resolveu investigar as origens delas. Em estudo com recém-nascidos, a equipe identificou um composto produzido por bactérias intestinais que se mostrou forte influenciador do surgimento de ambas as complicações. Os especialistas acreditam que os novos dados poderão ajudar no combate a essas doenças.Em estudos anteriores, os cientistas analisaram bebês com 1 mês de idade e observaram que aqueles com ecossistemas microbianos intestinais insalubres (não tão diversos) apresentavam maior risco de desenvolver asma na infância. A equipe também detectou que a molécula lipídica chamada 12,13-diHOME, liberada por bactérias, quando encontrada em altas concentrações nas fezes dos recém-nascidos, reduzia o número e a atividade de um grupo-chave de células imunes, as T reguladoras (Tregs). Segundo os especialistas, as Tregs normalmente suprimem a inflamação alérgica.
No estudo atual, publicado na revista Nature Microbiology, os cientistas injetaram 12,13-diHOME no intestino de camundongos, o que reduziu o número de células Treg nos pulmões dos animais, comprometendo funções das células imunológicas. Para entender de onde vinha esse lipídio pró-inflamatório, os pesquisadores estudaram os genes microbianos presentes nas amostras de fezes de 41 bebês de etnias diversas e com 1 mês de nascidos.
Nas análises, descobriram que o número de cópias de três genes de 12,13 DiHOME ou a concentração do próprio lipídio nas amostras de fezes dos bebês ajudou a prever quais as crianças desenvolveriam alergia aos 2 anos de idade ou asma aos 4. ;Descobrimos um lipídio bacteriano específico no intestino neonatal que promove a disfunção imunológica associada à asma alérgica e pode ser usado para avaliar quais bebês estão em risco de desenvolver a doença na infância;, explica, em comunicado, Susan Lynch, uma das autoras do estudo e pesquisadora da Universidade da Califórnia.
Os pesquisadores enfatizam, no estudo, que a molécula 2,13-diHOME é provavelmente apenas um dos muitos produtos derivados de micro-organismos que contribuem para a disfunção imunológica precoce e a suscetibilidade à alergia infantil e à asma. ;Esse é provavelmente apenas um componente de uma complexa interação microbiana/sistema imune em crianças pequenas que promove o desenvolvimento de alergia e asma na infância. Mas é um primeiro passo para uma compreensão mais mecanicista do conjunto de produtos microbianos que aumentam essa suscetibilidade;, frisa Susan Lynch.
Reações em cascata
Bruno Acatauassu Paes Barreto, membro do Departamento Científico de Alergia na Infância e na Adolescência da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI), destaca que o estudo mostra dados relevantes sobre um tema que tem sido bastante explorado na área médica. ;A microbiota tem sido associada a uma série de enfermidades, como a obesidade, doenças imunológicas e neurológicas. Vemos no estudo que, caso ela seja prejudicada na infância, isso repercutirá negativamente em relação a asma e alergias. A reação também foi associada à imunidade, ou seja, é uma cascata de eventos envolvidos;, diz.Para o médico, os dados corroboram informações conhecidas e relacionadas a prejuízos na microbiota intestinal e a ocorrência dessas enfermidades. ;Esse trabalho mostra uma relação que já é vista nos fatores de risco da doença que podem interferir no equilíbrio da microbiota. Nascer de um parto cesariana, o uso de antibióticos e a alimentação, tudo isso pode afetar a composição das bactérias do corpo e contribuir para enfermidades como a asma e as alergias;, explica.
Mesmo com a necessidade de mais análises sobre a relação do composto 12,13-diHOME com a asma e alergias, os autores do estudo acreditam que a pesquisa pode contribuir para melhores tratamentos das complicações. ;Essa descoberta abre o caminho para intervenções no microbioma intestinal precoce, a fim de prevenir o desenvolvimento dessas doenças;, ressalta Lynch. ;Embora esses achados precisem ser replicados em um grupo de estudo ainda maior, o fato das amostras analisadas terem sido recolhidas em populações demograficamente diferentes e em cidades distintas e, ainda assim, terem mostrado os mesmos resultados nos dá confiança de que a associação entre esse lipídio bacteriano e a asma infantil e o risco de alergia pode se generalizar, ou seja, se repetir para uma população mais ampla;, complementou a autora.
Para Bruno Barreto, o trabalho poderá gerar dados que contribuam para o tratamento da asma e da alergia, principalmente se mais fatores relacionados à microbiota humana, à asma e a alergias forem decifrados. ;Acredito que a questão da identificação de marcadores que podem interferir nessa relação pode ser aprofundada, isso ainda não ficou bem claro. Vimos o poder desse elemento, o 12,13-diHOME, mas caso existam marcadores do bem, que tenham um efeito positivo sob a imunidade, eles seriam extremamente importantes na criação de estratégias de intervenção desenvolvidas para combater essas doenças;, explica.