Ele tinha 27 anos, era guerreiro e tombou em um campo de batalha de Omnogobi, na Mongólia, há 2.120 anos. Muito tempo antes, sete mil anos atrás, um provável agricultor, com idade entre 25 e 30 anos, morreu de causa desconhecida em um vale onde hoje fica o centro da Alemanha. Em Szczepankowice, vilarejo do condado da Breslávia, no sudeste da Polônia, a vítima foi uma mulher de estimados 37 anos, que, além de ajudar no campo, provavelmente era responsável pelas tarefas domésticas da casa, há mais ou menos 3.851 anos. Separadas por milênios e diferentes culturas, essas pessoas, porém, tinham algo em comum. As três eram portadoras do vírus da hepatite B, um micro-organismo que, hoje, afeta 257 milhões de pessoas, sendo que 887 mil morreram em decorrência da doença em 2015.
Até hoje, acreditava-se que esse vírus não tivesse mais que 500 anos. De origem e evolução desconhecidas, ele foi identificado, no início do ano, na múmia de uma criança italiana do século 16 ; então, a mais antiga paciente da doença. Porém, dois grupos distintos de pesquisadores apresentaram provas, nesta semana, de que o micro-organismo está entre os homens há muito mais tempo que isso.
Os trabalhos, publicados na plataforma bioRxiv e na revista Nature, são considerados inovadores principalmente por dois aspectos. Primeiro porque entender a história evolutiva de um patógeno é fundamental para desenvolver estratégias de combate mais eficazes. Em segundo lugar, embora o DNA de antigas bactérias, incluindo a peste, já tenha sido sequenciado, esta é a primeira vez que se faz o mesmo com um vírus milenar. Isso porque o genoma desse organismo é tão pequeno e estruturado de maneiras tão complexas que é praticamente impossível conservá-lo em milhares de anos.
Surpresa
O mais antigo vírus sequenciado até hoje tinha algumas centenas de anos. Agora, o mais antigo tem 7 mil. Ele foi extraído do osso do dedo de um homem que viveu em uma região onde hoje é a Alemanha pela equipe de Ben Krause-Kyora e Johannes Krause, pesquisadores do Instituto Max Planck da Ciência da História Humana, em Jena. Os cientistas, que fizeram a publicação preliminar do resultado na plataforma bioRxiv, também recuperaram amostras do micro-organismo em fósseis de humanos de 1 mil e de 5 mil anos.
O sequenciamento revelou dados intrigantes, disseram os pesquisadores. Todos os vírus milenares da hepatite B analisados eram bem diferentes dos encontrados nas populações modernas e se aproximam mais daqueles que infectam gorilas e chimpanzés na África. No total, cinco amostras desse e do outro trabalho, publicado na Nature por uma equipe das universidades de Copenhague e de Cambridge, tinham essa característica. A conclusão é que a cepa que entrou na Europa ocidental há milhares de anos foi extinta, mais tarde, nos homens. Porém, sobreviveu em outros primatas. Os cientistas ainda não sabem, porém, quem infectou quem.
No estudo da Nature, os pesquisadores investigaram 304 amostras de pessoas que viveram na Eurásia entre 200 e 7 mil anos atrás, buscando sinais do vírus da hepatite B. Em 25 esqueletos (o mais velho com 4,5 mil anos), eles encontraram o micro-organismo. Depois de sequenciá-los, os cientistas conseguiram 12 diferentes genomas virais. Enquanto os DNAs dos fósseis europeus eram diferentes do encontrado no vírus moderno, os asiáticos se parecem com os que hoje infectam pessoas no oeste europeu, no Caribe e na África ocidental. Essas informações, de acordo com os especialistas, vão ajudar a entender melhor os padrões migratórios do homem fora do continente africano, além de fornecer informações a respeito da evolução viral.
Para conseguir investigar o genoma de um organismo tão pequeno em amostras tão antigas, os cientistas utilizaram uma técnica chamada sequenciamento shotgun (ou clonagem shotgun), que picota longas fitas de DNA aleatoriamente e clona os fragmentos. Geralmente, nesse processo, DNA não humano, fruto de infecções e outras contaminações ao longo da vida, é descartado. ;Porém, agora começamos a prestar atenção nesse lixo;, contou o geneticista Eske Willerslev, da Universidade de Copenhague, em uma teleconferência de imprensa.
;Achamos que essa técnica vai revolucionar o estudo do DNA antigo. Agora, podemos detectar a presença de genomas virais ao longo do tempo, sem precisar de uma evidência física de sua existência;, disse Barbara Mühlemann, pesquisadora da Universidade de Cambridge que liderou o estudo publicado na Nature. A criança italiana que, até agora, era a mais antiga paciente da hepatite B, por exemplo, só foi considerada portadora do vírus devido às marcas características da doença no rosto. ;Ainda temos muito a investigar a partir das descobertas feitas, mas já podemos começar a descartar alguns pressupostos. Por exemplo, há tempos se especula que a hepatite B teve origem no Novo Mundo e daí se espalhou para a Europa. Agora podemos dizer que isso, com certeza, não é verdade;, afirmou Willerslev, adiantando que a equipe, agora, trabalha em um catálogo de possíveis mutações históricas do vírus.
;Ainda temos muito a investigar a partir das descobertas feitas, mas já podemos começar a descartar alguns pressupostos. Por exemplo, há tempos se especula que a hepatite B teve origem no Novo Mundo e, daí, se espalhou para a Europa. Agora podemos dizer que isso, com certeza, não é verdade;
Eske Willerslev, geneticista e pesquisador da Universidade de Copenhague