Os resultados dos testes com drogas antes apontadas como promissoras têm decepcionado a comunidade científica. Na semana passada, mais uma substância com potencial de modificar o curso da doença, o solanezumab, mostrou-se inócua. Enquanto a esperada cura não vem, outras frentes de pesquisas têm obtido bons resultados, na avaliação de médicos. Estudos publicados recentemente conseguiram sucesso na identificação de biomarcadores para detectar o Alzheimer antes que ele comece a se manifestar, aumentando as chances de intervenções capazes de retardar os sintomas. Ao mesmo tempo, abordagens não medicamentosas, como a estimulação cerebral, também parecem desencadear efeitos positivos sobre o declínio cognitivo.
Essas estratégias, ainda experimentais, servem de paliativo para uma doença que afeta 17 milhões de pessoas, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), e que tem sido um quebra-cabeça com peças faltantes para a ciência. Na década de 1980, foram descobertas as principais marcas registradas do Alzheimer: as proteínas beta-amiloide e tau. Eram elas que Alois Alzheimer viu, desordenadas, tomando o cérebro do paciente August D. Em pessoas que não sofrem da doença, as duas substâncias ajudam a proteger e a constituir os neurônios. Mas, por motivos ainda desconhecidos, elas passam a destruir essas mesmas células (veja infográfico).
É de se perguntar por que uma doença descoberta há mais de 100 anos e exaustivamente pesquisada ainda não foi vencida pela medicina. ;Em primeiro lugar, talvez, não se tenha uma doença de Alzheimer só. Apesar de os fenômenos serem comuns, talvez existam várias doenças;, diz o neuropsiquiatra geriátrico Otávio Castello, diretor científico da Associação Brasileira de Alzheimer ; Regional DF e membro da American Geriatrics Society e Alzheimer;s Association. ;Mas o mais importante é que existe uma multiplicidade de aspectos bioquímicos envolvidos na destruição das células. Temos a cascata da beta-amiloide, que é uma via da destruição, e a tau. Imagina que se pense em uma vacina contra a tau deficiente. A gente sabe, hoje, que existem seis tipos de tau no corpo. E aí, contra qual deles fazemos a vacina?;, exemplifica.
Outro problema é a complexidade do órgão-alvo da enfermidade. O cérebro é protegido por uma membrana para manter longe corpos estranhos, como vírus e outros micro-organismos. Porém, ela também dificulta a passagem de medicamentos. ;Encontrar drogas que possam passar pela barreira sangue-cérebro é o ;santo graal; da descoberta neurológica;, define Rong Xu, que lidera um projeto na universidade norte-americana de Case Western Reserve justamente para encontrar esse ;objeto milagroso;. Como não há mais tempo a perder ; a OMS estima que, em 2030, quase 12% da população sofra do mal ;, a equipe de Xu recebeu US$ 2,8 milhões de financiamento do Instituto Nacional do Envelhecimento dos EUA para pesquisar drogas no mercado que possam também tratar o Alzheimer.
Pistas sanguíneas
Essas particularidades exigem novos testes que detectem o risco da doença décadas antes de ela se instalar, defende Chin Hong Tan, pesquisador da Universidade da Califórnia, em São Francisco. Ele afirma que, hoje, muitos cientistas já acreditam que o Alzheimer não é uma doença do envelhecimento, mas um mal que permanece silencioso por décadas. Essa seria uma das causas de tantas drogas testadas em idosos com demência falharem nos ensaios clínicos. ;Temos de identificar aqueles em risco muito antes de mostrarem sintomas de demência. Então, podem ser tratados antes de a doença começar a devastar o cérebro;, justifica.
Um dos tipos de teste mais pesquisados atualmente é o de sangue, pela facilidade de coleta e preço baixo das análises. ;Um marcador sanguíneo para o Alzheimer pode ser valioso como ferramenta minimamente invasiva e custo efetivo para se adicionar aos testes genéticos atualmente disponíveis para a doença. A habilidade de detectar o Alzheimer nos estágios muito iniciais não apenas vai fazer com que as pessoas recebam o que há de tratamento o mais cedo possível, como permitir que novas drogas sejam testadas nas pessoas certas e no momento certo;, acredita a neurocientista Carol Routledge, diretora de pesquisa da Alzheimer;s Research, na Inglaterra.
Na semana passada, um estudo do Centro Nacional de Geriatria e Gerontologia de Obu, no Japão, teve boa repercussão entre a comunidade científica. A equipe de Katsuhiko Yanagisawa desenvolveu um biomarcador sanguíneo que detecta, no plasma, concentrações de beta-amiloide indicativas do início da doença, já que esse é o primeiro sinal fisiológico do Alzheimer. Em uma amostra de 121 pessoas, os resultados tiveram índice alto de precisão. Em nota, Yanagisawa lembrou que, hoje, o único exame capaz de identificar as placas de gordura no cérebro com a mesma acurácia é o PET scan, um diagnóstico por imagem que, além de caro, exige a injeção de contraste.
Sinais circadianos
Um outro sinal precoce da doença podem ser alterações no ciclo circadiano, o relógio biológico, segundo um artigo, publicado na quarta-feira, por cientistas da Universidade de Washington. Estudos anteriores da mesma equipe já haviam identificado flutuações nos níveis de beta-amiloide nos períodos de vigília e repouso. À noite, eles diminuem, elevando quando o sono é interrompido ou quando se dorme pouco, diz Yo-El Ju, pesquisadora sênior da equipe.
O trabalho de agora mostra que variações no ciclo circadiano ocorrem muito antes em pessoas com evidências pré-clínicas de Alzheimer no cérebro, embora ainda sem os sintomas, como perda de memória. ;No mínimo, essas interrupções no relógio biológico podem servir como biomarcador para a doença pré-clínica;, observa Ju. ;Queremos trazer os participantes do estudo de volta no futuro para sabermos se os problemas de sono e no ritmo do relógio biológico aumentaram o risco do Alzheimer ou se foram as alterações cerebrais da doença que provocaram isso.;
;Detectar o Alzheimer nos estágios muito iniciais não apenas vai fazer com que as pessoas recebam o que há de tratamento o mais cedo possível, como permitir que novas drogas sejam testadas nas pessoas certas e no momento certo;
Carol Routledge, neurocientista e diretora de pesquisa da Alzheimer;s Research
Neuromodulação tem resultados promissores
Uma abordagem que tem melhorado o aspecto cognitivo dos pacientes de Alzheimer, de acordo com pesquisas, é a estimulação do cérebro. Diferentes técnicas de modulação da atividade do órgão já foram estudadas, mas, por enquanto, são apenas experimentais. Uma delas é a estimulação magnética transcraniana (EMT), método não invasivo que, no Brasil, vem sendo usado clinicamente para tratamento de depressão e alucinação auditiva.
;Nossos neurônios funcionam por meio de eletricidade, a uma frequência por volta de 5hz. A EMT vai naquele lugar que você quer estimular por qualquer motivo que seja e coloca uma frequência diferente. Através da corrente elétrica do cérebro, você consegue estimular ou inibir qualquer área superficial;, explica o psiquiatra João Armando de Castro Santos, coordenador-geral de eletroconvulsoterapia e EMT do Instituto Castro Santos e membro da Sociedade Internacional de ECT e Neuroestimulação. ;Apesar de não se saber exatamente como isso acontece, a EMT tem mostrado bons resultados para a cognição. É uma terapêutica muito viável, mas, como tudo no Alzheimer, precisamos aprimorá-la;, observa o médico.
No Instituto Neurológico do Centro Médico Wexner da Universidade Estadual de Ohio, cientistas estão usando outro tipo de neuromodulação, a estimulação cerebral profunda, para melhorar os aspectos cognitivos dos pacientes de Alzheimer. No tratamento experimental, os voluntários receberam implantes semelhantes ao marcapasso cardiológico nos lobos frontais do cérebro. ;Essas regiões são responsáveis por nossa habilidade de solucionar problemas, nos organizar e planejar, e utilizar bons julgamentos. Ao estimulá-las, as habilidades cognitivas e funcionais dos indivíduos com Alzheimer declinam mais lentamente;, conta Douglas Scharre, diretor do centro médico e principal autor do estudo.