Paloma Oliveto
postado em 31/07/2018 06:00
Já faz tempo que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou guerra aos embutidos. Produtos como salame, mortadela e salsicha têm sido associados ao risco aumentado de desenvolvimento de alguns cânceres, especialmente do trato digestivo. Agora, uma nova pesquisa indica que esse tipo de iguaria, feita com carnes processadas e curadas com diversos químicos, pode piorar sintomas de pessoas que sofrem transtornos mentais. O trabalho, da Faculdade de Medicina de Johns Hopkins, nos Estados Unidos, foi publicado na revista Molecular Psychiatry, do grupo Nature.;Não estamos tentando assustar ninguém;, esclarece Robert Yolken, pesquisador da instituição, que liderou o estudo. Ele destaca que os resultados não se referem à carne in natura nem a peixes, mas apenas àquelas que, no processo de cura, recebem adição de nitrato seco sintético para fins de conservação e condimentação. A pesquisa observacional ; que não investiga uma relação de causa e efeito ; constatou, em um grupo de mais de mil pessoas com e sem diagnóstico de transtorno mental, que aquelas hospitalizadas devido a um episódio de mania apresentam chances três vezes maiores de terem consumido embutidos, comparado às demais.
A mania é uma condição caracterizada por hiperatividade, euforia e insônia, sintomas que duram de semanas a meses, e é associada ao transtorno bipolar e à esquizofrenia. Quando se encontra neste estado, o paciente pode se envolver em comportamentos de risco e sofrer alucinações; por isso, geralmente, passa por diversas hospitalizações até estabilizar. Yolken esclarece que fatores genéticos estão entre os desencadeadores, mas, sozinhos, não conseguem explicar as causas, o que sugere a influência de questões ambientais, como a dieta.
Os nitratos sintéticos utilizados na indústria alimentícia já foram associados anteriormente à perturbação mental. Segundo o pesquisador, estudos com ratos feitos pela equipe de Johns Hopkins demonstraram que a substância adicionada à alimentação desencadeia hiperatividade e mania nos animais poucas semanas após o uso. Agora, os cientistas resolveram investigar se, em humanos, o consumo de embutidos, que têm quantidades elevadas desses compostos químicos, também tem relação com o desencadeamento de estados mentais alterados.
O interesse inicial de Yolken era investigar se a exposição a agentes infecciosos por meio da alimentação teria ligação com condições psiquiátricas. Curiosamente, em 1907, o psiquiatra Adolf Meyer, do mesmo Johns Hopkins, havia sugerido que infecções crônicas podem responder por parte das condições psiquiátricas, uma ideia ainda hoje debatida e baseada na teoria de que, ao agir diretamente no cérebro, alguns patógenos desencadeiam sintomas mentais. Outra hipótese é de que esse papel seja desempenhado pelo próprio sistema imunológico que, em vez de combater apenas os vírus/bactérias, passa a agir nos tecidos cerebrais.
Com essa ideia, Yolken coletou dados demográficos, dietéticos e de saúde de 1.101 pessoas de 18 a 65 anos, com e sem distúrbios psiquiátricos. A avaliação das informações mostrou que, entre aquelas hospitalizadas por mania, o hábito de se alimentar com carne embutida antes da internação foi três e meio vezes maior, comparado ao grupo sem transtorno mental. Em pessoas sem histórico de depressão, esquizofrenia ou transtorno bipolar, a ingestão desses produtos não teve associação com mania, o que sugere a ação dos nitratos apenas em pacientes que já sofrem de alguma condição psiquiátrica.
Flora intestinal
Segundo Kellie Tamashiro, professora de psiquiatria de Johns Hopkins, sabe-se hoje que a composição da flora intestinal tem forte influência sobre o organismo como um todo, inclusive o cérebro. ;A mania é um estado neuropsiquiátrico complexo e tanto as vulnerabilidades genéticas quanto os fatores ambientais parecem envolvidos no surgimento e na severidade de transtorno bipolar e episódios maníacos associados. Nossos resultados sugerem que a carne curada por nitrato pode ser um dos elementos ambientais que mediam a mania;, explica.Tamashiro ressalta que a pesquisa é mais uma a evidenciar o papel da interação entre alguns alimentos e a flora intestinal com transtornos que afetam o cérebro. Em 2014, uma revisão de 12 estudos epidemiológicos que investigaram a associação da dieta na saúde mental encontrou um ;padrão consistente da relação entre uma dieta de boa qualidade e uma saúde mental melhor e alguma evidência do contrário;, de acordo com o artigo publicado na revista American Journal of Public Health. Os pesquisadores da Universidade de Deakin, na Austrália, também destacaram que a dieta ocidental, rica em carne vermelha, açúcar e gordura saturada, foi relacionada a problemas como depressão e hiperatividade.
Robert Yolken acredita que estudos capazes de estabelecer uma relação de causa e efeito entre os nitratos e a mania em pacientes psiquiátricos poderão oferecer uma janela terapêutica. ;Trabalhos futuros sobre essa associação poderiam levar a intervenções dietéticas para ajudar a reduzir o risco de episódios maníacos naqueles com transtorno bipolar ou vulneráveis à mania por outros motivos;, diz.