Incurável, o Parkinson pode prejudicar imensamente a qualidade de vida dos pacientes, geralmente idosos. Complicações motoras ; os tremores, por exemplo ; dificultam a execução de tarefas simples do dia a dia, como se alimentar e escovar os dentes. Por isso, são alvo de estudo em diferentes centros de pesquisa do mundo. Uma equipe do Japão trabalha no desenvolvimento de uma técnica que usa células-tronco para amenizar problemas do tipo. Os resultados foram positivos em testes com macacos e detalhados na edição desta semana da revista britânica Nature.
;Há muitos ensaios clínicos que mostram a eficácia do transplante de células fetais para pacientes com doença de Parkinson. Nosso trabalho baseou-se nesses resultados;, conta ao Correio Jun Takahashi, pesquisador da Universidade de Kyoto e um dos autores do estudo científico. Ele e a equipe criaram neurônios dopaminérgicos a partir de células-tronco pluripotentes induzidas (iPSCs). ;As iPSCs podem se transformar em uma variedade de células que constroem quaisquer órgãos, como o cérebro, coração, ossos etc.;, explica o autor.
A intenção é usar as iPSCs para corrigir o principal problema neural causado pelo Parkinson: a queda na produção do neurotransmissor dopamina. Para isso, os neurônios dopaminérgicos criados foram implantados em células do cérebro de macacos modificados em laboratório para ter Parkinson. ;No cérebro de um paciente com essa doença, o número de neurônios dopaminérgicos diminui progressivamente. Nesse estudo, fizemos um modelo de macaco que tem essa característica e, por isso, se comporta como pessoas que têm essa enfermidade neurodegenerativa;, diz Takahashi.
O implante das células modificadas surtiu o efeito esperado. ;Pensamos que encontraríamos eficácia e segurança das células enxertadas, e nossa expectativa virou realidade. As iPSCs sobreviveram e secretaram dopamina no cérebro, o que provocou a melhoria comportamental dos macacos;, detalha o autor.
Os animais apresentaram melhoras na área motora que duraram dois anos, sem a presença de danos à saúde. Os pesquisadores não diagnosticaram, por exemplo, a formação de tumores, o que, segundo eles, sinaliza a segurança da técnica e a transforma em uma promessa de tratamento futuro. ;Esse é o nosso próximo passo: realizar um ensaio clínico para saber se essa tecnologia também pode ser eficaz em humanos. Espero que possamos iniciar esses testes até o fim de 2018;, estima Takahashi.
Outros males
Flávio Fária, neurologista do Hospital Santa Luzia, em Brasília, e especialista em doenças do distúrbio do movimento, também acredita que o estudo japonês possa se transformar em uma opção terapêutica. ;Para essa enfermidade, não temos nada que interrompa os danos motores. Nenhum tratamento, tanto medicamentoso quanto cirúrgico, cessa a progressão da doença. O uso das células-tronco poderia ser uma opção melhor, já que substituiu as células dopaminérgicas, que se perdem com o tempo. Seria uma espécie de reposição, auxiliando na recuperação dos danos;, detalha.
Apesar dos resultados iniciais promissores, o médico ressalta que a técnica precisa ser melhor avaliada, como a comprovação em um período maior da segurança e da eficácia do procedimento. ;Os pesquisadores observaram os macacos transplantados por dois anos e não viram crescimento tumoral, mas precisamos avaliar por mais tempo, já que se trata de uma doença neurodegenerativa, que evolui com o passar dos anos. Pode ser que essas células também fiquem suscetíveis e percam seu efeito, assim como ocorreu com as anteriores;, pondera.
O especialista também acredita que a técnica possa servir como opção de tratamento para doenças com mecanismos semelhantes aos do Parkinson. ;O Alzheimer é outro problema que envolve as células dopaminérgicas, o que dá esperança de que pacientes com essa enfermidade também possam beneficiar-se com o transplante de células-tronco. Mas é algo que veremos só mais para a frente, já que demorará alguns anos para que essa técnica possa ser usada;, diz.
Incidência universal
Cerca de 1% da população global com mais de 65 anos tem Parkinson, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). No caso do Brasil, o número estimado de pacientes é de 200 mil. A doença tem distribuição universal e atinge todos os grupos étnicos e classes socioeconômicas. Não prejudica apenas o funcionamento dos neurônios dopaminérgicos, alvo do estudo japonês. O sistema olfatório e neurônios periféricos também estão entre as áreas comprometidas.
;Nenhum tratamento, tanto medicamentoso quanto cirúrgico, cessa a progressão da doença. O uso das células-tronco poderia ser uma opção melhor (;) Seria uma espécie de reposição, auxiliando na recuperação dos danos;
Flávio Fária, neurologista do Hospital Santa Luzia