Fim do ano é tempo de celebrar com amigos, colegas de trabalho e familiares. Porém, enquanto para a maioria das pessoas a proximidade do Natal e do réveillon só inspira animação e felicidade, muitas outras se sentem mais sozinhas e deprimidas no último mês do ano. A solidão é fator de risco para doenças físicas e mentais e diversos estudos comprovam que o sentimento, quando crônico, é capaz de encurtar a expectativa de vida. A boa notícia é que há estratégias capazes de oferecer proteção. Segundo pesquisas científicas, estratégias como frequentar igrejas, cuidar de um animalzinho e manter a mente ativa funcionam como um escudo contra a sensação de estar só.
Sabedoria foi o principal ingrediente encontrado por uma equipe de pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia em San Diego para enfrentar a solidão. Em um artigo publicado na revista International Psychogeriatrics, a equipe liderada pelo diretor do Centro de Envelhecimento Saudável da instituição, Dilip Jeste, relata ter encontrado uma associação inversa entre ser uma pessoa sábia e se sentir só. ;Isso pode ser devido ao fato de que os comportamentos que definem a sabedoria, como a empatia, a compaixão, a regulação emocional e a autorreflexão efetivamente combatem ou impedem a solidão severa;, explica Ellen Lee, pesquisadora de saúde mental geriátrica e primeira autora do artigo. A especialista ressalta: ;Por sua vez, a solidão, mesmo moderada, associou-se a tudo de ruim. Ela está ligada a uma saúde mental pobre, ao abuso de substâncias químicas, a problemas cognitivos e à piora da saúde física, incluindo desnutrição, hipertensão e transtornos do sono;, elenca.
No trabalho da Universidade da Califórnia em San Diego, os pesquisadores ficaram alarmados ao descobrir que mesmo pessoas fora do que, tradicionalmente, se considera um grupo de risco para a solidão exibiam níveis altos a moderados desse sentimento. Lee afirma que, nos Estados Unidos, agências de saúde pública alertam para o crescimento de uma epidemia solitária, com taxas autorreportadas dobrando ao longo dos últimos 50 anos, passando de 17% para 57%. Os pesquisadores foram a campo e entrevistaram 340 pessoas entre 27 e 101 anos, que já haviam participado de três estudos prévios sobre envelhecimento e saúde mental. Nenhum deles tinha diagnóstico de problemas físicos, psiquiátricos ou psicológicos graves.
Fases
Usando questionários padrões que medem solidão e isolamento social, além de um teste desenvolvido pelos pesquisadores para medir o nível de sabedoria individual, eles descobriram que há três fases da vida em que o se sentir só é mais persistente: dos 27 aos 29 anos, aos 55, e nos últimos anos da oitava década de vida. Isso foi verdade independentemente de gênero. ;É algo notável porque os participantes desse estudo não se encaixavam no que consideramos alto risco para solidão moderada a severa. Eles não tinham problemas físicos graves, nem sofriam de doenças mentais significativas, como depressão ou esquizofrenia, quando se espera que a solidão seja um problema. Os participantes eram pessoas normais, de um modo geral;, diz Lee.
Dilip Jeste, diretor do Centro de Envelhecimento Saudável da Universidade da Califórnia em San Diego, diz que é preciso investigar mais o assunto, porque, segundo ele, há mais perguntas do que respostas a respeito. ;Mas nossas descobertas sugerem que precisamos pensar sobre a solidão de forma diferente. Não se trata de isolamento social. Uma pessoa pode ser só e não se sentir solitária, enquanto alguém pode estar em uma multidão e se sentir sozinho. Precisamos encontrar soluções e intervenções que ajudem a tornar as pessoas mais sábias. Uma sociedade sábia será mais feliz, mais conectada e menos solitária;, afirma.
Na Inglaterra, uma iniciativa tem ajudado a conectar idosos solitários com a comunidade graças à ajudinha de cães. O programa Dog Dates, conduzido pela indústria de nutrição veterinária Mars Petcare, promove o encontro de animais da vizinhança com pessoa da mesma região, incentivando, inclusive, o idoso a sair de casa, pois os passeios geralmente acontecem em parques ou na rua. Além da companhia do cachorro, a pessoa visitada por ele tem a oportunidade de interagir com os tutores, o que aumenta os laços sociais. ;Esquemas como esse podem ser uma parte fantástica da solução para a solidão. Os cães são ótimos quebradores de gelo e facilitam a conversa e a conexão entre as pessoas;, afirma Laura Alcock-Ferguson, diretora executiva da Campanha para Acabar com a Solidão, uma iniciativa da sociedade civil na Inglaterra.
Deus
Sejam jovens ou idosas, pessoas que não têm uma forte rede de amizade podem se beneficiar da religião para combater o sentimento de solidão. Um estudo do Departamento de Psicologia da Universidade de Michigan constatou que a crença em Deus preenche a necessidade de pertencimento que dá ao ser humano um senso de propósito na vida. ;Quando uma pessoa sente que não pertence ou não tem apoio em suas relações, ela tem menos senso de propósito e direção na vida;, afirma Todd Chan, estudante de doutorado da instituição e principal autor do estudo, que analisou as respostas de 19.775 indivíduos em um questionário comportamental. ;Para os socialmente desconectados, Deus pode ser um relacionamento que compensa aquilo que, normalmente, seria fornecido em uma relação humana;, diz.
O estudo mostrou que a crença religiosa geralmente oferece conforto social. Segundo Chan, nem sempre é possível conectar pessoas que se sentem solitárias, pois, muitas vezes, elas mesmas rejeitam interações sociais. ;Quando o contato com outras pessoas não é possível ou é indesejado, considerar Deus como um amigo pode ajudar a lidar com a solidão. Para se sentir menos desconectada, geralmente buscamos melhorar nossos contatos sociais, mas nem sempre isso é possível, dado que uma parte inerente da desconexão social ocorre porque algumas pessoas são rejeitadas. Nossa pesquisa sugere que a religião e Deus compensam a falta de propósito nos socialmente desconectados, embora não no nível comparável ao dos indivíduos que têm relacionamentos sociais;, esclarece.
Artigo: Turbilhão de sentimentos
por João Armando
Tradicionalmente, momentos de passagens, como adolescência, período em que os filhos deixam a casa dos pais e menopausa, são delicados do ponto de vista da saúde mental. E não seria diferente com o fim do ano! A mente humana é extremamente simbológica e, por isso, épocas que marcam o fim de um ciclo e o início de outro mexem com os sentimentos. Isso explica a explosão de sensações que as pessoas têm em dezembro. Já é o cérebro alertando para mais um encerramento.
Nesses períodos de passagem, há sempre o costume de reavaliar tudo o que foi feito no último ciclo e criar planos para o seguinte. E é aí que mora o problema! Muitos indivíduos se angustiam com os objetivos não cumpridos, o que gera sentimentos exagerados de frustração e pensamentos negativos. Mas isso acontece porque, geralmente, essa avaliação é feita de forma muito rígida, o que é um grande erro. O balanço deve ser feito com mais parcimônia, entendendo as limitações que todos têm na hora de alcançar objetivos e valorizando os passos relevantes que foram dados no último ano.
Outro fator é que, no Ocidente, o fim do ano é um momento muito importante, com diversas festas, comemorações, confraternizações, o que por si só já aumenta a pressão de transparecer que tudo está bem. Sem contar que o Natal é uma época de sentimentos nostálgicos em que as famílias se reúnem, pessoas que não se viam há muito tempo se reencontram, há uma inspiração para pedir desculpas pelos erros e esperar que outros também peçam e tempo de se lembrar dos entes queridos que já se foram.
Quando esse turbilhão de sentimentos se junta é que surgem ou reaparecem os sintomas depressivos, como tristeza profunda e desânimo em fazer as coisas que antes davam prazer. Entretanto, é preciso entender que se sentir mais emotivo, ansioso e ter variações de humor é comum nesta época. Todavia, se, por ventura, perceber-se que os sintomas estão intensos demais e estão prejudicando, inclusive, o dia a dia, o ideal é buscar a ajuda de um profissional de saúde mental, como psiquiatra e/ou psicólogo. Somente um especialista poderá orientar melhor como proceder nesta fase.
E lembre-se sempre: não serão em 365 dias que os problemas de uma vida toda serão resolvidos. O mais importante é manter uma constante evolução dentro das possibilidades.
* João Armando é psiquiatra do Instituto Castro e Santos