;Uma vez que todos comemos sal todos os dias, em cada refeição, ficamos surpresos com o fato de que ninguém ainda havia feito essa pergunta simples: o sal pode afetar os micróbios intestinais, já que ele atinge o intestino?;, conta ao Correio Dominik Muller, autor principal do estudo e pesquisador do Centro Max-Delbrück de Medicina Molecular. Para esclarecer essa dúvida, Muller e sua equipe compararam amostras fecais de ratos alimentados com uma dieta com quantidade normal de sódio e de roedores que seguiram um regime com alto teor de sódio.
Os investigadores colheram e analisaram as amostras das cobaias diariamente, durante três semanas. A partir do 14; dia, descobriram redução significativa de espécies microbianas na flora de roedores alimentados com sal em excesso. Por meio de técnicas de sequenciamento de DNA e análises computacionais, identificaram as bactérias Lactobacillus murinus, do gênero Lactobacillus, como o grupo mais atingido. ;Como esse grupo de bactérias também é conhecido por afetar o sistema imunológico, resolvemos nos aprofundar nele e desvendar os detalhes envolvidos em sua redução;, relata Muller.
Em uma nova etapa de testes com roedores, observou-se que a administração de Lactobacillus murinus reduziu a quantidade de células TH17, relacionadas à hipertensão, e impediu o agravamento de encefalomielite autoimune experimental, um modelo de inflamação do cérebro relacionada ao excesso de sal. ;Curiosamente, descobrimos que o Lactobacillus atuou como um tipo de inibidor de TH17 em camundongos, algo que nos surpreendeu bastante;, ressalta o líder do estudo.
Na terceira fase da pesquisa, a equipe contou com a participação de um pequeno grupo de humanos nas intervenções. Dessa forma, os investigadores descobriram que o aumento da ingestão de sal reduziu a sobrevivência intestinal de múltiplas espécies de Lactobacillus, aumentou a quantidade de células TH17 e a pressão arterial.
Apesar de otimistas com os resultados, os cientistas acreditam que mais estudos com humanos são necessários a fim de comprovar a relação das bactérias Lactobacillus murinus com os problemas inflamatórios e cardiovascular. ;Precisamos analisar um número maior de pacientes para confirmar essa suspeita, esse é um dos nossos planos. Realizaremos ensaios clínicos maiores, controlados com placebo, que analisarão o efeito de bactérias do gênero Lactobacillus sobre a pressão arterial e a polarização com as células TH17;, adianta Muller. ;Essa função imunomoduladora pode ser interessante para tratar doenças inflamatórias, o que poderá trazer ganhos na área médica;, complementa.
Dieta
Hermes Aguiar Júnior, gastroenterologista do Hospital Santa Lúcia Norte, em Brasília, e membro titular da Sociedade Brasileira de Gastroenterologia, avalia que a pesquisa enriquece um campo que tem sido muito estudado. ;Já sabemos dos malefícios da ingestão excessiva do sal em fatores renais e no sistema nervoso, por exemplo. Mas a sua relação com a microbiota intestinal ainda não havia sido avaliada. De uma forma geral, esse é um tema que tem sido bastante explorado, pesquisas estão relacionando a causa e os possíveis tratamentos de enfermidades com a diversidade da microbiota;, explica.O médico ressalta ainda a necessidade de estudar melhor o tema, com um número maior de pacientes, mas destaca que o artigo alemão pode ser considerado importante por mostrar mais um motivo para o consumo controlado de sal. ;Sabemos que ainda é um estudo experimental, mas, ainda assim, o efeito na microbiota é mais uma razão para tirar o sal da dieta. A diversidade das bactérias é algo importante. Sabemos que alguns carboidratos complexos presentes em verduras, como o brócolis e a cenoura, são melhores para o intestino por serem mais difíceis de ingerir. Isso beneficia a flora intestinal, diferentemente de alimentos menos complexos, como a batata, o macarrão e o pão;, ensina.
Palavra de especialista
Vasto campo a explorar;Um estudo maior, que inclua pessoas com pressão arterial normal e alta, compare várias doses de sal e um placebo, levando, assim, a várias leituras funcionais da microbiota ao longo do tempo, é algo que aguardamos ansiosamente. A lista de doenças complexas em que a microbiota intestinal pode desempenhar um papel importante está crescendo, mas uma atenção cuidadosa aos fatores envolvidos nessa relação é necessário ao testar hipóteses. Dúvidas existentes que estudos futuros, sem dúvida, esclarecerão. Mesmo efeitos considerados ;modestos; atualmente são mais do que dignos de novos estudos devido ao profundo potencial para benefícios à saúde global.;
David A. Relman, pesquisador da Universidade de Stanford, em artigo opinativo divulgado na revista Nature