Paloma Oliveto
postado em 20/03/2019 06:00
Em meados de 2023, no Deserto de Utah, no oeste dos Estados Unidos, um grupo de cientistas olhará para o céu, esperando ansiosamente a chegada de um pacote. Diretamente do espaço, é esperada uma cápsula contendo ao menos 60g de poeira e de fragmentos rochosos. Será o fim de uma missão de US$ 1 bilhão, que tem como objetivo investigar um pequeno asteroide, pouco maior que o Edifício Empire State, de Nova York. Considerado uma cápsula do tempo, Bennu guarda com ele alguns dos mistérios sobre a origem do Sistema Solar. Enquanto o embrulho não cai do céu, a sonda Osiris-REx começa a revelar aspectos inesperados desse precioso objeto.
Em uma série de sete artigos publicados ontem pelo grupo editorial Nature, cientistas que participam da missão descreveram características do asteroide com base em informações, especialmente fotos, coletadas pela sonda espacial e enviadas à Terra. Quatro deles participaram, nesta terça-feira (19/3), de uma teleconferência de imprensa organizada pela Agência Espacial Norte-Americana (Nasa), que financia a missão. Por enquanto, a nave, que alcançou a órbita de Bennu há apenas três meses, traz mais perguntas do que respostas. Os dados fornecidos dão uma amostra do que se pode esperar até o fim da missão.
;A maior surpresa, uma das maiores da minha carreira, é que partículas são ejetadas da superfície do asteroide. Desde janeiro, observamos 11 eventos do tipo, sendo que três foram bem intensos;, contou Dante Lauretta, principal investigador da missão e pesquisador da Universidade do Arizona em Tucson. Esse fenômeno nunca foi observado, até porque, somente agora, asteroides são estudados tão de perto. Com tamanhos e velocidades variados ; alguns viajam a 100m/s, outros, a 3m/s ;, os fragmentos aparentemente saem de uma única região, ainda não identificada, sendo que parte deles retorna à superfície de Bennu. Ainda é cedo para dizer a composição desses pedaços do asteroide.
;Temos uma grande equipe trabalhando para compreender o mecanismo por trás disso;, disse Lauretta. De acordo com ele, quanto mais o asteroide se aproxima do Sol, maior parece a frequência de eventos, mas não há nada, por enquanto, que permita concluir que o astro influencia a ejeção de partículas. ;Meu foco agora é entender o que está acontecendo. Meu principal objetivo é entender a composição (dos fragmentos), os mecanismos, a natureza do evento. Acredito que essa será uma grande oportunidade de entender sobre o campo magnético e a estrutura interna dos asteroides.;
Pouso desafiador
Uma outra surpresa ; não tão boa ; é que a superfície de Bennu é mais acidentada do que se pensava. Isso poderá atrapalhar a coleta de materiais pelo braço mecânico da sonda, que ainda procura por um bom lugar para retirar as amostras ; objetivo final da missão. Pelas estimativas da Terra, a equipe imaginava encontrar um terreno liso, com pedras grandes. Porém, as imagens feitas a menos de 2km de distância indicam um solo pedregoso e irregular e, pelo menos até agora, a Osiris-REx não localizou a região menos tortuosa imaginada pelos cientistas. A equipe terá de ajustar a descida da nave, que precisará pousar com maior precisão. ;É um desafio substancial, mas a Nasa tem um longo histórico de fazer coisas difíceis;, disse Dante Lauretta.
Rich Burns, gerente de projeto da Osiris-REx em Greenbelt, Maryland, também se mostrou positivo. ;Nossa equipe de operações tem demonstrado que podemos alcançar um desempenho do sistema que supera os desafios. Bennu nos lançou o desafio de lidar com seu terreno acidentado e estamos confiantes de que a nave está à altura da tarefa;, afirmou. Uma das lições, segundo ele, é que os modelos computacionais usados para interpretar dados não predizem adequadamente a natureza de superfícies pequenas e rochosas de asteroides, e precisam ser revistos. ;Os primeiros três meses da missão nos lembrou que descobertas são exatamente sobre isso: surpresas, raciocínio rápido e flexibilidade;, afirmou Lori Glaze, diretora interina da Divisão de Ciência Planetária da Diretoria de Missões Científicas da Nasa.
Outra observação feita a partir dos dados enviados pela sonda é que Bennu muda a taxa de velocidade de rotação devido a um fenômeno conhecido como efeito Yarkovsky. ;A radiação solar está fazendo com que Bennu gire mais e mais rápido com o tempo;, explicou Daniel Scheers, pesquisador da Universidade da Califórnia em Boulder, que publicou um artigo sobre a rotação do asteroide na Nature Communications. De acordo com ele, as informações sugerem que o asteroide esteja sob a ação de duas forças que competem entre elas, o que resulta na estranha e ;selvagem; rotação do corpo celeste. ;Essas forças podem desempenhar um importante papel na evolução de Bennu ao longo de sua longa história;, acredita Scheers.
Pistas também de Ryugu
Bennu não é o único a ajudar os cientistas a compreender melhor o Sistema Solar primitivo. Os primeiros dados recebidos da sonda espacial japonesa Hayabusa2, que orbita o asteroide Ryugu, trouxeram pistas sobre a história desse corpo rochoso e metálico. Por sua vez, essas informações permitem estimar com mais precisão as quantidades e os tipos de materiais essenciais à vida que estavam presentes na formação da Terra, afirma Seiji Sugita, professor do Departamento de Ciências da Terra e Planetárias da Universidade de Tóquio.
Lançada em dezembro de 2014, Hayabusa2 partiu do Centro Espacial Tanegashima, no sudeste japonês, rumo ao cinturão de asteroides, entre Marte e Júpiter. O alvo era o asteroide Ryugu, onde a sonda chegou em 27 de junho do ano passado. Desde então, ela usa câmeras e instrumentos para coletar imagens e dados sobre o corpo celeste e envia as informações de volta à Terra. A nave também já retirou algum material em um breve pouso no asteroide, o que fará novamente em 2020.
;A primeira descoberta que fizemos é a quantidade de água, ou a falta dela, que Ryugu parece ter. É bem mais seco que esperávamos, dado que é um jovem asteroide (para os padrões de asteroides), com cerca de 100 milhões de anos. Então, isso sugere que o corpo de onde ele se desprendeu tinha muito pouca água também;, diz Sugita, que publicou esse e outros resultados sobre o asteroide em três artigos da revista Science.
Segundo ele, a comparação dos dados de Bennu e de Ryugu resultará em muitos ganhos para a ciência. Na teleconferência de imprensa realizada pela Nasa, Dante Lauretta, principal pesquisador da Osiris-REx na Universidade do Arizona em Tucson, afirmou que, em novembro, as duas equipes se encontrarão em um seminário. ;Poderemos aprender com nossos colegas japoneses como ter sucesso na retirada de material da superfície do asteroide;, afirmou.