Fernando Jordão, Tarcila Rezende*
postado em 22/03/2018 18:33
Traumas de infância, estresse, medo do fracasso... As causas são diversas, mas o problema é um só: a fobia de dirigir. Segundo estimativa da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), o mal atinge cerca de dois milhões de brasileiros. Para se ter ideia, o número é quase o mesmo que as populações do Acre, do Amapá e Roraima somadas. Ainda de acordo com a Abramet, as mulheres correspondem a 80% desse total.
Médico e um dos diretores da Abramet, Dirceu Rodrigues Alves Júnior explica que o trânsito pode provocar tensão, estresse, desgastes físico e mental, e transtornos comportamentais, como o Transtorno Explosivo Intermitente (TEI), que dá origem a ataques de raiva. Para vencer o medo, Direceu conta que é fundamental identificar a origem do problema.
"É necessário saber o agente causal. Depois, eles serão tratados convenientemente, estudando os problemas internos ou primários. O TEI, por exemplo, não é um problema psiquiátrico. É um distúrbio comportamental que demanda terapia e um tratamento com um psicólogo para conter a fúria", detalha.
O medo de dirigir também pode estar relacionado a algum trauma, segundo Júnior. A contadora Eliana Regina, de 54 anos, tirou a habilitação em 1992. À época, até chegou a dirigir sem medo pelas ruas de Brasília. "Eu ia trabalhar de carro e levava meu filho à escola, não tinha nenhum problema". Tudo corria bem até que Eliana se mudou para Marília, interior de São Paulo, e bateu o carro. A partir daí, ela conta que começou a ficar com muito medo de se envolver em outro acidente e ter de gastar mais dinheiro ou passar por mais desgastes emocionais.
O acidente ocorreu ainda na década de 1990, mas, até hoje, a contadora não voltou a dirigir. Ainda que o medo a assombre, Regina admite que o comodismo a atrapalhou neste percurso. "Para trabalhar, eu consigo carona, mas nos fins de semana eu fico presa à minha filha, que me leva aos lugares. Mas eu não quero mais ficar dependente dela", diz, esperançosa de voltar a pegar ao volante ainda este ano.
Prejuízos por não dirigir
Não conseguir levar os filhos a algum lugar é apenas um dos transtornos que a fobia de dirigir pode provocar. Há quem chegue a perder oportunidades de emprego pelo medo de segurar o volante, e os prejuízos são fatores que levam as pessoas a procurarem ajuda.
A psicóloga Neuza Corassa estuda as fobias relacionadas ao trânsito há 20 anos. Autora do livro Vença o medo de dirigir, ela estima que 80% das pessoas que buscam auxílio para vencer o medo já têm CNH. Entre eles, a grande maioria já perdeu alguma oportunidade pelo medo de dirigir. A especialista separa os indivíduos com fobia em três níveis: os que nunca conseguiram tirar a habilitação, os que acabam desistindo antes da prova e os que esperam se aposentar para começar a conduzir.
O problema desse terceiro grupo é que, com o passar dos anos, a fobia pode piorar. ;Com a idade, começam a aparecer problemas degenerativos. Então, as pessoas passam a ter um temor maior no trânsito por conta das limitações de visão, audição, dos reflexos e das respostas motoras;, explica Dirceu Júnior.
Foi o que aconteceu com a juíza aposentada do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) Wilde Maria, de 61 anos. Ela tirou a carteira em 1980, aos 27 anos e, desde então, nunca mais dirigiu. ;Eu acho que demorei demais, quando a gente tira a CNH com 18 anos fica mais corajoso. Quanto mais idade, mais medo nós temos", pondera.
No caso da magistrada, também contribuiu para a fobia o fato de ela ter trabalhado em varas criminais de delitos de trânsito. "Eu vi a responsabilização de gente que se envolveu em acidentes com morte e tudo isso reforçou o meu entendimento de que o carro é uma arma", afirma. "A responsabilidade de dirigir é muito grande. Todo mundo diz que é automático, mas para mim é muito difícil", acrescenta.
Vencendo o medo
Parar de ver o veículo como uma arma é o primeiro passo para superar a fobia. ;É comum entender que o carro é uma máquina perigosa, principalmente para quem está começando. Os iniciantes temem acidentes e são muito cautelosos. Com o tempo, eles vão perdendo isso e passam a atuar sem medo;, afirma o diretor da Abramet.
Se o medo inicial não passar, pode ser a hora de buscar ajuda especializada. Embora ela não seja necessária em todos os casos, segundo Neuza Corassa. ;Nem todo mundo vai precisar de um psicólogo. O que precisa é de um plano de trabalho de três a quatro meses para ir se aproximando do carro aos poucos. As pessoas às vezes querem partir para o tudo ou nada e não é assim;.
É o que vai tentar fazer a gestora de Recursos Humanos Bruna de Lima, de 25 anos. Habilitada há três, ela nunca dirigiu. ;Meu maior medo vem da falta de domínio, por não conhecer, por não saber exatamente o que fazer com o carro e pelo receio de não poder controlar as outras pessoas que estão no trânsito;, conta.
Agora, após o nascimento da filha, a rotina intensa passou a demandar um veículo: ;É uma questão de necessidade mesmo. Tenho os compromissos do dia a dia e no fim de semana quero sair para algum momento de lazer, mas sempre dependo de ônibus ou de outras pessoas;. Por isso, mesmo sem ainda ter vencido a fobia ou buscado auxílio psicológico, ela decidiu comprar um carro. ;Eu queria que o medo passasse por milagre, mas infelizmente não é possível. Acho que, a partir do momento que eu tomar coragem, vou adquirindo experiência e conhecimento, e o medo vai desaparecer;, finaliza.
Curso
O Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF) oferece um curso de iniciação à Superação do Medo de Dirigir para pessoas habilitadas que ainda não venceram a fobia do trânsito. Desde 2007, 2.824 alunos já participaram das aulas teóricas. No fim do curso ; cuja carga é de 32 horas ;, os estudantes ainda participam de um encontro para compartilharem os avanços conquistados. De acordo com o Detran, uma nova turma deve ser aberta em abril. Quem tiver interesse, pode ficar de olho no site da autarquia.
*Estagiária sob supervisão de Ana Letícia Leão.