Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Ausência de bactéria aumenta as chances de desenvolver câncer de mama

Baixo nível de micro-organismo do gênero Methylobacterium pode estar relacionado à maior incidência do tumor, segundo pesquisa americana; descoberta abre a possibilidade de intervenções na microbiota para tratamentos e ações preventivas



Alterações na população de bactérias que habitam o corpo humano já foram associadas ao desenvolvimento de diversos tipos de câncer, como estômago, pele, cólon, fígado e pulmão. Agora, um estudo da Faculdade de Medicina Lerner da Clínica Cleveland, nos Estados Unido, constatou que a microbiota também pode estar relacionada ao câncer de mama, o mais frequente em mulheres no Brasil e no mundo, depois do câncer de pele não melanoma. Os pesquisadores descobriram níveis insuficientes de um gênero bacteriano chamado Methylobacterium no tecido da mama de mulheres com o tumor. Nas saudáveis, a quantidade circulante desse micro-organismo é normal.

Estudos anteriores examinaram a relação entre a microbiota intestinal e o risco de câncer de mama, sugerindo que as bactérias das vísceras podem regular os níveis de estrógenos, impactando no surgimento do tumor. Porém, esses trabalhos não investigaram o papel dos micro-organismos que vivem no tecido das mamas. Foi esse material que interessou, agora, a equipe do Instituto de Medicina Genômica de Cleveland.

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Charis Eng, presidente da instituição e principal pesquisador do estudo, explica que análises tanto do leite materno quanto do tecido das mamas mostram que essa é uma região com microbiota única e diversa, com algumas espécies derivadas da locomoção de micro-organismos da flora intestinal. ;Além de modular o sistema imunológico, essas bactérias da flora desempenham papel vital no metabolismo do estrógeno. Perturbações nesse sistema influenciam os níveis de produção do hormônio de seus metabólitos;, explica.

Segundo Eng, essa relação é tão forte que o aumento no uso de antibióticos foi associado ao crescimento da incidência de câncer de mama em uma pesquisa anterior envolvendo 2 mil mulheres. ;Os níveis locais de estrógeno, além dos que circulam na corrente sanguínea, também desempenham um papel no metabolismo desse hormônio. O que continua desconhecido é o papel dos micróbios do tecido das mamas no metabolismo local do estrógeno no surgimento do câncer, e se bactérias de outras partes do corpo, fora dos intestinos, são afetadas pelos distúrbios imunológicos associados ao câncer de mama;, diz.
Para investigar essa questão, a equipe da Clínica de Cleveland examinou amostras de tecido das mamas de 78 mulheres.
Dessas, 57 haviam feito mastectomia e 21 eram saudáveis e se submeteram à cirurgia nos seios por questões estéticas. Os pesquisadores também coletaram bactérias do trato urinário e da cavidade oral dessas mesmas participantes. ;A simples comparação do tecido do carcinoma invasivo e do tecido saudável não revelou grandes diferenças na diversidade do conteúdo microbiano;, conta Hannah Wang, pesquisadora da equipe e autora do artigo científico, publicado na revista Oncotarget.

Ao analisar o tecido da mama das participantes, porém, o resultado foi outro. ;Identificamos que pacientes de câncer e mulheres saudáveis têm uma microbiota significativamente diferente, uma diferença caracterizada, em especial, pela redução da Methylobacterium nas mulheres doentes;, diz o pesquisador. Os resultados também mostraram níveis elevados de bactérias do tipo gram-positivo, como Staphylococcus, Corynebacterium, Propionibacteriaceae e Actinomyces, nas participantes com carcinoma.

De acordo com Charis Eng, é preciso realizar mais pesquisa para confirmar e compreender o papel desses micro-organismos no câncer de mama. Contudo, ele destaca que, além de ter sido o primeiro trabalho a examinar tanto o tecido da mama quanto amostras de diferentes partes do corpo para encontrar variações na composição bacteriana de mulheres saudáveis e com câncer, esse é um dos maiores estudos que examinou a microbiota em pacientes de câncer de mama. ;Nossa esperança é encontrar um biomarcador que nos ajude a diagnosticar essa doença de forma rápida e fácil;, diz. ;E, em nossos sonhos mais ousados, esperamos intervir antes que o câncer se desenvolva, prevenindo o tumor com probióticos ou antibióticos.;