Há na mata atlântica e na caatinga frutas que podem ajudar no combate a doenças cada vez mais incidentes na população, como o diabetes e a depressão. Esse potente pomar, porém, é pouco conhecido pela ciência, admitem pesquisadores. Na tentativa de explorá-lo, uma equipe da Escola Superior de Agricultura Luiz Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP), estuda os potenciais antioxidantes e anti-inflamatórios de 10 frutas brasileiras ; a maioria delas também desconhecidas entre as pessoas comuns.
"As frutas nativas estudadas apresentam compostos bioativos com atividades antioxidante e anti-inflamatória e, quando consumidas regularmente como alimentos funcionais, podem ajudar na prevenção de doenças crônicas não transmissíveis;, resume, em comunicado, Jackeline Cintra Soares, autora do estudo, que será publicado na revista científica Food Chemistry.
As frutas estudadas foram araçá-boi, cambuití-cipó, murici vermelho, murici guassú, morango silvestre, cambuci, jaracatiá-mamão, juquirioba, fruta do sabiá e cajá. Os pesquisadores analisaram os extratos etanólicos das polpas das frutas para medir a capacidade de sequestro de radicais livres ; que podem causar a degradação celular, entre outros efeitos maléficos ao corpo humano.
Das frutas mapeadas, cinco mostraram maior atividade antioxidante e/ou anti-inflamatória: araçá-boi, cambuití-cipó, murici vermelho, morango silvestre e cajá (veja quadro). ;Os animais tratados com elas apresentaram reduções no influxo de neutrófilos;, explica Soares. Os neutrófilos são células responsáveis pela defesa e pela imunidade do organismo ; alto nível dessas estruturas no sangue pode indicar a ocorrência de infecção ou inflamação.
A presença de compostos fenólicos, grupo de antioxidantes que combatem os radicais livres, também foi um critério considerado pela equipe, com destaque também nas cinco frutas. Segundo a autora, nos experimentos, elas apresentaram importantes atividades antioxidantes e anti-inflamatória, além de grande biodiversidade de compostos bioativos. ;Entre eles, ácidos fenólicos e flavonoides, que têm atraído grande interesse por pesquisadores de todo o mundo devido às bioatividades e à possibilidade de prevenção de doenças crônicas degenerativas não transmissíveis;, acrescenta.
Professora titular do Departamento de Química da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Jacqueline Aparecida Takahashi explica que os compostos fenólicos têm sido cada vez mais associados a benefícios para o organismo, como proteção contra doenças coronárias e câncer. Fernanda Bassan, professora do curso de nutrição da Universidade Católica de Brasília, acrescenta que a presença de compostos bioativos também podem prevenir e ajudar no tratamento de diabetes, doenças neurodegenerativas e da depressão.
Valorização nacional
Além da busca pelo potencial terapêutico das frutas, a valorização dos produtos nacionais motivou os integrantes do estudo ; que contou com a parceria de cientistas da Faculdade de Odontologia da Universidade de Campinas (Unicamp). ;As frutas nativas são um patrimônio nacional, porém ainda pouco valorizado pela população, principalmente pelo desconhecimento. Por exemplo, das 20 principais frutas consumidas pela população brasileira, apenas três são nativas: goiaba, maracujá e abacaxi;, detalha Jackeline Cintra Soares.
Fernanda Bassan compartilha da opinião da pesquisadora. ;Estamos muito acostumados a comprar frutas vermelhas, como amora, framboesa e morango, por terem antioxidantes, achando que o que vem de fora é melhor. Mas essas frutas acabam sendo mais caras. Há frutas aqui do Brasil que também são riquíssimas nesses compostos;, ressalta.
Segundo os autores do estudo, incentivar o consumo de frutas nativas também pode contribuir para o alcance da média de ingestão de frutas e vegetais diárias no país. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que o consumo per capita seja de 146kg ao ano. No Brasil, não chega à metade: 57kg, segundo o Instituto Brasileiro de Frutas. ;Outro ponto importante é que as indústrias vêm buscando antioxidantes naturais para substituir os sintéticos, e as frutas nativas são grandes fontes inspiradoras nessa questão;, complementa Jackeline Cintra Soares.
Sem agrotóxico
Professor de tecnologia de alimentos da Universidade Católica de Brasília, Marcus Cerqueira chama a atenção para a forma como as frutas são cultivadas. Aquelas que crescem livres de agrotóxicos, em ambiente natural, com muito ataque de insetos, bactérias e fungos, criam substâncias de defesa que são passados para a fruta ou para a flor. ;Quando consumimos essas substâncias bioativas, os compostos fenólicos, elas vão ter uma ação muito parecida no nosso organismo, agindo como antioxidante, com atividade anti-inflamatória;.
Segundo Cerqueira, outras características da plantação também beneficiam o potencial terapêutico da colheita. Estudos têm mostrado que, em frutas do cerrado, frio intenso, restrição hídrica, queimadas, fungos e bactérias exigem uma capacidade maior de se defender, que chegue ao consumidor. ;Elas criam substâncias poderosas com o mesmo potencial das frutas citadas na pesquisa da USP. O pequi, o buriti e o cajuzinho-do-cerrado tem substâncias muito parecidas;, lista.
* Estagiária sob supervisão da subeditora Carmen Souza.