Desreguladores
;Medida tendenciosa;
No Brasil, há múltiplas vias de exposição
Pós-doutor em ecotoxicologia, Cesar Koppe Grisolia publicou, em 2005, uma obra na qual discute a influência dos agrotóxicos em mutações genéticas que levam ao desenvolvimento do câncer. Passada mais uma década, o livro está mais atual do que nunca. De lá para cá, mais pesquisas confirmaram essa associação. Enquanto isso, na contramão da maioria dos países, o Brasil ainda permite a comercialização de alguns dos pesticidas apontados pela ciência como potencialmente cancerígenos, como os organoclorados. Em entrevista ao Correio, Koppe demonstra preocupação com a fiscalização falha da lei dos agrotóxicos e critica a aprovação recente do PL 6.299/2002. ;Esse novo projeto de lei facilita a ação de lobistas e as pressões da indústria;, diz.
O senhor publicou o livro Agrotóxicos: mutações, câncer & reprodução em 2005. Desde então, se consolidou ainda mais a evidência sobre os impactos negativos desses produtos nos genes?
Sim, a cada ano, aumenta na literatura científica o número de publicações mostrando os efeitos nocivos dos agrotóxicos sobre o material genético de diferentes espécies, inclusive o homem. Além dos efeitos cancerígenos e causadores de malformações congênitas. Há estudos epidemiológicos mostrando a correlação entre exposição aos agrotóxicos e o aumento de mutações no DNA que levam ao câncer. Esses dados estão mais detalhados no nosso livro.
Além dos trabalhadores que aplicam os agrotóxicos no campo, as mutações cancerígenas e o risco de infertilidade podem ocorrer em consumidores desses produtos?
Sim, porque hoje no Brasil o cenário é de múltiplas vias de exposição, como os níveis excessivos de resíduos nos alimentos, as contaminações das águas que bebemos, e do ar que respiramos. Assim, mesmo que em concentrações baixas, somando-se as diversas vias de exposição, o resultado final representa níveis significativos de exposição na população em geral. Os riscos a saúde são diretamente proporcionais à intensidade de exposição e, no Brasil, o grande aumento no uso desses venenos elevaram os riscos de causar mutações no DNA, de câncer e de infertilidade.
Dos pesticidas existentes no mercado brasileiro, quais têm maiores potenciais de impactar negativamente a saúde?
São muitos os agrotóxicos com risco de câncer registrados no Brasil. Ainda permitimos o registro e comércio de agrotóxicos organoclorados. Apesar de proibirmos os mais famosos, como o DDT e o BHC, somente depois de banidos no mundo todo, ainda pulverizamos organoclorados como endosulfan, que causa efeitos nocivos sobre a reprodução das espécies. O herbicida clorado 2,4-Diclorofenoxiacético causa linfomas, foi usado como um dos componentes do Agente Laranja na Guerra do Vietnã. Os soldados americanos que lutaram no Vietnã foram expostos e desenvolveram linfomas. A população vietnamita desenvolveu câncer e diferentes malformações, pois os resíduos desse herbicida no ambiente são muito persistentes.
No Brasil, a fiscalização é rigorosa o suficiente para garantir que os alimentos contenham apenas as quantidades de agrotóxicos estabelecidas como seguras?
A lei dos agrotóxicos (7.802) ainda é bastante atual e semelhante às legislações de países de primeiro mundo. O nosso problema não está na lei, mas, sim, na fiscalização. As pulverizações aéreas irregulares, desvios de uso de indicação de cultura, descartes irregulares de embalagens contaminadas no campo, contrabando de agrotóxicos proibidos e aplicações acima das doses recomendadas são exemplos da gravidade do problema. A grande extensão territorial e o contraste entre as regiões dificultam uma fiscalização mais eficiente. Além disso, a estrutura de fiscalização e de recursos humanos está muito aquém da nossa realidade de extensão territorial.
O senhor acredita que a aprovação do projeto de Lei 6.299/2002 pode ter impacto direto sobre a saúde do consumidor e do trabalhador rural?
Com certeza esse novo projeto de lei vai trazer muito mais prejuízos à sociedade. Devido à complexidade do registro de agrotóxicos, não pode ficar centralizado em um único órgão. A avaliação dos perigos dos agrotóxicos sobre a saúde humana é dever legal do Ministério da Saúde, por meio da Anvisa. Assim como os riscos ao ambiente, que é de competência do Ministério do Meio Ambiente, por meio do Ibama. O mercado de agrotóxicos no Brasil movimenta bilhões de dólares por ano, e é público e notório que o Estado Brasileiro é corrupto. Esse novo projeto de lei facilita a ação de lobistas e as pressões da indústria, além de flexibilizar o uso de agrotóxicos, que na lei atual deveriam ser restringidos ou mesmo proibidos.