Gostar mais de café do que de refrigerante é uma questão que vai além do sabor. A preferência também está relacionada ao DNA humano e às compensações desencadeadas por ela, segundo cientistas americanos. Um grupo de pesquisadores chegou a essa conclusão após analisar o comportamento alimentar de mais de 300 mil pessoas. Descobriram que a escolha por bebidas doces ou amargas é desencadeada pela recompensa mental causada muito mais pela ingestão do alimento favorito do que pelo gosto dele. As descobertas foram publicadas na última edição da revista científica Human Molecular Genetics.
Os autores do estudo explicam que bebidas populares, como café, cerveja e refrigerantes, têm sido associadas a doenças crônicas e, por isso, passaram a ser alvo de estudos científicos diversos. Muitos cientistas acreditam que a preferência por determinados alimentos está relacionada à genética de um indivíduo, mas nenhum estudo conseguiu explorar esse tema profundamente. ;Investigações anteriores sugerem que o sabor é hereditário, e que a percepção do paladar e as preferências são determinantes no consumo de bebidas. No entanto, nenhum estudo abordou essas associações até o momento;, conta ao Correio Victor Wenze Zhong, um dos autores do estudo e pesquisador da Universidade de Nortwestern, nos Estados Unidos.
Na tentativa de aprofundar o entendimento sobre esse comportamento alimentar, Zhong e colegas conduziram um experimento em que, inicialmente, categorizaram uma série de bebidas como de sabor amargo ou doce. Entraram no primeiro grupo café, chá, sumo de toranja, cerveja, vinho tinto e licor. No segundo, bebidas adoçadas com açúcar, adoçadas artificialmente e sucos de fruta não adoçados.
A ingestão desses alimentos foi registrada por meio de questionários respondidos diariamente durante algumas semanas. Também havia nos registros itens ligados a fatores comportamentais. Os cientistas contabilizaram o número de porções das bebidas ingeridas por cerca de 336 mil pessoas. Em seguida, fizeram um estudo de associação genômica considerando a ingestão dos dois tipos de bebida.
Para surpresa dos autores, as análises mostraram que preferências por bebidas amargas ou doces não são baseadas em variações dos genes gustativos, relacionados ao paladar. Estão associadas a genes ligados a propriedades psicoativas desses alimentos. ;As pessoas gostam de como o café e o álcool as fazem se sentir. É por isso que elas bebem. Não é o gosto das bebidas que leva às predileções;, explica Zhong.
Mais mistérios
Os pesquisadores também ressaltam que os dados obtidos mostram mecanismos do sistema de recompensa cerebral, um sistema essencial para se entender o comportamento alimentar humano. ;O estudo destaca importantes componentes do esquema comportamento/recompensa para a escolha de bebidas. Dessa forma, é possível entender as barreiras potenciais que intervêm nas dietas das pessoas;, frisa o autor do estudo.Zhong também chama a atenção para os impactos das preferências alimentares na saúde dos indivíduos. ;As bebidas açucaradas estão ligadas a muitas doenças. O consumo de álcool, por exemplo, está relacionado a mais de 200 enfermidades e é responsável por cerca de 6% das mortes no mundo;, ilustra.
Os autores também identificaram uma variante no gene FTO ligada à predição por bebidas açucaradas. ;As pessoas que tinham essa variante ; a mesma anteriormente relacionada ao menor risco de obesidade ; surpreendentemente preferiam bebidas açucaradas;, conta Zhong. ;É contraintuitivo: o FTO tem sido um gene misterioso, e não sabemos exatamente como ele está ligado à obesidade.;
Um dos próximos passos do estudo será identificar mais genes relacionados a preferência por bebidas doces ou amargas. ;Descobrimos esse diferencial do gene FTO, mas essa associação inversa requer mais verificação. Também precisamos elucidar mecanismos que vão além das variantes genéticas;, adianta o autor do estudo.
;As pessoas gostam de como o café e o álcool as fazem se sentir. por isso que elas bebem. Não é o gosto das bebidas que leva s predileções;
Wenze Zhong, pesquisador da Universidade de Nortwestern e um dos autores do estudo
Ajuda para combater os excessos
Há suspeitas antigas na área médica de que algumas pessoas são geneticamente predispostas a consumir mais alimentos doces e a ingerir bebidas alcoólicas. A nova pesquisa divulgada na revista Human Molecular Genetics pode fortalecer esse entendimento. ;Até onde sabemos, esse é a primeira pesquisa de associação genômica do consumo de bebidas. É também o mais abrangente estudo de associação genômica do consumo de bebidas até o momento;, frisa Victor Wenze Zhong.
O pesquisador da Universidade de Nortwestern ressalta ainda que os resultados podem ter aplicações clínicas. ;Eles indicam que o sabor pode não ser um determinante genético primário. As pessoas gostam de certas bebidas, como café e bebidas alcoólicas amargas ; por exemplo, licor e vinho tinto ; por causa dos componentes psicoativos dessas bebidas, como a cafeína e o álcool, e esses dados poderão auxiliar em estratégias de combate ao sobrepeso e ao vício.;
Segundo Graziela Paronetto, médica geneticista da clínica FertilCare e membro titular da Sociedade Brasileira de Genética Médica e Genômica (SBGM), entender a influência genética nas escolhas alimentares é importante, mas é preciso considerar que o estudo foi conduzido apenas com indivíduos europeus. ;Precisamos de uma análise mais ampla, com outras etnias, para saber se esses dados se replicam. Esse tipo de investigação sempre começa dessa forma, foi o que aconteceu com o álcool também, uma relação que hoje está mais aprofundada (Leia Para saber mais);, diz.
A especialista também acredita que o estudo poderá ajudar a entender melhor os comportamentos alimentares. ;Essa é uma tentativa de avançar no tema, ainda não havia visto nenhuma pesquisa que abordasse a questão genética e bebidas doces ou amargas. Com esses dados, no futuro, será possível orientar melhor as pessoas em relação aos hábitos de vida. Mas é importante frisar que essas determinações não são doenças. São apenas características genéticas, que são normais.;
Para saber mais
Álcool e DNA
Em 2010, um grupo de cientistas da Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, mostrou, em uma pesquisa publicada na revista Alcoolismo: pesquisa clínica e experimental, que indivíduos que apresentam uma mutação no gene CYP2e1 podem ter uma tendência maior a beber álcool. Em 2016, um estudo realizado por cientistas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) mostrou que o gene chamado LRRK2 está relacionado ao consumo abusivo de álcool em camundongos. Os autores do estudo, que foi publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), acreditam que, caso os dados sejam detectados também em humanos, abre-se a possibilidade de uso de terapias genéticas para tratar o alcoolismo.