Até hoje, a ciência sustenta que o período ideal de aprendizado de um segundo idioma é a primeira infância. Porém, um novo estudo mostra que essa janela pode se estender à maioridade, uma boa notícia para quem não teve oportunidade de frequentar cursos de línguas tão cedo. Por meio de um questionário on-line, uma equipe do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) encontrou evidências de que, até os 18 anos, é possível desenvolver habilidades escritas e orais de outro vernáculo com a mesma facilidade de uma criança. Para os pesquisadores, que analisaram as respostas de mais de 600 mil pessoas, a descoberta tem muito a contribuir na área educacional.
Os autores do estudo explicam que as evidências sugerem que é mais difícil aprender uma nova língua quando adulto, comparado à infância, o que levou a ciência a propor a existência de um período crítico para esse aprendizado. Apesar disso, a duração da fase facilitadora e suas causas permanecem desconhecidas. ;Até agora, tem sido muito difícil obter todos os dados necessários para responder à pergunta: quanto tempo dura esse período?;, diz Josh Tenenbaum, professor de ciências cerebrais e cognitivas do MIT e principal autor do artigo, publicado na revista Cognition. ;Essa é uma daquelas raras oportunidades na ciência em que conseguimos trabalhar em uma questão muito antiga e ter uma nova perspectiva sobre ela;, complementa.
Tenenbaum explica que acompanhar as pessoas, à medida que elas aprendem uma língua por vários anos, é algo difícil e demorado, o que exigiu uma abordagem diferente de estudo. Os cientistas decidiram coletar dados de centenas de milhares de pessoas em estágios distintos do aprendizado de inglês. Diante do desafio de atrair um número expressivo de participantes, eles criaram um teste gramatical divertido o suficiente para se tornar viral. Com a ajuda de alguns alunos de graduação do MIT, Tenenbaum criou perguntas atrativas, elaboradas para revelar qual dialeto de inglês o candidato falava. Elas também revelariam erros comuns, como determinar se uma sentença é gramaticalmente correta, por exemplo.
A estratégia funcionou. Horas depois de ser postado em uma grande rede social, o questionário de 10 minutos se tornou viral. Depois de fazer o teste, os usuários deveriam revelar quantos anos tinham e a idade em que começaram a estudar inglês, além de outras informações sobre o histórico de aprendizado. No total, os pesquisadores coletaram dados de 669.498 pessoas, que foram analisados minuciosamente por meio de modelos computacionais. ;Tivemos que desmembrar quantos anos o participante estudou a nova língua, quando ele começou a falar e que tipo de exposição recebeu: ele aprendia em uma aula ou era imigrante em um país de língua inglesa?;, detalha.
Por meio das análises, os cientistas descobriram que a capacidade de aprendizagem gramatical permanece forte até os 17 ou 18 anos. Os dados sugerem que o período crítico para aprender a língua é muito mais longo do que os cientistas cognitivos pensavam anteriormente. ;Foi surpreendente para nós. A maioria dos debates sobre esse tema levantava questões muito diferentes do que encontramos, como, por exemplo, se o declínio ocorria desde o nascimento ou diminuía a partir dos 5 anos de idade;, conta Joshua Hartshorne, professor-assistente de psicologia na Universidade Boston College, pesquisador do MIT e também autor do estudo.
Plasticidade
Os pesquisadores observaram ainda que os adultos conseguem aprender línguas estrangeiras, mas não podem atingir o nível de um falante daquele idioma, padrão que só pode ser alcançado quando os estudos têm início durante a infância, até os 10 anos. Os pesquisadores ainda tentam entender as causas das conclusões do estudo, mas sugerem que fatores culturais podem desempenhar um papel importante, além de mudanças na plasticidade cerebral (capacidade do cérebro de mudar ao longo da vida) que ocorrem em torno dessa idade. ;É possível que haja uma alteração biológica. Também é possível que seja algo social ou cultural;, diz Tenenbaum. ;Em muitas sociedades, depois dos 18 anos você sai de casa. Talvez trabalhe em período integral ou se torne um estudante universitário especializado. Tudo isso pode impactar a taxa de aprendizagem para qualquer idioma;, complementou Hartshorne.
Amauri Araújo Godinho, neurologista do Hospital Santa Lúcia e membro titular da Sociedade Brasileira de Neurologia (SBN), destaca que a pesquisa americana merece atenção, pois utiliza um grande número de indivíduos para análise. Ele também ressalta que as constatações do estudo mudam as conclusões anteriores sobre o aprendizado de uma segunda língua. ;Já sabemos, até por meio da cultura popular, que a criança possui uma capacidade maior de aprender outra língua, mas nessa pesquisa vemos como esse processo se estende até os 18 anos e só depois começa a decair. Porém, como os autores citam, não sabemos ao certo os fatores que são responsáveis por isso;, frisa o especialista.
Godinho concorda com os cientistas americanos que uma série de questões pode estar relacionada aos resultados encontrados. ;Acreditamos que esse processo de aprendizado pode ser influenciado por fatores biológicos, como mudanças na plasticidade cerebral. Sabemos que, ao sofrer danos neurais, a recuperação de pessoas mais jovens é mais rápida do que a de idosos;, diz.
Marije Soto, pesquisadora colaboradora do Instituto D;Or e professora adjunta da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), também acredita que o estudo traz dados importantes, mas ressalta que as causas precisam ser mais esclarecidas. ;Os pesquisadores mencionam algumas (razões), mas são apenas especulações, não temos como saber se seriam realmente essas causas, podem haver ainda outras questões envolvidas;, assinala.
A especialista também destaca no estudo a observação de que a capacidade de aprendizado é limitada. ;É interessante ver que, mesmo ao alimentar a mente com estímulos, algo que pode ajudar a aprender outra língua, claramente temos limites. Vemos que atingir a proficiência de uma pessoa originária do país quando se aprende a língua como adulto é algo impossível;, diz. Soto também acredita que a pesquisa pode ser ampliada e, assim, ajudar a entender de forma mais profunda e detalhada o processo de aprendizagem. ;Analisar ainda mais esse tema pode nos ajudar a entender quais as causas estão envolvidas nessas medidas relacionadas à idade e ao aprendizado e, dessa forma, podemos compreender como o cérebro é influenciado por diferentes métodos de estudo, por exemplo;, opina.
Três perguntas para Rafael Vinhal, psiquiatra infantil do Instituto Castro e Santos, em Brasília
Para o senhor, qual é o destaque da pesquisa?
Foi analisado o aprendizado de mais de 670 mil pessoas na gramática da língua inglesa. É um número bastante significativo de pessoas. E as descobertas sugeriram que a curva de aprendizado é mais longa do que se pensava anteriormente, ou seja, até aproximadamente 18 anos. Anteriormente, imaginava-se que a maior curva se daria até os 5 anos, com um declínio significativo a partir da puberdade.
Acredita que essas descobertas podem ajudar a área de educação infantil?
Elas podem auxiliar a implementação de políticas públicas de educação, de forma que seja incentivado o aprendizado de novos idiomas antes dos 10 anos, a fim de que o sujeito tenha a oportunidade de adquirir uma maior proficiência gramatical. E de igual forma, talvez não seja interessante pressionar crianças a aprenderem novos idiomas e gramáticas muito antes dessa idade. Não deve haver exageros. Também é válido para incentivar os adolescentes que ainda não iniciaram o aprendizado de um novo idioma e gramática. Ou seja, ainda há janela de oportunidade e é possível adquirir a proficiência gramatical.
Quais perguntas sobre esse tema ainda precisam ser respondidas?
É preciso que o estudo seja replicado em outros idiomas, bem como que seja realizado tanto para a gramática quanto para a fonética. Dessa forma, seria possível responder em qual faixa etária é maior a curva de aprendizado, tanto para a fluência oral quanto para a proficiência gramatical de novos idiomas em geral, e não apenas a proficiência gramatical da língua inglesa.