O trabalho conta com o auxílio de uma investigação maior, o Harvard Aging Brain Study (HABS), uma pesquisa observacional sobre idosos iniciada em 2010 nos Estados Unidos. Desse banco, a equipe selecionou 270 americanos, homens e mulheres, cognitivamente normais, com idade entre 62 e 90 anos e sem distúrbios psiquiátricos. Os participantes foram, então, submetidos a exames de imagem de base, comumente usados em estudos de Alzheimer, e a avaliações anuais com a Escala de Depressão Geriátrica de 30 itens (GDS), utilizada para detectar a depressão em adultos mais velhos.
;Essa escala foi incluída como uma das medidas clínicas porque sabemos que a depressão é um fator de risco para o declínio cognitivo, embora os mecanismos biológicos que explicam essa associação ainda não sejam entendidos;, explica ao Correio Nancy Donovan, psiquiatra geriátrica no Brigham and Women;s Hospital e uma das autoras do estudo. A cientista conta que, em vez de olhar para a depressão como um todo, ela e os colegas optaram por investigar a ansiedade, um dos sinais depressivos. ;Ao compará-los com outros sintomas característicos da depressão, como tristeza ou perda de interesse, os de ansiedade aumentaram com o tempo nos pacientes que demonstraram um nível mais alto de beta-amiloides no cérebro;, afirma.
A equipe analisou os dados considerando três sintomas de depressão: apatia anedonia (falta de energia e capacidade de sentir prazer), disforia (mudança repentina de humor) e ansiedade. Todos os dados foram avaliados ao longo de cinco anos. Os cientistas também chegaram à conclusão de que níveis mais altos de beta-amiloide podem estar associados com sintomas de ansiedade crescente, e que esse fenômeno pode ocorrer 10 anos antes do surgimento do Alzheimer. ;Nós hipotetizamos que a ansiedade pode ser uma manifestação neuropsiquiátrica da doença de Alzheimer precoce e que a acumulação da proteína dessa doença pode dar origem a uma depressão aumentada ao longo do tempo;, ressalta Nancy Donovan.
Prevenção
Para Luciano Talma, neurologista do Instituto Castro e Santos, em Brasília, o trabalho norte-americano utiliza uma via investigativa promissora. ;É um tema que tem sido bem explorado nos últimos anos. Antes de desenvolver o comprometimento da doença, o Alzheimer tem seus biomarcadores, como o acúmulo de beta-amiloide. Os cientistas relacionaram esse aumento com os sintomas psiquiátricos. Essa é uma busca de possíveis sintomas precoces da doença que poderia ajudar em intervenções realizadas mais cedo;, afirma. ;O objetivo de estudos como esse é identificar grupos que possam se beneficiar de tratamentos de prevenção, mostrando como as doenças neuropsiquiátricas podem ser consideradas um fator de risco para esse problema de saúde.;
Nancy Donovan ressalta a aplicabilidade do seu estudo seguindo a mesma linha. ;Em última análise, esperamos ser capazes de identificar subgrupos importantes de adultos de alto risco, mesmo antes do comprometimento cognitivo, com base em fatores biológicos, alterações de comportamento da beta-amiloide e sintomas neuropsiquiátricos;, diz. ;Se mais pesquisas comprovarem a ansiedade como um sintoma precoce, a descoberta seria importante não apenas para identificar pessoas com a doença, mas também para iniciar o tratamento e potencialmente diminuir ou prevenir o seu desenvolvimento.;
A cientista americana destaca, ainda, que um maior acompanhamento dos pacientes é necessário para determinar se os sintomas depressivos crescentes darão origem a depressões clínicas e estados de demência. O próximo passo da equipe será avaliar outros fatores que expliquem melhor a relação entre ansiedade e Alzheimer. ;Será importante estudar possíveis efeitos recíprocos: maior depressão leva ao aumento da carga da beta-amiloide ao longo do tempo no estágio pré-clínico da doença de Alzheimer?;, questiona Nancy Donovan.
Já com os atuais resultados, Luciano Talma acredita ser possível fazer um alerta sobre a importância dos cuidados com distúrbios de comportamento na população idosa. ;Essas pesquisas reforçam a necessidade de tratamentos adequados para pacientes que sofrem desses transtornos, principalmente a depressão. Não só ela, também a hipertensão, a obesidade e outros fatores cardiovasculares que precisam ser bem tratados para evitar o surgimento de complicações maiores, como o Alzheimer;, explica. O especialista reforça, ainda, que os cuidados preventivos não se limitam a abordagens médicas. ;É importante cuidar da alimentação, realizar a psicoterapia, ou seja, é um conjunto de fatores que fazem parte da prevenção desse problema de saúde;, lista.