[SAIBAMAIS]No caso de Luan, descrito pela mãe como um jovem alegre e extrovertido, Sibely acredita que a ajuda médica chegou tarde. Ele deu sinais de estar com depressão depois de sofrer uma lesão na coluna que o fez acreditar na possibilidade de ficar tetraplégico. ;O Luan sentia muita dor, mas não era nada grave, era uma contusão de ter feito exercício errado. Mas ele botou na cabeça que não ia mais andar e entrou em depressão. Levei ao médico, que passou remédios e disse que ele ficaria bom em uma semana. Duas semanas depois da consulta, ele morreu.;
Com base nos atos e nas tentativas, pesquisadores estabeleceram fatores de risco do suicídio (veja quadros abaixo), que, contudo, deve ser entendido como um fenômeno complexo e associado a múltiplas causas. ;O comportamento suicida é multifacetado. Sabemos que boa parte dos casos pode apresentar sinais e sintomas de algum transtorno mental, sobretudo de depressão, mas isso não é universal;, observa Érica Assunção Carmo, pesquisadora da Pós-Graduação em Enfermagem e Saúde da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia e autora de dois artigos sobre o tema publicados em revistas científicas. ;Às vezes, a ideação suicida pode ser totalmente silenciosa, por isso a importância da atenção e da orientação dos familiares, por serem as pessoas mais próximas desses indivíduos;, alerta.
;Queria sumir;
O psiquiatra Humberto Corrêa, presidente da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio (Abeps), recomenda a parentes e amigos que fiquem atentos a alguns sinais indicativos de adoecimento mental, como depressão. Estudos identificaram que mais de 96% das pessoas que morreram por suicídio tinham recebido algum diagnóstico psiquiátrico. ;No geral, o indivíduo falou com pessoas próximas sobre o desejo de tirar a própria vida, disse que estava cansado de viver. Muitos pensam que é chantagem emocional. Mas mesmo que seja, a forma que se está fazendo isso já é doentia e merece atenção;, observa.
Algumas frases servem de alerta, diz o psiquiatra Antônio Geraldo da Silva, diretor e superintendente técnico da Associação Brasileira de Psiquiatria (APB). ;Queria sumir; e ;O mundo vai ficar muito melhor sem mim; são algumas delas. No caso de adultos, o especialista afirma que o desejo súbito de ;colocar ordem; nas finanças é um importante indicativo. ;De repente, a pessoa começa a resolver tudo, paga IPTU, orienta herança;, observa. ;Quando a pessoa está deprimida há muito tempo e tem uma melhora súbita, isso também pode ser um sinal;, ensina o médico.
Saber dizer
Da mesma forma que é preciso saber ouvir, os especialistas insistem na necessidade de dizer a coisa certa. O diretor da APB recomenda que jamais se fale ;tenha força, coragem, fé; ou ;deixe de frescura e preguiça; e, ainda, frases motivacionais, como ;a vida é tão bonita;. ;Em vez disso, diga que está sempre ao lado dela e que vai ajudá-la a procurar tratamento;, sugere. Tão importante quanto não deixar a pessoa sozinha são tirar o acesso a possíveis meios suicidas. ;Restringir o acesso a métodos letais, como arma de fogo, funciona. Parte migra para outros métodos, mas sempre em uma proporção menor;, afirma o presidente da Abeps, Humberto Corrêa.
Antônio Geraldo da Silva defende a adoção de medidas coletivas de enfrentamento ao problema. Ele conta que tem um projeto pronto para implementação do selo amarelo nas construções ; uma certificação de que as edificações impedem tentativas de suicídio, como janelas que não se abrem totalmente e pontes com proteção ; mas, segundo ele, até hoje, nenhum governo se interessou pela ideia. Em março, um prédio no centro de Londres foi usado em uma campanha contra o suicídio. Oitenta e quatro estátuas foram colocadas no topo do edifício para lembrar que, semanalmente, o mesmo número de homens cometem o ato extremo no Reino Unido.
Avanço entre jovens e idosos
Os estudos populacionais apontam que faixa etária é um importante fator de risco para o suicídio. No Brasil, o Mapa da Violência de 2014, publicação organizada pelo sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, informou que, de 1980 a 2012, o número de suicídios entre pessoas com mais de 60 anos aumentou 215,7%. O primeiro boletim epidemiológico nacional sobre o assunto, divulgado pelo Ministério da Saúde no ano passado, mostrou que as taxas de suicídios são maiores em idosos a partir de 70 anos ; 8,9 mortes por 100 mil habitantes de 2011 a 2016, contra 5,5 da média nacional no mesmo período.
;As altas taxas de suicídio em idosos podem ser reflexo das modificações promovidas pela transição demográfica. Um dos efeitos analisados nesse processo é o envelhecimento populacional;, observa a enfermeira Emelynne Gabrielly de Oliveira Santos, mestre em saúde coletiva pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e autora principal de um artigo sobre o tema publicado na Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia. A pesquisadora lembra que os homens são ainda mais suscetíveis. ;Alguns estudos apontam que, na velhice, quando a vida profissional cessa, a maioria dos homens atribui a nova fase da vida à falência do papel tradicional de provedor econômico e de referência familiar.;
Convívio familiar
Também preocupa o avanço dos casos entre crianças e adolescentes. Em 2015, essa foi a sétima causa de mortalidade entre brasileiros de 10 a 14 anos, e a terceira entre jovens de 15 a 29, faixa etária que tem taxa de nove ocorrências em cada 100 mil pessoas. Alguns estudos estão ajudando a compreender o fenômeno.
No Canadá, uma pesquisa realizada no Hospital St. Michael constatou que adolescentes de 12 a 17 anos retirados do convívio familiar têm risco duas vezes superior de tentar suicídio mais de uma vez, comparado a outros jovens que também já foram atendidos em emergências com lesões autoprovocadas. Da mesma forma, meninos e meninas com diagnóstico de doença mental apresentaram risco dobrado de uma segunda tentativa.
Mundialmente, 19,8% dos adolescentes têm ideações suicidas e, entre 3% e 8%, já fizeram tentativas, segundo o psiquiatra Paramala J. Santosh, do Grupo Acadêmico de Saúde Mental da Criança e do Adolescente do King;s College de Londres. Além dos transtornos de humor, do abuso de álcool e outras substâncias e de tentativas anteriores, ele destaca efeitos da mídia, histórico familiar, adversidades familiares, alienação social, disponibilidade de meios e exposição ao comportamento suicida como fatores de risco.
Em um comunicado divulgado pelo Colégio Europeu de Neuropsicofarmacologia, Santosh faz um alerta: ;A progressão de ideação suicida para a automutilação e, daí, para o suicídio não é absoluta. A automutilação pode escalar, e isso pode ser um marcador para suicídio. O risco de suicídio entre pacientes que se mutilam é centenas de vezes maior do que na população em geral;.
Números no Brasil
Principais fatores de risco
Fatores de proteção
- Ausência de doença mental
- Bom suporte familiar
- Laços sociais
- Religiosidade (independentemente da afiliação religiosa)
- Conviver com crianças em casa
Mitos sobre o suicídio
- Suicídio é uma decisão individual e de livre arbítrio
- Quando uma pessoa pensa em suicídio, terá esse risco para sempre
- Tentar suicídio é só uma ameaça
- Não se deve falar sobre o tema
- A mídia não deve abordar o assunto