Um relatório publicado no começo de 2016 por um grupo de dermatologistas, membros da Academia Europeia de Dermatologia e Venereologia (EADV, na sigla em inglês), deixou claro que a maioria dessa força de trabalho na Europa está sob risco aumentado de desenvolver câncer de pele, principalmente do tipo não melanoma.
Segundo os resultados, após cinco anos de trabalho ao ar livre, as chances de ter o tumor são, pelo menos, duas vezes maiores nesse perfil do que naqueles que exercem a profissão em ambientes fechados. Os dados mostraram também que esse grupo tem menor conhecimento em saúde e baixa tendência à prevenção.
Robson Medeiros, de 36 anos, bombeiro militar do Estado do Rio de Janeiro, recebeu o diagnóstico de melanoma, tipo raro e mais grave do câncer de pele, em outubro 2017. Tudo começou com uma pinta de nascença que ele tinha em uma das coxas. A princípio, a mancha foi ignorada depois que uma dermatologista pediu a retirada do sinal sem explicar o que poderia ser.
Sem histórico de câncer de pele na família, Medeiros associa a doença mais à alta exposição solar ao longo dos anos do que à profissão em si. Porém, admite que não conhecia os riscos da não proteção.
"Na profissão de bombeiro, é muito enfatizado o uso de equipamentos de proteção individuais (EPIs) para salvamentos, que também inclui o protetor solar, mas falta conhecimento do que é o câncer, não se fala muito por que precisa usar protetor", afirma o profissional.
Ele conta que, na infância, praticava muitas atividades ao ar livre e, na fase adulta, continuou fazendo esportes, como corrida e montanhismo, que abrem espaço para a exposição solar. Segundo o Comitê Científico do Instituto Melanoma Brasil, a exposição cumulativa e excessiva nas primeiras duas décadas de vida aumenta muito o risco de desenvolvimento de câncer de pele. "Eu tive muito isso na infância. Um dia a conta chega", comenta Medeiros.
Campanha de prevenção do câncer de pele
Pensando nos dados internacionais e no cenário brasileiro - foram estimados mais de 6,2 mil novos casos de melanoma e mais de 165 mil de não melanoma em 2018 -, o Instituto Melanoma Brasil lançou a campanha Trabalhe com segurança. Proteja sua pele. O objetivo é levar informação tanto para os trabalhadores quanto para as empresas.
"São pessoas que executam suas atividades laborais ao ar livre e não se dão conta dos riscos que estão correndo e das medidas para se protegerem", diz Rebecca Montanheiro, presidente da organização, sobre a iniciativa que está em sua terceira edição. "Mais ou menos 1,5 mil pessoas vão morrer por ano com melanoma e a campanha quer levar informação simples e clara para que as pessoas se identifiquem", completa.
A proposta do instituto também é alcançar as empresas a fim de que, nas instruções sobre segurança do trabalho, o cuidado com a pele seja prioridade. Por isso, ao longo de todo o ano e principalmente em maio, mês de conscientização sobre o câncer de pele, a organização entra em contato com grandes companhias propondo uma palestra sobre o tema. As corporações interessadas também podem procurar a ONG e solicitar o serviço.
Tipos de câncer de pele
O tumor é dividido em melanoma (5% dos casos) e não melanoma (95%) e, no Brasil, a prevalência varia de uma região para outra. "A incidência é maior no sul e sudeste do que no centro-oeste e nordeste, principalmente pela composição étnica", explica Rodrigo Munhoz, oncologista do Hospital Sírio Libanês e do Comitê Científico do Melanoma Brasil.
Nas regiões de maior incidência estão concentradas as pessoas com pele e olhos mais claros. Estas, segundo o médico, são mais propensas a desenvolver câncer de pele do que as negras. A explicação está na melanina, substância que determina a cor da pele e, em pessoas negras, atua como um protetor solar natural.
A principal diferença entre os dois tumores é o tipo de célula que dá origem a ele. Enquanto o melanoma nasce nos melanócitos (células produtoras de melanina), o não melanoma se origina em outras estruturas e tem componentes variados.
A gravidade também é outro fator que os diferencia: o melanoma tende a crescer mais rápido e pode ter metástase (se espalhar para outros órgãos); o não melanoma tem risco menor de metástase e a cirurgia, por si só, é curativa. No entanto, Munhoz afirma que uma pequena parcela pode evoluir de forma ruim e ter complicações.
O bombeiro Robson Medeiros conta que receber o diagnóstico de melanoma foi como terem colocado "uma bomba relógio na minha mão e que ela poderia estourar a qualquer momento, tirando a minha vida". Felizmente, os exames deram negativo para novos crescimentos do tumor.
Após terminar o ano de 2017 acamado, se recuperando da cirurgia, e ficar seis meses longe do trabalho e das atividades rotineiras, ele quis fazer diferente no ano seguinte. Em 31 de dezembro de 2018, ele correu a São Silvestre emocionado, "principalmente com saúde". "Além de terminar o ano bem, homenageei cada paciente do grupo de acolhimento do Instituto Melanoma Brasil, mostrando que um deles estava lá e que é possível", conta Medeiros, que correu com uma camiseta da ONG.
Mudanças exigem grandes esforços
Um estudo publicado em 2017 no periódico Journal of the European Academy of Dermatology & Venereology avaliou o comportamento e a conscientização das pessoas sobre o câncer de pele e sua proteção. A pesquisa foi feita com quase 20 mil pessoas, de 23 países, com idades entre 16 e 65 anos.
Os resultados mostraram que 88% delas estavam cientes dos riscos de desenvolver câncer de pele quando expostas ao sol sem proteção. No entanto, apenas um a cada dois participantes da pesquisa já consultou um dermatologista para uma triagem. Quatro em cada dez pessoas não pensam em proteger a pele fora do período de férias.
"As pessoas estão cientes, mas acham que nunca vai acontecer com elas. Tudo que envolve mudança de comportamento envolve grandes esforços em diferentes frentes", avalia o oncologista. Ele compara esse comportamento com as campanhas sobre os riscos do tabagismo, que demoraram décadas para fazer com que as pessoas largassem o cigarro. Duas frentes principais quanto ao câncer de pele, segundo ele, é a exposição ocupacional e recreativa.
"É um desafio porque estamos em um país tropical, as pessoas gostam de ir à praia, ter um visual bronzeado. A transformação em ação preventiva demanda esforço", diz o médico. Uma das lutas no Instituto Melanoma Brasil é que o protetor solar seja disponibilizado no Sistema Único de Saúde para que mais pessoas tenham acesso à proteção gratuitamente.